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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Convenção do PL: Lira é sócio de Bolsonaro no golpismo e é saudado por isso

À direita, Arthur Lira com a camisa que faz propaganda de Bolsonaro. A partir da esquerda, general Braga Netto, Michelle Bolsonaro (de verde, em primeiro plano) e Flávio Bolsonaro, acompanhado de sua mulher - Mauro Pimentel/AFP
À direita, Arthur Lira com a camisa que faz propaganda de Bolsonaro. A partir da esquerda, general Braga Netto, Michelle Bolsonaro (de verde, em primeiro plano) e Flávio Bolsonaro, acompanhado de sua mulher Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Colunista do UOL

25/07/2022 07h07

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Mudou a importância de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, na hierarquia do golpismo. Até não havia muito tempo, considerava-se que ele mantinha com Jair Bolsonaro uma relação apenas pragmática, ainda que fosse o pragmatismo do caos. O deputado assegurava ao presidente a maioria de que ele precisava para provar determinadas matérias — e foi fundamental para que o impeachment não prosperasse — em troca, como se sabe, de poder. Lira é hoje o homem mais poderoso da República, que ele enterra com truculência e dedicação obcecada. Mas, pensava-se que, como um cara do centrão, não endossaria aventuras disruptivas.

Podem esquecer. Lira, como se vê, é o condestável de uma República em que a democracia resiste, ainda que capenga e em franco processo de desinstitucionalização, mas também se torna personagem central da desestabilização promovida por Bolsonaro. E isso ficou claro, mais uma vez — e agora sem chance para interpretação alternativa —, na convenção nacional do PL neste domingo, no Maracanãzinho.

Havia quem apostasse num Bolsonaro um pouco mais light, mais suave -- e os interessados em amansar a violência retórica do presidente para fingir uma normalidade que já não há ainda insistiram que assim foi. Mentira. O reacionário golpista de todos os dias estava lá e discursou na plenitude de suas deformações políticas, éticas e morais. E deixou claro para quem quisesse ouvir: seu grande parceiro era Lira. Saudou o presidente da Câmara nestes termos:
"Eu sei que a figura mais importante hoje aqui sou eu. Mas, se não é o Arthur Lira, esse cabra da peste de Alagoas, não teríamos chegado a esse ponto. Obrigado, Lira."

CABRA DA PESTE?
Não sei se o ouvido de vocês registra a entonação sempre forçada que Bolsonaro empresta a "cabra da peste", num esforço de evidenciar intimidade com o Nordeste, como se tais palavras pudessem traduzir a cultura de nove Estados, tão distintos entre si. Mal esconde que, por se julgar, na verdade, superior à população da região, dela buscaria se aproximar com uma expressão que exaltaria a virilidade e a força dos homens nordestinos -- "homens" mesmo, como gênero. E, entendo, a aproximação não acontece porque a designação caiu em desuso e está longe de ser universal na região. Imaginar que se possa chamar de "cabra da peste" um baiano, um cearense, um pernambucano ou um alagoano porque todos nordestinos corresponde a buscar algum vocábulo ou metáfora no Sudeste que fizessem sentido para paulistas, mineiros, cariocas e capixabas. Uma burrice. Mas volto a Lira.

Sim, o presidente tem razão. Sem Lira, ele não teria chegado tão longe. Em vários sentidos. Seu mandato certamente teria sido abreviado em razão dos crimes de responsabilidade que cometeu — na minha contabilidade, são 40. Foi o presidente da Câmara a lhe vender apoio em troca de um quarto das verbas do Orçamento que podem ser remanejadas. Já afirmei aqui: a exemplo dos deuses gregos, Lira "vende quando dá". Vale dizer: seu apoio não sai de graça.

Nos primeiros dias à frente da Câmara, especialmente em face da condução desastrada da política de enfrentamento da pandemia, ousou falar como um homem independente. Durou pouco. Logo ele descobriu em Bolsonaro um sócio de confiança — ao menos para os propósitos de ambos. O biltre fez o que fez com os embaixadores, na mais grave agressão às instituições desde a redemocratização, e Lira nada disse, ficou mudo. Neste domingo, compareceu à convenção como figura central do poder. Trazia estampado do peito o nome do golpista.

Mas Bolsonaro, afinal, estava mais manso, mais lhano, mais suave? Não. Repetiu os ataques ao Supremo, chegou até a atribuir um poder legiferante ao Executivo que inexiste e fez a convocação para o 7 de Setembro golpista, acompanhada de um enigma, a saber:
"Nós não vamos sair do Brasil. Somos a maioria, nós temos disposição para a luta. Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de setembro, vá às ruas pela última vez. Estes poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo, têm que entender que quem faz as leis são o Poder Executivo e o Legislativo. Têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição".

E a plateia gritava:
"Supremo é o povo!"

Não era de se estranhar que um dos convidados de honra do evento fosse Daniel Silveira. Aquele que tinha delírios imaginando ministros do STF sendo espancados.

VAMOS VER
Ainda que um governo possa enviar projetos ao Congresso, o Executivo não faz leis. Essa é atribuição exclusiva do Legislativo. Ocorre que Bolsonaro estava a anunciar sua Santa Aliança com Lira. Dois Poderes contra o STF. A sua plateia urrou.

Vejam ali: mais uma vez, ele atribui ao 7 de Setembro — fez a mesma coisa no ano passado — um caráter finalista, "terminalista" — ousaria dizer. Em 2021, anunciava-se a tomada do poder. Não aconteceu. Agora, ele fala em ir às ruas "pela última vez", numa sugestão óbvia de que, depois, não mais será necessário porque estará tudo resolvido — seja lá o que for.

E há, evidentemente, o convite à ação direta feito a seus seguidores, em associação com as Forças Armadas. Ao evocar seu vice, Braga Netto, um general da reserva, o presidente afirmou:
"Esse, Braga Netto, é o nosso exército. É o exército do povo, o exército que está do nosso lado, que não admite corrupção, não admite fraude. Esse é o exército que quer transparência, quer respeito. Quer, não! Merece e vai ter".

Fazia uma referência velada ao sistema de votação. Curiosamente, o barulho que faz a urna ao registrar um voto foi usado no evento como uma espécie de vinheta quando nomes de candidatos eram anunciados. Foi a única concessão da convenção à legalidade.

No mais, quando Bolsonaro falou sobre o "exército do povo" — e certamente pensa nas milhares de pessoas que ele armou —, a banda sonora da convenção acompanhou, com um batidão marcial.

E Lira lá, firme, com a sua camiseta azul, com o nome de Bolsonaro no peito. De golpista para golpista. O deputado deu o golpe das PECs, e Bolsonaro ameaça o dos tanques caso o outro não surta o efeito esperado.

Em suma, na convenção de lançamento de sua candidatura, Bolsonaro voltou a ameaçar as eleições, as instituições e o país.

Em sociedade com Lira.