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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro, o da liberdade sem ar, é hostil a estado de direito e democracia

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/08/2022 04h05

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Um mistério ronda as consciências no Brasil: quem é que, de maneira aberta, deslavada, clara, objetiva, pode ser contra a democracia e o estado de direito? Ora, Bolsonaro! Dizer o quê? Sob certas circunstâncias, ele pode até se opor ao oxigênio... Como é mesmo a sua frase imortal para ser curtida pelos mortos? Lembrei: "Somos pessoas normais. Podemos até viver sem oxigênio, mas jamais sem liberdade".

O homem resolveu demonizar de novo os signatários da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito", que será lida na São Francisco, em são Paulo, no dia 11 de agosto, quando virá a público um segundo documento, este assinado por associações empresariais. É fabuloso. Se tal Carta tivesse um componente político-partidário, ideológico — um viés de esquerda que fosse —, até se poderia compreender se não a sua reação destrambelhada, ao menos a gênese do seu ódio, dado que é patologicamente reacionário.

Ocorre que o texto é o mais lhano e amplo possível, buscando o consenso. Estão sendo convidados a assiná-lo — e já são quase 700 mil pessoas — aqueles que concordam com este lema singelo: "Estado democrático de direito sempre!" Para Bolsonaro, é ataque pessoal.

Lembro, mais uma vez, um trecho (íntegra aqui):
"Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!"

Numa entrevista a uma rádio gaúcha, o presidente afirmou que só gente "cara de pau e sem caráter" adere ao texto. E ainda emendou: "Não vou falar outro adjetivo porque eu sou educado". Não. Não é. Há mais de três décadas, Bolsonaro é a pessoa mais grosseira que há na vida pública brasileira. Falta-lhe um conteúdo mínimo para a convivência civilizada. Tudo o que ele não tem é educação, inclusive a cívica.

E aí se se saiu com esta:
"Quem fala que é defensor da democracia é um ditador".

Que conversa! É verdade: ditadores e candidatos a tanto, como o presidente, nunca admitem que o são. Que papo estúpido é esse de que defensores da democracia são ditadores? Isso nem sentido faz.

Insistiu na história estupidamente mentirosa de que os banqueiros — a Febraban é signatária da Carta que reúne a sociedade civil e vai endossar o documento dos empresários — estão descontentes por causa do PIX. Asneira. Os juros cobrados no Brasil em razão também de seu governo destrambelhado deixam os banqueiros numa situação muito confortável. Que PIX o quê? Não estão nem ligando para isso. Aliás, o Banco Central deve elevar a Selic para 13,75% ao ano. Eventuais perdas com o novo sistema de pagamentos viram mero resíduo.

Sim, a maioria dos banqueiros é favorável ao documento em defesa da democracia num sinal de que, também para os negócios deles, essa é a melhor resposta. E assim é para qualquer setor. Notem: ainda que Bolsonaro já tenha dado um golpe nesta eleição com as PECs ilegais do ICMS e dos benefícios sociais, os que se juntam à Carta não estão dizendo que é preciso derrotar Bolsonaro. Não! O que se afirma é que não há saída aceitável fora do regime democrático. Ele se zanga porque passa todas as horas dos seus dias tramando um golpe.

MAIS ATAQUES AO STF
Na tal entrevista, voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. Disse:

"Os Inquéritos do Alexandre de Moraes são completamente ilegais, imorais. É uma perseguição implacável por parte dele, a gente sabe o lado dele. É maneira de jogar a rede e me incriminar em algum lugar. Ele está fazendo tudo de errado e, no meu entender, não vai ter sucesso em seu intento final".

O tal "intento final" está apenas na cabeça delirante e conspiratória do senhor presidente da República. "Lado dele?" O que isso quer dizer? Vai tachar Moraes de "petista"? A trajetória pregressa do agora ministro na vida pública sempre passou muito longe do PT. Foi indicado para o Supremo, note-se, pelo então presidente Michel Temer, que assumiu a Presidência depois do impeachment de Dilma Rousseff. Foi um dos seis votos que negaram o habeas corpus preventivo a Lula em 2018, o que permitiu que o petista tivesse a prisão decretada. Acusar o suposto petismo de Moraes é só manifestação de delinquência política.

Bolsonaro está contando uma mentira para insuflar seus fanáticos. E mentirosa é também a seguinte afirmação que fez sobre Barroso:
"No ano passado o Congresso ia aprovar o voto impresso numa PEC. O que o Barroso fez? Ele era presidente do TSE. Foi dentro do Parlamento, nem tentou fazer escondido, foi para dentro do Parlamento, reuniu-se com uma dezena de líderes e no dia seguinte vários líderes trocaram os integrantes da comissão de modo que eles votaram contra a PEC do voto impresso. É interferência direta. É uma interferência política, isso é um crime previsto na Constituição. O Barroso é um criminoso. Tu é um mentiroso, um mentiroso"

O ministro repôs a verdade:
"Mentir precisa voltar a ser errado de novo. Compareci à Câmara dos Deputados, como presidente do TSE, para debater o voto impresso, atendendo a três convites oficiais. E foi a própria Câmara que derrotou a proposta de retrocesso. Mas sempre haverá maus perdedores."

É precisamente isso o que aconteceu. Como até Bolsonaro admite, o magistrado não se meteu na Câmara de maneira sorrateira, em reuniões secretas, para tramar contra o voto impresso. Lá esteve porque convidado. E, sim, respondeu às indagações dos senhores deputados, fazendo, e era seu papel, a defesa do voto eletrônico, evidenciando a sua segurança.

Ocorre que os ministros não votaram. A decisão coube aos senhores deputados. Waldemar Costa Neto, que preside o partido no qual Bolsonaro está agora, gravou um vídeo entusiasmado em favor do atual sistema de votação e lembrou que Bolsonaro e seus filhos foram eleitos com as urnas eletrônicas.

Que poder secreto, Santo Deus?, teria Barroso para forçar os parlamentares a mudar de ideia?

Presidente Jair Bolsonaro, tente, ao menos uma vez na vida, nem que seja para experimentar a sensação, falar a verdade. Não custa, o senhor já está velho, mas nunca é tarde. Depois nos conta como foi a experiência inédita.