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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro aposta em PECs das ilegalidades como a facada da eleição de 2022

Brum/Tribuna do Norte
Imagem: Brum/Tribuna do Norte

Colunista do UOL

04/07/2022 06h48

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Ninguém acredita em pesquisas mais do que Jair Bolsonaro. E ninguém, mais do que ele, confia nas urnas eletrônicas. E por isso está em pânico. Sabe que os levantamentos sérios refletem a vontade dos eleitores. E, hoje, a maioria dos brasileiros quer mesmo é vê-lo pelas costas. Sem histórico de fraudes, se o pleito fosse hoje, o sistema eletrônico lhe diria: "No dia 1º de janeiro de 2023, você está desempregado. E tem um encontro marcado com a Justiça".

Tanto o presidente tinha a certeza, tudo o mais constante, de que seria apeado do cargo que decidiu criar o fato extraordinário da eleição de 2022. O emprego do futuro do pretérito pode levar o leitor a entender que o articulista acredita que aquele cenário da derrota certa se desfez em razão das artimanhas do mandatário. Obviamente não! É que estou aqui a refletir as expectativas do próprio presidente e dos seus aliados.

O imponderável deixou a sua marca nas eleições de 2014 e de 2018. Desta feita, Bolsonaro decidiu ele próprio criar o fator exógeno para tentar determinar o resultado das urnas. Vai dar certo? Antes que chegue lá, lembremos aqui de alguns fatos.

A QUEDA DO AVIÃO
A eleição de 2014 foi marcada por uma tragédia: a morte de Eduardo Campos (PSB) num acidente aéreo. Tivesse disputado, o resultado seria outro? Não é possível contar a história que não houve. A última pesquisa Datafolha antes da sua morte e primeira depois do registro das candidaturas, feita nos dias 15 e 16 de julho daquele ano, dava-lhe 8% dos votos, contra 36% de Dilma Rousseff (PT) e 20% de Aécio Neves (PSDB).

Campos morreu no dia 13 de agosto. No levantamento de 14 e 15, tendo Marina Silva como candidata do PSB, a ex-senadora e ex-ministra petista quase triplica o índice de ex-companheiro de chapa: marcou 21% e empatou, mas numericamente à frente, com Aécio, que permaneceu com 20%. Dilma ficou com 36%. Se houvesse segundo turno, a petista batia o tucano por 47% a 39%, mas passou a figurar atrás de Marina, ainda que em situação de empate técnico: 43% a 47%. Muitos analistas projetaram sem temor a vitória de Marina.

A história é conhecida. A campanha petista submeteu a ex-aliada ao que se chamou, então, "desconstrução de imagem", e sua candidatura acabou se desidratando. Pesquisa publicada na véspera da eleição apontava Dilma com 44% dos votos válidos; Aécio, com 26%, e Marina com 24%. Depois de figurar como favorita, a ex-ministra do Meio Ambiente não conseguiu chegar ao segundo turno. A petista obteve 41,59% dos votos válidos no primeiro, contra 33,55% do tucano. No segundo, a então presidente se reelegeu com 51,64% dos votos contra 48,36% do seu oponente.

A menos de dois meses da eleição, sem Campos, chegou-se a ter a impressão de que ninguém pararia Marina. A campanha eleitoral do PT conseguiu pará-la. No fim das contas, teve-se o embate final inicialmente esperado: entre Dilma e Aécio. Mas, como ficou evidente, o inesperado se encarregou da turbulência eleitoral.

A FACADA
No dia 7 de abril de 2018, Lula foi preso por ordem de Sergio Moro, que se tornou depois um estafeta de Bolsonaro. No Datafolha dos dias 13 e 14 daquele mês, o petista continuou a liderar a pesquisa, com 31% das intenções de voto, seguido pelo agora presidente, que tinha 15%, e Marina, com 10%. Lula vencia todos os embates no segundo turno, inclusive contra o "Mito": 48% a 31%.

Com dados colhidos nos dias 20 e 21 de agosto, a menos de dois meses da eleição, Lula tinha 20 pontos a mais do que Bolsonaro no primeiro turno: 39% a 19%. No segundo, batia-o por 52% a 32%. No dia 31 de agosto, o TSE decidiu rejeitar o registro de sua candidatura.

A 6 de setembro, Adélio Bispo dos Santos deu uma facada em Bolsonaro. Na pesquisa seguinte, do dia 10, ferido e sem Lula na disputa, o candidato do PSL assumiu a dianteira no primeiro turno, com 24% dos votos, seguido por Ciro Gomes, com 13%; Marina Silva, com 11%, e Geraldo Alckmin com 10%. No segundo turno, perderia a eleição para Marina, Alckmin e Ciro, empatando com Fernando Haddad, que substituíra Lula e, ainda desconhecido, marcava apenas 9% no primeiro turno.

Menos de uma semana depois, com levantamento feito nos dias 13 e 14, Bolsonaro chegava a 26% das intenções de voto, e Haddad já disputava com Ciro o segundo lugar, empatados em 13%. No segundo turno, o agora presidente melhorava a sua performance contra todos os adversários.

Sem participar de debates, dando entrevistas no hospital, de onde falava como um moribundo que recebesse mensagens reacionárias do além, Bolsonaro chegou à véspera do primeiro turno com 40% dos votos válidos, contra 25% de Haddad, mas estava em ascensão e se considerava ser muito provável que chegasse a um patamar superior àquele registrado. Obteve 46,03% dos votos válidos no primeiro turno contra 29,28% do petista; no segundo, 55,13% contra 44,87%.

INTERVENÇÕES MULTIBILIONÁRIAS
No mato sem cachorro, confrontado com a ruindade do seu governo, vendo ruir, dia após dia, a bandeira da moralidade, com escândalos pipocando em todo canto -- e o maior deles é mesmo o chamado "Orçamento Secreto" --, Bolsonaro percebeu que seu berreiro reacionário e suas ameaças golpistas tornavam ainda mais fiéis os da sua seita, mas não atraíam votos novos. A eleição de 2014 teve queda de avião. Imponderável. A de 2018 teve a facada. Imponderável também -- embora a exploração política posterior tenha tido rigor e método.

Em 2022, o governo decidiu cuidar do elemento-surpresa: se alguém supunha que Bolsonaro seria incapaz de arruinar a governança do país no presente e no futuro para tentar se reeleger, bem..., andou supondo errado. Desde que as urnas começaram a se mostrar avessas à sua reeleição, o presidente não se limitou à retórica golpista: ele também avançou no caixa para garantir benefícios temporários — ou minimizar temporariamente a carência — a milhões de brasileiros.

Era preciso correr. Afinal, o linimento tem de chegar depressa ao bolso dos pobres (que recebem o Auxílio Brasil) e das categorias contempladas — caminhoneiros e taxistas — porque se está a menos de três meses da eleição. O governo e o Centrão apostam que isso muda o destino de Bolsonaro nas urnas. Vamos ver a reação daqueles que vão receber um dinheirinho a mais quando ficar claro que tudo acaba junto com o Natal.

ILEGALIDADE
Seja qual for o resultado das eleições deste ano, uma coisa é inequívoca: também ela está inexoravelmente marcada por uma excepcionalidade. Bolsonaro espera que as ilegalidades todas que está cometendo com o seu pacote de supostas generosidades o devolvam para o jogo. Quer chegar aos atos golpistas do 7 de setembro deste ano com mais força nas urnas do que exibe agora, o que conferiria força adicional para pôr sob suspeição o resultado caso este lhe seja adverso.

O presidente sabe, sim, que estão certas as pesquisas que apontam a sua derrota se a eleição fosse hoje. Sabe, sim, que as urnas registram precisamente a vontade do eleitor. Tanto ele sabe que resolveu comandar um governo à margem da lei — verdadeiramente marginal — para tentar reverter a sua sorte. E, como de hábito, danar a alheia.