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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ciro seria nova 3ª via, mas com demissão da diretoria do BC e fim do teto?

Ciro Gomes, do PDT: sem Sergio Moro ciscando na área, ele diz que conversa com partidos que tentam "terceira via" é possível - José Cruz/Agência Brasil
Ciro Gomes, do PDT: sem Sergio Moro ciscando na área, ele diz que conversa com partidos que tentam "terceira via" é possível Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

19/04/2022 04h05

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O ambiente na chamada "terceira via" — eita nome idiota! — está ainda mais confuso do que antes. E eis que aparece Ciro Gomes (PDT) propondo cuidar dos cristais, justo ele que tem fama de se sangue quente, de ter pavio curto. Assiste-se a lances de tal sorte surrealistas que até isso pode ser possível. O PDT, por enquanto, está sozinho na sua postulação à Presidência, acompanhado, na média das pesquisas, por algo em torno de 6% a 8% dos votos. Dado o quadro, convenham, é um dote e tanto para tentar casamento. Mas e o temperamento da noiva — ou, no caso, do noivo? Há ainda as intenções.

Ciro participou nesta segunda do lançamento da pré-candidatura da senadora Leila Barros (PDT) ao Governo do Distrito Federal. Deixou claro que, sem Sergio Moro como alternativa das legendas empenhadas na tal "terceira via", a conversa pode prosperar. E brindou o ex-juiz incompetente e suspeito com uma síntese que eu não poderia deixar de endossar. Disse que esteve há alguns dias com ACM Neto, secretário-geral do UB, e Luciano Bivar, presidente da sigla. E mandou brasa:
"Eu disse a eles que a mim repugnava a ideia de sentar com um inimigo da República como Sergio Moro. Parece que essa questão está vencida. Portanto, a única restrição que eu fazia está superada, aparentemente".

O problema está no "aparentemente". Não sei o que Bivar disse a Ciro ou que eventuais certezas lhe deu a parte da direção da legenda ligada a ACM Neto. Mas todos os que encostaram o ouvido ao peito de Moro escutaram a confissão: "Bivar é meu cavalo de troia; finge ser o nome do União Brasil na távola redonda com PSDB e MDB, mas está mesmo é esquentando o lugar para me receber". Vai dar certo? Não leva jeito.

Ciro ainda acusou Moro de ter perseguido com áudio um político -- referia-se a Lula -- e depois ter servido a seu adversário como ministro da Justiça. No caso, falava de Bolsonaro. E resumiu assim um pedaço da biografia do incompetente e suspeito:
"Um ex-juiz, ex-ministro da Justiça, portador de informações privilegiadas não pode trabalhar para uma multinacional e em dez meses ganhar R$ 3,6 milhões em dólar e tentar esconder isso do povo brasileiro. É um grande picareta que a República tem que expurgar da nossa convivência."

É claro que eu concordo com o pré-candidato do PDT na questão substantiva.

CONFUSÃO
Existe hoje um pré-entendimento entre UB, PSDB e MDB. Anunciaram que pretendem lançar uma candidatura única no dia 18 de maio. Trata-se de um arranjo mambembe. O UB está nele como se vê. O PSDB tem um pré-candidato definido em prévias, mas o derrotado no processo não desistiu, e há, então, o confronto entre João Doria e Eduardo Leite, mas no interior do partido. Questão elementar: os que não conseguem unir a própria legenda entrariam com que força na aliança? O MDB apresenta o nome de Simone Tebet (MS), mas parte da sigla prefere apoiar Lula. Segundo a própria senadora, ela só aceita a empreitada como titular. Nunca como vice. O mesmo vale para Doria. Leite, que já começou a campanha para 2026, topa qualquer coisa: vice, titular, oponente interno de Doria, o que vier...

Ciro ser o candidato de toda essa gente? Parece difícil. Há dificuldades insuperáveis com parcelas do MDB, distintas entre si: há os que são próximos do ex-presidente Michel Temer, de quem o pedetista diz cobras e lagartos, e há a ala que quer apoiar Lula, a quem o ex-governador do Ceará dispensa tratamento de inimigo — afirmar que alguém exerce uma "ação apodrecedora" na política não tem como ser uma crítica construtiva ou mera divergência estratégica ou tática. A relação com João Doria, no PSDB, não chega a ser tranquila. Lá, a conversa com Leite até poderia avançar por intermédio do deputado Aécio Neves (MG), hoje mentor do ex-governador gaúcho.

Somar todas essas legendas — e ele ainda mantém diálogo com o PSD, presidido por Gilberto Kassab, e andou espichando os olhos para o Podemos, deixado órfão por Moro — seria sair do quase naniquismo partidário para um transatlântico. Se fosse possível, coisa de que duvido muito, tratar-se-ia de um transatlântico partidário, com tempo, capilaridade e dinheiro de sobra para fazer campanha.

O PROGRAMA
Mas há uma outra dificuldade: o que Ciro terá de dizer para agradar a toda a essa gente? Ou, mudando o ponto de vista, como é que ele iria convencer partidários de direita e centro-direita de que as suas propostas, com viés inequivocamente à esquerda, são as melhores para o país? Para tentar vencer a eleição, topariam o que muitos chamariam -- não eu -- os "radicalismos" do pedetista?

Na entrevista desta segunda, diga-se, Ciro afirmou que, se eleito, vai convidar Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, a pedir demissão, tarefa que não seria trivial caso este não aceitasse o convite para se demitir. A independência supõe, por exemplo, que o chefe do Executivo não pode mandá-lo para casa. O presidenciável fez tal afirmação justamente ao criticar Gleisi Hoffman, presidente do PT, que falou sobre a permanência de Campos no BC. Afirmou Ciro:
"Isso é o fundo do poço, e eu, no primeiro dia, convidarei as suas excelências a se demitirem".

"Suas excelências", entenda-se, são os diretores do BC.

Pois é... Em encontro com empresários do grupo Esfera Brasil, Guido Mantega, por exemplo, ex-ministro da Fazenda petista, afirmou que Campos Neto está tendo um desempenho melhor do que o de Henrique Meirelles. Vai aqui uma graça: já imaginaram um segundo turno — improvável, hoje, segundo as pesquisas — entre Lula e Ciro, e os tais "mercados" a defender um voto no petista por prudência conservadora? O pedetista também já chamou o teto de gastos de "ficção".

E não! Não estou aqui a demonizar isso ou aquilo — até porque o teto de gastos é mesmo uma ficção. O ponto não é esse. Ciro não parece disposto a ser uma média das aspirações de União Brasil, MDB, PSDB e, claro, PDT — e, se der, ainda PSD e PDT. Exceção a seu partido, a legenda que mais se aproxima da esquerda é o MDB, em acordo difícil. As conversas podem avançar, mas entendimento mesmo, convenham, é difícil.

Em síntese: até agora, a perdição da chamada "terceira via" tem sido o chamado "voto nem-nem" e a tentativa, que se mostra desastrosa, de construir uma alternativa conservadora ao reacionarismo de Bolsonaro. Ciro parece propor uma alternativa, que se distingue desse propósito, porque tem viés muito mais à esquerda. Mas precisaria atrair legendas de direita e centro-direita.