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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como eleito, Lula acertou todas. Mais: A quem cabe combater fascistoides?

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/11/2022 06h40

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Desde que o TSE anunciou a sua vitória, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito, não cometeu erro nenhum. Mais do que isso: ele só acertou. E olhem que jamais houve uma eleição em terreno tão minado. As chances para deslizes, escorregões e ambiguidades involuntárias, que se transformam em monstros nas redes sociais, são enormes. Tanto pior em tempos de "twitterização", "facebookização", "instagramização" e até "tiktokização" do jornalismo. Sete dias como eleito, e já se pode atribuir ao ex-presidente — mesmo em meio ao surrealismo provocado pela "hora dos ruminantes" (faço citação coberta de um livro de José J. Veiga) — um sopro de normalização da vida pública. Arrumar a desordem bolsonarista é tarefa de décadas e não cabe só a Lula.

Antes que os "analistas" políticos começassem a falar em "polarização" — essa palavra idiota e que jamais deu conta do que estava em curso —, o petista entendeu que, contra o extremismo bolsonarista, não bastava lutar apenas com o aporte político e intelectual da esquerda. É evidente que esse legado era e é fundamental. Mas cumpria ampliar o leque, emprestando à sua postulação o caráter de uma frente. O candidato Lula fez de Geraldo Alckmin seu vice, e o presidente eleito faz do ex-governador de São Paulo o coordenador da transição em nome do futuro governo.

Alguns colunistas aflitos para impor ao eleito o roteiro dos derrotados cobram definições na economia — "Cadê o ministro da Fazenda? —, ignorando, ou fingindo ignorar, que essa questão tem um pressuposto que é de natureza política. Se o futuro presidente não se acerta com o Congresso para conseguir recursos para as despesas que necessariamente estarão fora do teto, nem o Padre Eterno disfarçado de ministro conseguirá dar uma resposta satisfatória. E agora vem outro acerto.

A conversa com o Congresso está avançando. E, é certo!, será preciso negociar com o Centrão, para estupefação de moralistas de meia-pataca. Lula, note-se, disse-me em entrevista em abril do ano passado que o eleito, qualquer que fosse — e sua candidatura era ainda apenas uma possibilidade —, não poderia dispensar essa interlocução porque, lembrou, foram eleitos pelo povo, e é com o Congresso que se governa.

Haverá uma PEC, uma MP para créditos extraordinários ou uma mistura das duas coisas? Vamos ver. "Ah, mas será preciso fazer concessões ao Centrão..." Será. Ou se indique um modo para conseguir recursos para o Bolsa Família, para as universidades federais, para retomar o programa Farmácia Popular — para, em suma, arcar ou com despesas que Bolsonaro contratou sem prever recursos (caso dos R$ 200 a mais do Bolsa Família) ou para rubricas do Orçamento reduzidas à miséria.

"Então se deixa a economia pra lá?" Não. A interlocução nessa área se dá, por exemplo, com André Lara Resende, com Persio Arida, com Henrique Meirelles — com gente, em suma, que traz na sua biografia o compromisso com a estabilização das contas públicas, não com o fogo no circo. Tampouco se tornaram notáveis pela retórica bravateira que anuncia ou amanhãs sorridentes, se você concordar com eles, ou o dilúvio, caso se discorde. Sim, estou me referindo a Paulo Guedes.

E, definitivamente, os desafios não são pequenos. O rombo que o atual governo gerou no caixa dos Estados, com a sua eleitoreira PEC do ICMS, por exemplo, terá de ter uma resposta. É parte da herança maldita deixada por Bolsonaro. Estou entre aqueles que entendem a PEC da Transição, ou como queiram chamá-la, é um instrumento importante para Lula não assumir com um Congresso hostil. A lei tem de se encarregar dos extremistas que ainda estão por aí a produzir desordem. Mas o futuro governo não pode correr o risco de ter no Parlamento uma maioria hostil. É preciso agir com serenidade para isolar os extremistas.

E Lula acerta também quando aceita o convite para ir à COP27, de modo a recolocar o país no concerto internacional. Em quatro anos, o Brasil passou de protagonista a pária climático, embora disponha de todos os instrumentos para ser a voz mais respeitada na área. Ainda falamos de Bolsonaro por aqui porque seus fascistoides continuam por aí a pregar golpe de Estado, mas o mundo já pôs a faixa presidencial no peito do petista.

A DEMOCRACIA
Lula errou muito pouco, quase nada, na campanha. Em uma semana como presidente eleito, todos os seus movimentos são virtuosos. Muitos se negam a reconhecer a correção de suas escolhas ou por reserva de natureza ideológica ou por vaidade intelectual, que, a exemplo de qualquer outra, também é vã -- palavra cujo sinônimo é "vazia". Afinal, a "vacuidade" é o outro nome da vaidade.

Não é fácil o que vem pela frente, sobretudo porque os inimigos da democracia estão à solta. A melhor contribuição que Lula pode dar, como chefe do Executivo, é buscar a boa governança. Dá sinais nesse sentido mesmo antes da posse.

O presidente eleito teve a prudência adicional de silenciar sobre a arruaça golpista estimulada pelo derrotado e por alguns dos seus sectários. É evidente que lideranças políticas que compõem a aliança vitoriosa, como Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tinham de falar. E o fizeram com propriedade, cobrando o cumprimento da lei. Ao futuro mandatário, cabe a temperança extrema de quem sabe que será presidente de todos os brasileiros. Isso não significa que tenha de condescender com golpistas, é claro! Mas estão aí Polícia, Ministério Público e Justiça, com suas devidas e respectivas atribuições legais, para assegurar que se cumpra o estado de direito.

Ocorre que um governo não se exerce no vácuo. Conter as forças de desestabilização, por exemplo, não pode ser mais um milagre da biografia de Lula, que já um evento formidável ao conseguir vencer as máquinas do bolsonarismo: a da reeleição e a das "fake news". Lutar pela manutenção democracia é tarefa de todo mundo.

Chega a ser patético que certo colunismo que lutou bravamente para normalizar Bolsonaro, Guedes e seus métodos truculentos venha agora tonitruar: "Cumpre a Lula unir o país". Errado, colunista! Cumpre também a você. E um dos modos de fazê-lo é não ser leniente com fascistoides, cujo lugar é a cadeia.

Lula foi eleito para governar. Cabe-lhe preservar a democracia. Mas essa é também uma tarefa nossa.