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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

STF não aprovou valor de Fundo Eleitoral; decidiu que regra não fere Carta

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

04/03/2022 07h03

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Qual a diferença entre afirmar que o "Supremo manteve a fórmula de cálculo" definida pelo Congresso para o Fundo Eleitoral e afirmar que o "tribunal endossou — ou aprovou — os R$ 4,9 bilhões que lhe foram destinados? É a diferença entre a verdade e a mentira.

Por nove votos a dois, os ministros decidiram, em síntese, que não cabe ao tribunal fazer essa arbitragem. A tarefa é do Congresso. Vários ministros, diga-se — Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Gilmar Mendes —, expressaram o seu inconformismo com o valor. Não gostar de uma proposição aprovada pelo Congresso é coisa distinta de apontar a sua inconstitucionalidade.

Sempre me incomoda quando, em situações assim, alguém diz: "Ah, o resultado é o mesmo; logo, é tudo a mesma coisa". Não é.

O ministro Ricardo Lewandowski alinhou-se com André Mendonça, cujo volto analisei aqui. Eu o considerei e considero despropositado — e, desta feita, vou divergir também, pois, de Lewandowski, que tem tido uma atuação exemplar em defesa da democracia e do estado de direito.

Expliquei naquele texto por que a alteração do fundo não fere o princípio da anualidade — isto é: a vedação a alteração da legislação eleitoral a menos de um ano do pleito. Definiu-se no Orçamento um novo cálculo para o fundo; não se fez mudança nenhuma que altere ou perturbe o pleito.

E, entendo, o mais grave no voto do Mendonça é o uso que ele faz do princípio da "proporcionalidade". Reproduzo trecho do seu voto:
"Assim, concluo que, para as eleições de 2022, o Legislador orçamentário, sob a vigência do Novo Regime Fiscal da União, incrementou o FUNDO ELEITORAL para as eleições de 2022 em desproporcional ordem de grandeza e, em detrimento dos projetos estruturantes e de grande vulto -- muitos deles em andamento --, tipicamente financiados pelas emendas parlamentares de bancadas estaduais e distrital. Logo, agiu em desacordo ao critério da proporcionalidade, notadamente aos postulados da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Defendo ser apropriada a utilização desse método para a justificação de intervenções em direitos fundamentais e para soluções de suas colisões. Primeiro, porque, por detrás dessa disputa orçamentária, encontra-se em xeque, de um lado, a fruição empírica dos direitos políticos de múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos nas próximas eleições; e, de outro, a efetivação do direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional. Segundo, por ser consensual na doutrina jurídica contemporânea que a concretização dos direitos demanda custos e esses são equacionados na orçamentação".

Trocando em miúdos: o ministro acha que está faltando dinheiro para outras coisas importantes — os tais "projetos estruturantes e de grande vulto" — e que a elevação do fundo, em benefício dos políticos ("múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos") acaba prejudicando o povo, portador do "direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional".

É impossível, entendo, à luz da independência entre os Poderes — e vou ler o voto de Lewandowski para tentar entender por que ele concordou com Mendonça — condescender com essa leitura do ministro. A ser assim, o Orçamento não será mais definido pelo Congresso, mas pelos 11 ministros do Supremo, que, então, avaliarão se os recursos destinados às áreas A, B ou C estão de acordo com as suas... Bem, com as suas expectativas e com seus juízos subjetivos sobre o valor a ser destinado a cada área. Pergunta: essa tarefa cabe ao Supremo?

Mais: desagrada-me, também, nessa consideração — que exala um odor lavajatista, diga-se — a oposição criada entre os interesses de políticos e a necessidades do povo. A gente sabe muito bem para onde nos levou a vereda da demonização da política, que vejo acima, ainda que de um modo liofilizado, desidratado.

Como Mendonça decidiu especular sobre o valor destinado às várias áreas, sentiu-se à vontade para definir ele mesmo o valor: deveria ser o mesmo da eleição anterior, corrigido pela inflação. Ora, também aquele montante do passado havia sido decidido segundo o arbítrio do Congresso; não nascia de uma disposição constitucional. A propósito: se o anterior era constitucional, tanto que o ministro queria repeti-lo, com a correção —, por que o de agora não seria? Nada na Constituição endossa essa opinião.

Mendonça sacou o argumento da "proporcionalidade". Bem, tivesse prosperado o seu voto, estariam abertas as portas para que partidos judicializassem cada rubrica do Orçamento. O Tribunal se transformaria numa verdadeira Câmara revisora da peça orçamentária.

DE VOLTA AO ERRO DE LEITURA
O Partido Novo apelou a uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). O papel do Supremo não é arbitrar sobre a justeza da destinação de recursos para esta ou aquela áreas. Nos casos em que a Carta define percentuais mínimos, como Saúde e Educação, o tribunal pode ser acionado se houver desrespeito à norma. Entendo, e assim entendeu a maioria, que o Supremo estaria invadindo uma área de competência do Congresso.

Não, queridos coleguinhas! O Supremo não "endossou" ou "aprovou" verba bilionária nenhuma! Essa formulação só contribui para a depredação da Justiça, além de ser falsa. O tribunal disse apenas, por maioria: a fórmula a que se recorreu não fere nenhum preceito fundamental.

Imaginem se ministros da Corte resolvessem, a cada julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou de ADPF, levar em conta não a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da matéria, mas o seu gosto pessoal...

Assim, não venham com o tal "é a mesma coisa". Não é!

"Ah, o Reinaldo também apoia o fundo de R$ 4,9 bilhões"... Errado! Eu defendo a doação de empresas privadas a campanhas — tornada inconstitucional pelo Supremo em 2015, numa decisão, entendo, arbitrária. Nada há na Carta, nem remotamente, que sugira essa leitura. Apelou-se, então, à questão da "igualdade": a doação de empresas desigualaria os cidadãos. Acho o argumento terrivelmente falacioso. Já escrevi muitas dezenas de textos a respeito. Já era! Será difícil acabar com o financiamento público. Convenham: partidos e candidatos têm de ralar muito menos.

Eu não apoio fundo de R$ 1 bilhão, R$ 2 bilhões ou R$ 5 bilhões. O dito-cujo nem deveria existir! Não havendo, no entanto, a doação de empresas, ou o dinheiro das eleições vem do Orçamento ou vem do crime organizado.

"Como? Se acho o valor exagerado?" Caras e caros, as campanhas em 2014, as últimas financiadas com recursos privados, custaram R$ 5,1 bilhões, segundo a prestação de contas. E ainda houve, como se sabe, caixa dois. Os R$ 4,9 bilhões significam um conforto e tanto para os partidos. Infelizmente, a disputa custa mais do que isso — e o financiamento ilegal vai continuar. Fossem, no entanto, os pouco mais de R$ 2 bilhões pretendidos por Mendonça, haveria ainda mais caixa dois e maior risco de exposição à Influência do crime organizado.

Eleições, ministro Mendonça, também são infraestrutura.

Infraestrutura da democracia.