Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O Guedes de Paris simboliza o governo sem rumo. Também na soberba impotente
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Se você quiser saber a quantas anda o governo de Jair Bolsonaro, leia relato publicado na Folha sobre a entrevista coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes, concedida ontem na embaixada do Brasil em Paris. Ele está na capital da França para cuidar do ingresso do nosso país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Marx chamava um contemporâneo seu, Lassale, de "caos de ideias claras". Não sei se as ideias do ministro da Economia são claras. Mas ele me pareceu particularmente caótico. E um tantinho irritado. Com quem? Soltou uma dose de fel contra o Datafolha, que colheu, mas não inventou, um dado de que ele não gostou — e lhe restou acusar o instituto de lulismo —, mas engoliu uma segunda, que, suponho, deveria ser diluída no café de seu chefe, Jair Bolsonaro. Vamos ver.
Goste ele ou não, o tema do dia ontem era a demissão do general Silva e Luna da Presidência da Petrobras e a indicação do economista Adriano Pires para o posto. O ministro, visivelmente, não gostou porque sabe que há nisso o prenúncio de que algo será feito em seu quintal. E contra a sua vontade. Desejou boa sorte ao futuro presidente da empresa, resumindo em seguida: "Não é problema meu!"
É mesmo? Bem, seria problema seu se realmente tivesse no governo o papel que imaginou, um dia, que teria. Afirmou ainda sobre a empresa:
"Quando eu penso em Petrobras, eu penso que a gente deveria privatizar a Petrobras, mas eu não tenho votos, sou só um ministro da Economia. Eu não tenho nada a comentar sobre a Petrobras".
Ao tratar a coisa de maneira tão ligeira, irritadiça, meio neurastênica, vamos convir, não é o Datafolha quem ajuda Lula, mas o próprio Guedes. A propósito: falando a petroleiros, o presidenciável petista comparou a empresa a Cristo em razão das provações a que teria sido submetida. A metáfora é despropositada. Se o ministro da Economia, no entanto, trata uma das principais empresas brasileiras como um mero problema do qual o governo tem de se livrar, é evidente que abre o flanco para que o favorito nas eleições defenda o "patrimônio nacional" com tintas dramáticas.
Como o próprio Guedes lembra, privatizar ou não a Petrobras não depende de um ato de vontade do Executivo. Como se trata de uma empresa-mãe, não de uma subsidiária, é preciso ter a aprovação do Congresso. E essa equação, antes de ser econômica, é política.
Guedes é macaco velho na área e deve ter percebido que os mercados reagiram muito bem à demissão de Silva e Luna e à indicação de Adriano Pires. E por que foi assim? Justamente porque a questão diz respeito à área do ministro. Explico. O general seguiu a cartilha de governança da empresa e manteve a paridade dos preços internacionais do petróleo. Foi fiel, portanto, as regras de mercado, a exemplo de Roberto Castello Branco, que o antecedeu no cargo — nomeado por Guedes e também demitido por Bolsonaro.
Logo, em tese ao menos, seria de se esperar que as ações da Petrobras caíssem porque estaria configurado um risco de manipulação dos preços, contra o caixa da empresa. Ademais, nesta terça, em razão da possibilidade de início de entendimento entre Rússia e Ucrânia, o preço do barril caiu. Mas as ações subiram. E por quê?
Porque o mercado deu como certo que, para o caixa da empresa, nada vai mudar. A paridade será mantida. Pires defende que se crie um fundo de estabilização dos preços com recursos dos dividendos que a Petrobras paga ao governo. Vale dizer: ninguém mexeria no cofre da empresa ou no bolso dos acionistas. Ocorre que os dividendos pagos pela Petrobras ao governo não vão para um caixa em separado. Eles integram o conjunto de recursos que compõem o Orçamento. Para que o dinheiro seja usado num fundo de estabilização, é preciso mexer com esse Orçamento, submeter o gasto à regra do teto, negociar com o Congresso...
Bem, quem deveria, então, estar a cuidar da questão? Resposta óbvia: o ministro da Economia — que vem a ser Paulo Guedes. Tudo indica que ele já sentiu o cheiro da encrenca e, por enquanto, está fazendo de conta que a questão não existe. E isso faz supor, também, leitores, que o governo, até agora, nada tem estruturado — quiçá nem mesmo pensado. Bolsonaro queimou mais um na empresa — é o 10º general que ele submete à humilhação —, e tudo indica que, por um bom tempo, a coisa segue como está.
Ora, criar o fundo de estabilização não é tarefa da Petrobras, certo?, mas do governo federal.
DOANDO AOS POBRES
Segundo o relato da Folha, Guedes fez questão de dizer, mais de uma vez, que é um liberal. Escreve o jornal:
Segundo ele [Guedes], o dinheiro das privatizações deveria servir para ajudar os mais pobres. "Por que não distribuímos, além de renda, nossas riquezas?", questionou o ministro. Ele comparou a situação do Estado brasileiro com o francês, que tem bilhões de dólares em estruturas e empresas estatais e de vez em quando vemos alguém dormindo debaixo da Torre Eiffel.
Parece coisa de bom senso, mas é misto de asneira e provocação — a segunda é de caso pensado; a outra, sabe-se lá. Então não pode haver estatal onde há pessoas sem um teto, é isso?, restando ao Estado a obrigação moral de vender ativos para comprar casa? E onde, ministro, não havendo estatais a vender, há, ainda assim, muitos indivíduos sem moradia — caso, por exemplo, dos EUA?
Ele tentou ser ainda mais claro no seu raciocínio:
"Faça uma transferência de renda, ou melhor, uma transferência de riqueza (do Estado) para ajudá-lo [o cidadão] a comprar uma moradia. Eu acho que é melhor do que ter uma empresa estatal que produz uma commodity. Eu prefiro vender e dar o dinheiro para os pobres. Acho que teria um impacto muito maior na economia."
Guedes descobriu o caminho para pôr fim aos pobres e à geração da pobreza. Os países que, por infortúnio, não contarem com estatais para vencer terão de se contentar com a miséria. E olhem que seu modelo já foi aplicado, debaixo de porrete, no Chile. O país teve de fazer uma Constituinte para tentar se livrar do paraíso na Terra.
CULPA PELA INFLAÇÃO
Segundo o Datafolha, 75% dos brasileiros responsabilizam na totalidade ou em parte o governo Bolsonaro pela inflação. O ministro lembrou que esse é um mal hoje no mundo, mas resolveu atirar no mensageiro:
"Então eu acho que o Datafolha está fazendo o seu trabalho, sem problema, está coletando dados para dizer que Bolsonaro é um mau presidente e que Lula está voltando, e vai ter dinheiro para todo mundo, inclusive para a imprensa".
Vejam como o dito liberal não custa a verter a sua baba reacionária e logo saca o tal complô da imprensa contra o governo, interessada que estaria em eleger Lula para obter vantagens pecuniárias — uma das acusações mais burras veiculadas pelas milícias digitais bolsonaristas.
PARA ENCERRAR
Se Bolsonaro for reeleito, é claro que Guedes quer continuar -- mas não parece tão certo que queiram que ele continue. Bem, ocorrem-me aqui chances de emprego caso seu chefe seja derrotado ou, se vitorioso, queira outro titular da Economia. Leiam este trecho da entrevista do ministro:
"Tem algo errado nos Bancos Centrais da Europa. Eles não estão praticando uma boa política monetária, com 8% de inflação e taxas de juros de 0,5%. A inflação vai ser um grande problema aqui. No Brasil, a taxa de juros é 12% e a previsão da inflação para este ano é de 6%, ou seja, as taxas de juros reais são muito positivas. Nos EUA e na Europa, eles estão se movendo muito lentamente".
O FED e o Banco Central Europeu já têm a quem pedir socorro quando ficar evidente que estão errados, como quer nosso ministro. Certamente dirão:
"Chamemos o Guedes. Ele bem que nos advertiu! Pode arrumar todas as burradas que fizemos. Vejam lá como os brasileiros nadam na prosperidade e na abastança."