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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro: Ameaças em ato evangélico; Nogueiras golpistas e país difamado

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

18/07/2022 06h08

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É mais frequente que Jair Bolsonaro ameace os brasileiros com a suspensão das eleições do que com a recusa ao resultado. Isso é reforçado a cada dia. Nesta segunda, pretende reunir embaixadores estrangeiros para apresentar supostas provas de fraude em 2014, 2018 e 2020. No sábado, em discurso ilegal e eleitoreiro na "Marcha para Jesus" de Fortaleza, anunciou algo de extraordinário para breve. E estava se referindo ao pleito. Foi o discurso mais alucinado do lixo golpista, que, a ser como se anuncia, contará com a adesão de um dos donos do Centrão. Vamos ver.

EMBAIXADORES
Neste domingo, falou por mais de uma hora com jornalistas na entrada do Palácio da Alvorada. Referindo-se à reunião com embaixadores -- não se conheciam até a noite deste domingo os nomes dos representantes diplomáticos que aceitaram seu convite --, afirmou que fará o que chama de uma "discussão técnica" para provar irregularidades nas eleições anteriores. Disse:

"[Discussão será] técnica. Não vou supor nada. O foco é na transparência eleitoral. Fazer com que, uma vez acabada as eleições, ninguém duvide da mesma. E o perdedor imediatamente ligue para o ganhador".

Indagado se telefonaria para Lula, respondeu:
"Eu tenho certeza de que eu não vou ligar para ele. Não tem o 'se' nessa questão. É o Flamengo, com todo respeito, enfrentando o Bangu, com toda certeza. Não tem cabimento. [Venceria] Até com o time reserva."

Poderia ser, vá lá, a parolagem irresponsável de sempre. Mas as coisas estão se adensando. A ser como se anuncia, estará acompanhado de Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil; do general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e de Braga Netto, ex-titular da pasta e vice da sua chapa. É preciso reconhecer a mudança de patamar do golpismo.

Bolsonaro não tem prova nenhuma como é evidente. A julgar pelo desempenho do general Nogueira ao falar ao Senado — quando, na prática, sugeriu ressuscitar o voto impresso para fazer o controle da urna eletrônica, num momento bastante constrangedor para as Forças Armadas —, deve-se assistir a um apanhado de teorias conspiratórias e impropriedades técnicas já tantas vezes desmentida. Prestem, no entanto, atenção às circunstâncias.

Os embaixadores — vamos ver quanto e quais — não vão, evidentemente, questionar as certezas do presidente. Se já não é seu papel participar de um evento dessa natureza, imaginem, então, entrar em arengas com o chefe de uma nação estrangeira. Não vai acontecer. O que Bolsonaro quer, numa tramoia da marquetagem, é "anunciar ao mundo" os seus supostos motivos. Ora, se vai dizer que eleições anteriores foram fraudadas e que não se pode assegurar a lisura desta, de 2022, estará também a acenar com uma reação preventiva, certo?

ABERRAÇÃO
A aberração é de tal natureza que, acreditem, ele convidou para o encontro os ministros Edson Fachin -- que voltou a atacar neste domingo -- e Luiz Fux, presidentes, respectivamente do TSE e do STF. Vocês não estão tendo um lapso de insanidade e leram direito. O senhor presidente da República convoca embaixadores para anunciar que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e, num ato de provocação barata, chamou dois ministros de cortes superiores, que serão os principais alvos de sua denúncia.

A assessoria de Fachin mandou uma resposta:
"Na condição de quem preside o tribunal que julga a legalidade das ações dos pré-candidatos ou candidatos durante o pleito deste ano, o dever de imparcialidade o [ao ministro] impede de comparecer a eventos por eles organizados".

Fux também não vai. Bolsonaro já disse que pretende exibir um PowerPoint — mais um que pode fazer história... — em que deve exibir ainda falas de ministros do TSE que evidenciariam parcialidade da corte.

Se Nogueira estiver mesmo presente — e acho que estará —, será a primeira vez que um dos donos do Centrão põe suas digitais num evento golpista. A partir, então, desta segunda, deve-se supor que um pedaço, ao menos, da turma aceitaria acompanhar o presidente numa aventura contra a realização da eleição ou repudiando o seu resultado na suposição de que teria havido fraude.

Ao exibir os dois Nogueiras — o da Defesa e o do Centrão —, Bolsonaro está querendo dizer que tem apoio armado e político para, se quiser melar o jogo. Um dia sairemos desse buraco, é claro!, e gente assim terá de responder por suas escolhas. E pensar que, originalmente, nogueira é madeira de lei...

DEUS OU DIABO?
No sábado, ao discursar na Marcha para Jesus em Fortaleza, Bolsonaro voltou à conversa de que, em 2018, foi Deus que impediu que morresse e que, pois, isso só pode ter algum propósito. Falou ainda sobre ameaça comunista, aborto, drogas, ideologia de gênero, atribuindo "ao outro lado" opiniões malignas sobre tais temas. Insista-se: era uma "Marcha para Jesus". Virou um comício escancaradamente ilegal.

Mas também aí não há novidade. Ao misturar eventos da política com passagens bíblicas, evidenciou-se a sua disposição de atropelar a realização das eleições.

Bolsonaro referiu-se aos atos golpistas de 7 de setembro do ano passado, quando muitos de seus seguidores esperavam que virasse a mesa. Ao contrário: acabou havendo uma espécie armistício, o que os seus fanáticos rejeitaram. Atentem para o que disse o presidente:
"Como tivemos no 7 de setembro do ano passado algo magnífico. Vocês ainda estavam aprendendo. Eu estava ainda naquela segunda passagem: 'Por falta de conhecimento, o meu povo pereceu'. Hoje vocês já têm conhecimento o suficiente para saber o que está em jogo para o futuro da nossa nação".

A citação "Por falta de conhecimento, o meu povo pereceu" é uma passagem do Livro de Oséias. Bolsonaro não leu coisa nenhuma. Tampouco a Bíblia. Oséias está passando um pito no sacerdote que é incapaz de transmitir a palavra de Deus. Imaginem se seu espírito baixasse ali, naquele palanque, em que o Altíssimo era associado a um candidato e em que a Sua palavra era barateada como mero instrumento da luta política. De fato, a falta de conhecimento faz com que gente como Bolsonaro e aqueles que usam a religião como instrumento para conseguir poderes terrenos levem o povo a perecer.

O ANÚNCIO
E agora vamos ao momento mais grave da sua fala na marcha. Atentem:

"Tentaram várias vezes mudar o regime do nosso país. Quase todas as vezes pela força. Agora querem também mudar o regime do Brasil. Por intermédio da mentira, da promessa vazia, e por outros métodos que nós impediremos brevemente. Porque, aí sim, cabe a mim esse impedimento. Lá atrás, lemos a vida de Salomão, que pediu sabedoria. Eu peço a Deus mais do que sabedoria. Eu peço força para resistir. E coragem para decidir. Aprendi, na minha vida milita,r que pior do que uma decisão mal tomada é uma indecisão. Tenho certeza, posso errar um dia, mas jamais errarei por omissão. Porque eu entendo que esse mandato é de Deus. Nada justifica a minha sobrevivência, a minha eleição e a minha permanência até o momento se não fosse a mão de Deus."

É claro que está se referindo à realização da eleição, "método" que ele pretende "impedir brevemente". Na reunião em que Bolsonaro vai difamar o Judiciário do seu país para uma audiência estrangeira estarão os dois Nogueiras: o dos tanques e o da grana.

E não há nada que Deus possa fazer por nós se aqueles que têm o dever de denunciar a armação golpista não o fizerem.

Convenham: não é falta de aviso.

Ah, sim: Deus não compactua com essas coisas, não. Leva todo o jeito de ser coisa do demônio — que, como sempre, busca seduzir os fiéis para a sua causa.