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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A dupla Bolsonaro-Guedes volta a atacar a Petrobras e demite presidente

José Mauro Coelho, o mais recente demitido da presidência da Petrobras, e Caio Mário Paes de Andrade, que Guedes quer no comando da empresa - Reprodução
José Mauro Coelho, o mais recente demitido da presidência da Petrobras, e Caio Mário Paes de Andrade, que Guedes quer no comando da empresa Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/05/2022 06h27

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Jair Bolsonaro partiu para a esculhambação. Não está nem aí. Faz o que lhe dá na telha. Escrevi certa feita que governantes os há de dois modos: os que arrumam ministros melhores do que eles próprios para áreas específicas, aprendendo com os especialistas, e aqueles que conseguem piorar os subordinados. O presidente é do segundo tipo: quem recusa o nivelamento leva um chute no traseiro.

Assim, Bolsonaro decidiu demitir o presidente da Petrobras, que está no cargo há apenas 41 dias. E o faz com a concordância plena de Paulo Guedes e de Adolfo Sachsida, o estupefaciente ministro das Minas e Energia. José Mauro Coelho deixará o cargo e, para o seu lugar, o trio tentará emplacar Caio Mário Paes de Andrade, assessor de Guedes. Era o seu candidato quando caiu o general Silva e Luna.

É espantoso que a maior empresa do país esteja submetida a esses sortilégios. Como o mercado vai ler a coisa? Não sei. Se depender dos fatos, muito mal. Se alguém emplacar alguma tese metafísico-especulativa, pode até reagir...bem! Há quem queira que Guedes esteja se fortalecendo. Afinal, emplacou um homem de sua confiança nas Minas e Energia e agora pode ter outro assessor na presidência da empresa.

A dupla, por sua vez, reforçaria o sinal favorável à privatização da Petrobras, como se isso fosse questão que se resolvesse assim, na base da desmoralização da empresa. Aliás, essa leitura parece essencialmente estúpida. Coelho está caindo porque havia expectativa de que a Petrobras iria aumentar o preço da gasolina na bomba. Bolsonaro não quer? Entenderam o paradoxo? Ao mesmo tempo em que fala em segurar preços, o presidente alimenta a fantasia da privatização.

No fundo, está usando a empresa para fazer política de várias maneiras combinadas. Transformou a gigante na Geni. O seu desejo é que motoristas e caminhoneiros vituperem contra a empresa, não contra o presidente, a cada vez que enchem o tanque. Tenta, assim, se livrar de um passivo político — embora a inflação renitente deva aos combustíveis parcela reduzida de seu índice escandaloso. Há mais: o ódio crescente à Petrobras, que ele estimula, contribuiria para diminuir a resistência à privatização. Parte do dinheiro gordo fica com o olho grande por razões óbvias. E alguns trouxas que só pagam a conta se deixam iludir.

MAS PODE?
Vejam a vida profissional de Caio Mário Paes de Andrade. Ele não tem o currículo que a lei impõe para ser presidente da Petrobras. A questão pode acabar sendo judicializada caso passe pelos crivos da Petrobras.

Eis o seu perfil, sintetizado pelo Estadão:
"Andrade tem formação em Comunicação Social pela Universidade Paulista em São Paulo, pós-graduação em Gestão pela Harvard University e Mestrado em Administração de Empresas pela Duke University. Iniciou sua trajetória na gestão Bolsonaro como presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em fevereiro de 2019.
Em março de 2020, Andrade foi nomeado para o cargo de secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, em substituição a Paulo Uebel, que foi quem o indicou para comandar a Serpro.
No governo Bolsonaro, Caio Mario Paes de Andrade já presidiu a Serpro e a secretaria especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia Foto: Serpro/Divulgação.
Segundo informações do governo, Andrade é membro do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Pré-Sal Petróleo (PPSA), já atuou como empreendedor nos segmentos de tecnologia de informação, mercado imobiliário e agronegócio, já tendo liderado mais de 20 processos de M&A (fusões e aquisições). Na área social, fundou o Instituto Fazer Acontecer, que promove atividades ligadas ao esporte no semiárido baiano, e participou como mentor de empreendedorismo para o Instituto Endeavor Brasil."

Vale dizer: ele até pode entender de Bolsonaro e Guedes, mas nada entende de petróleo. A Lei de Responsabilidade das Estatais, a 13.303, aprovada pelo Congresso e sancionada por Michel Temer quando ainda na interinidade, proíbe o amadorismo. Reproduzo trecho do Artigo 17:

Art. 17. Os membros do Conselho de Administração e os indicados para os cargos de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretor-presidente, serão escolhidos entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento, devendo ser atendidos, alternativamente, um dos requisitos das alíneas "a", "b" e "c" do inciso I e, cumulativamente, os requisitos dos incisos II e III:
I - ter experiência profissional de, no mínimo:

a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou

b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos:

1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa;

2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público;

3. cargo de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

c) 4 (quatro) anos de experiência como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista;

II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado; e

III - não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas do inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010.

Exceção feita ao exigido no Inciso III da "Alínea C", que nada tem a ver com a Petrobras, propriamente, o homem de Guedes não atende aos requisitos. E daí? Bolsonaro vai indicá-lo mesmo assim. A própria companhia dispõe de comitês internos para avaliar a escolha;

De qualquer modo, o governo é o sócio majoritário e pode tentar enfiar a indicação goela abaixo. Ocorre que há uma lei. E Bolsonaro não tem a alternativa de desobedecê-la.

O nome do presidente da Petrobras pode acabar nos tribunais. Assim, o dito "Mito" faz questão de desrespeitar as regras do jogo para depois reclamar da intervenção do Judiciário.

É a bagunça como método.