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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula vence o debate; no domingo, saberemos se a democracia ganha ou perde

Lula e Bolsonaro em dia de debate na Globo: ex-presidente vence o confronto. O proximo embate será nas urnas, no domingo - Mauro Pimentel/AFP
Lula e Bolsonaro em dia de debate na Globo: ex-presidente vence o confronto. O proximo embate será nas urnas, no domingo Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Colunista do UOL

29/10/2022 05h22

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Quem levou a melhor no debate? Lula ou Bolsonaro? Lula. Então vamos conversar.

Vencer um confronto como o desta sexta é sinal de que o candidato vai ganhar a disputa? Obviamente não. Tampouco significa que vá melhorar sua performance nas pesquisas. Até porque caberia perguntar: "O que significa, exatamente, 'ganhar'?" Numa eleição de posições tão marcadas como essa, o juízo objetivo é muito difícil.

Os fanaticamente bolsonaristas dizem que seu "Mito" sempre vence e estraçalha, por mais bobagens que diga. Os lulistas podem até ter uma ou outra leitura crítica do seu candidato, mas não dão o braço a torcer porque poderia sugerir uma hesitação no enfrentamento da virulência dos opositores. Exceção feita a um grande escorregão ou a alguma revelação fabulosa, que não costumam acontecer em eventos dessa natureza, debates servem mais para consolidar posições do que para fazer com que pessoas mudem de ideia. É assim para a esmagadora maioria.

Quando o eleitor vê o candidato de sua preferência desafiado e eventualmente acuado pelo adversário, a tendência é que se reforcem os laços de solidariedade, de empatia e de confiança com o escolhido, aumentando a repulsa ao opositor. "Então foi inútil, Reinaldo?" Claro que não! Encontros como o desta sexta podem influenciar os que votaram em outros candidatos no primeiro turno e ainda estão indecisos ou os desgostosos que optaram pelo branco ou nulo no primeiro turno. Não creio que tenham grande interferência nas abstenções.

Há uma nova rodada de pesquisas nesta sexta. Até anteontem, a vantagem de Lula variava entre quatro e seis pontos percentuais. Qualquer movimento num quadro assim, nem preciso me estender a respeito, é importante. Insisto: as mudanças tendem a acontecer nos grupos que não escolheram nem um nem outro. Um eleitor do ex-presidente ou do atual bandear-se agora para o outro lado, quando o confronto está ainda mais duro, convenham, deve ser evento excepcional.

VANTAGEM NA LARGADA
Lula teve mais de 6 milhões de votos de vantagem sobre Bolsonaro no primeiro turno. Em princípio, parece que caberia ao presidente ter um desempenho realmente excepcional, especialmente porque sua campanha vem de algumas jornadas não muito felizes, não é?, com o episódio Roberto Jefferson e a armação desmoralizada das inserções nas rádios. Ele foi esse debatedor especialmente habilidoso? A resposta é "não".

Objetivamente, Lula saiu-se muito melhor. Como definiu um amigo, "deu um couro" em Bolsonaro, que se saiu pior em todos os blocos. O petista conhece a gestão e administração muito mais do que seu opositor. Também tem uma cabeça mais organizada. Goste-se ou não de suas teses, seu pensamento é orgânico, estruturado. Bolsonaro tem o que defino como "método cebola de argumentar": vai falando por camadas. À diferença da cebola, no entanto, a segunda nem sempre guarda parentesco com a primeira e pouco tem a ver com a terceira. Querem saber? Debater com ele — e eu gosto desta metáfora — e como jogar xadrez com um pombo. O bicho derruba as peças e ainda faz cocô no tabuleiro. Se não tomar cuidado, solta caca na sua cabeça.

DEBATE NÃO É CHAMADA ORAL
Não vou entrar aqui em minudências de dados porque debate não é chamada oral para saber quem acerta números no detalhe. Esse tipo de encontro tem natureza política. Logo, é preciso saber quem conseguiu pautar o outro. Lula sempre foi um bom debatedor e um excelente entrevistado. Nesse segundo caso, esteve à altura de sua história nessa campanha em todas as oportunidades.

O debatedor Lula, no entanto, ainda estava a dever uma boa performance justamente porque o "pombo" não ajuda a fazer um bom jogo. Nesta sexta, no entanto, o petista teve um desempenho de gala, à altura de sua reconhecida habilidade. Saiu-se melhor em todos os blocos. "Explique, Reinaldo Azevedo". Explico. Bolsonaro não conseguiu fugir da questão do salário mínimo, por exemplo. Fez a promessa dos R$ 1.400, mas é irrespondível — e também ele não respondeu — que não houve reajuste real no seu governo.

Lula acertou na tática. Quando alvo de ofensas morais, deu o troco. Respondeu às acusações sobre petrolão com os 51 imóveis pagos, em parte, com dinheiro vivo. Chumbo trocado. O petista soube explorar as falhas do governo. Em boa parte do tempo, ignorou o adversário, quando não o obrigou a ser relatorial, com seus papéis amassados nas mãos. O presidente quebrou a cara no caso da Covid mais uma vez. Enrolou-se até na questão do Viagra e tentou ser engraçadinho, indagando se Lula toma o remédio. Depois de passar quatro anos se comportando como fiscal do "c..." alheio, vê-se que se dispõe a ser também fiscal da "r..." alheia. Recomendo um psicanalista. Ficou de tal sorte desorientado que, no minuto e meio final, pediu um outro mandato de "deputado federal". Não mereceria nem isso.

Volto ao início. Se vencer debate fosse sinônimo de vencer eleição, a vantagem de Lula seria de uns 70% a 30%, a exemplo, note-se, do embate de Fernando Haddad (brilhante!) contra Tarcísio de Freitas na noite anterior. Há uma explicação adicional nos dois casos. Tarcísio tentou ser um bolsonarista vegetariano, não sanguinolento. Até o Jair buscou ser mais manso. Ocorre que só existe bolsonarismo carnívoro, mas à moda das hienas, que roubam a caça alheia. Tarcísio e seu chefe conseguiram ser, no máximo herbívoros.

"Ah, mas nem Lula nem Bolsonaro apresentaram propostas..." Divirjo um tanto da maioria dos colegas. Propostas, se apresentadas, o são no curso da campanha. Debate não é para isso. Serve ao confronto de visões de mundo. E aí Lula marcou um tento adicional aos se colocar como o candidato dos valores democráticos. E é.

O petista ganhou o debate com folga. Se vence também a eleição, veremos no domingo. A sorte da democracia também está em jogo. Ou vence a mais importante batalha desde a redemocratização ou vai para o paredão.