Policiais brasileiros matam mais do que os de 15 países do G20 somados

Os policiais militares e civis do Brasil matam quase o triplo do que os agentes de segurança de 15 países do G20 somados, segundo levantamento feito pelo UOL.

Mapa mostra o número de mortos pela polícia nos países do G20
Mapa mostra o número de mortos pela polícia nos países do G20 Imagem: UOL

O que aconteceu

Foram 6.393 mortos por policiais em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. Ao todo, 15 países do G20 somam 2.267 vítimas fatais de policiais.

Arábia Saudita, China e Rússia não entraram no levantamento por falta de dados confiáveis. Criado em 1999, o G20 reúne as maiores economias do mundo. O Brasil ocupa a 10ª posição. O grupo reúne 19 países, além de União Europeia e União Africana, que também não foram considerados.

Quando considerados os tamanhos das populações, a diferença é ainda maior. O Brasil tem 7% do número de pessoas da soma dos outros 15 países.

Proporcionalmente, os policiais brasileiros matam 36 vezes mais do que a média dos agentes das outras nações. A taxa é 7,5 vezes a da África do Sul, cuja polícia é a segunda que mais mata por habitantes entre os considerados.

O sociólogo Daniel Hirata, um dos coordenadores do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), lista fatores que levam ao cenário no Brasil. Para o estudioso, órgãos de controle interno e externo, como as corregedorias e o Ministério Público, além do discurso político, incentivam a letalidade policial.

Sociólogo Daniel Hirata
Sociólogo Daniel Hirata Imagem: Arquivo pessoal

"Muitas vezes, as corregedorias são caracterizadas por 'coleguismo'", diz o professor. "E, pela Constituição, o controle externo deve ser feito pelo Ministério Público estadual. Uma pesquisa já mostrou que mais de 90% dos casos são arquivados a pedido do próprio MP", acrescenta. Uma pesquisa publicada pelo UOL em 2021 mostrou que os MPs do RJ e de SP pediram, só em 2016, o arquivamento de nove em cada dez casos de mortes provocadas por policiais.

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O peso da liderança política dos governadores é muito grande. Historicamente temos no Brasil essa configuração na qual os governadores sabem que as políticas repressivas não vão ser eficazes contra o crime organizado, mas atuam nesse sentido porque lhes garante retorno eleitoral
Sociólogo Daniel Hirata

*Mortes pela polícia não estão necessariamente incluídas na taxa de homicídios
*Mortes pela polícia não estão necessariamente incluídas na taxa de homicídios Imagem: UOL

Morte pela polícia x homicídios

Apesar de também ser o país da lista com mais homicídios registrados (39.492), a letalidade policial no Brasil é desproporcionalmente maior do que nos colegas de G20. "A polícia brasileira entende a morte como parte do trabalho. Acho que isso fica mais acentuado a partir da ditadura, onde a violência policial era um instrumento. Outro fator, mais longevo, é nossa herança escravocrata", avalia o pesquisador Renato Alves, do NEV/USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo).

Os policiais do Brasil matam uma pessoa a cada seis homicídios registrados no país. Os mortos pela polícia nem sempre estão incluídos no total de homicídios.

Pesquisador Renato Alves
Pesquisador Renato Alves Imagem: Divulgação
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O Canadá, com uma morte pela polícia a cada sete homicídios registrados, é quem tem a segunda pior taxa. O país da América do Norte, no entanto, tem um número de homicídios considerado baixo, com 778 registrados em 2023.

Com uma morte por policial a cada 16 homicídios, EUA ficam em 3ª. Na sequência, vem a Argentina, com uma a cada 20.

Hirata critica a falta de normas claras para evitar a letalidade policial. "É preciso que tenhamos os princípios básicos sobre uso da força definidos, alinhados com parâmetros internacionais. Isso deve passar pela formação dos policiais e pela formação daqueles que vão fazer a sua supervisão, como os órgãos de controle", avalia.

"A gente atua de forma muito repressiva no Brasil, isso produz a letalidade policial", avalia Hirata. "O enfrentamento ao crime organizado só acontecerá quando tivermos investimento em investigação. Não dá para imaginar que os mais de 80 mortos nas operações Verão e Escudo [no litoral de SP] produzem algum efeito negativo para o PCC. Óbvio que não", completa.

Como o UOL mostrou, 61% dos homicídios dolosos no Brasil cometidos em 2022 não foram esclarecidos, segundo o Instituto Sou da Paz.

A Bahia registra o pior índice do levantamento, com apenas 15% dos casos esclarecidos. O instituto define como esclarecido o homicídio doloso em que pelo menos um autor foi denunciado pelo MP (Ministério Público) até o ano seguinte à ocorrência.

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5,5 vezes a taxa dos EUA

Um manifestante encara um policial durante um protesto após a morte do afro-americano George Floyd
Um manifestante encara um policial durante um protesto após a morte do afro-americano George Floyd Imagem: Caitlin Ochs/Reuters

No total, as polícias do Brasil matam 5,5 vezes mais do que os agentes de segurança do país norte-americano. A violência policial é vista como um grande problema pelos norte-americanos, especialmente por integrantes de minorias étnicas e raciais que vivem nas grandes metrópoles. O movimento Black Lives Matter, que ganhou notoriedade após a morte de George Floyd, tem como principal bandeira o fim da violência policial contra cidadãos negros.

Negros também são os maiores alvos no Brasil. Em 2023, representaram 82.7% dos mortos por policiais, segundo o Anuário de Segurança Pública.

O número de mortes no país norte-americano é o triplo do registrado pelo terceiro colocado do levantamento feito pelo UOL. O México aparece na terceira posição com 386 registros.

Renato Alves diz que a postura do governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um exemplo de incentivo à violência por meio do discurso. "Ele joga para o público um tipo de discurso, mas afaga a instituição quando mantém o secretário [Guilherme Derrite], que já tem um histórico de práticas questionáveis na instituição".

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Na sexta-feira (13), Derrite disse que os policiais são os "únicos e verdadeiros promotores de direitos humanos". Já Tarcísio, que adotou um discurso mais ponderado em meio à escalada da violência policial no estado, pediu para que os agentes não se afastem do que foi ensinado.

Bahia mata mais do que os EUA

As polícias da Bahia sozinhas matam mais do que os agentes dos EUA. Segundo o Anuário de Segurança Pública, 1.699 pessoas foram mortas por policiais no estado, enquanto os EUA registram 1.164 mortes.

Comandado pelo PT desde 2007, o estado mostra, segundo Daniel Hirata, que a violência policial também é incentivada em governos que se dizem progressistas. "Figuras de esquerda também adotam essa postura em meio à ausência de políticas efetivas para o enfrentamento do crime organizado. Quando temos uma grande chacina, mesmo que os mortos sejam criminosos - o que não justifica a morte -, não vai impactar a organização criminosa".

Em números absolutos, a Bahia lidera a lista de mortes por policiais entre os estados brasileiros. Houve uma variação de 15,8% em comparação com as ocorrências de 2022, quando 1.467 mortes foram contabilizadas.

O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia, Eustácio Lopes, estimou ao UOL, no início deste mês, um déficit de cerca de 40% no quadro da corporação. "Quando você não tem elucidação, não tem a certeza da punição, é um território para a impunidade", disse.

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A Bahia não está fazendo o dever de casa, não tem atuado no controle democrático da atividade policial. Não há produção de evidências à altura do problema da Bahia. A Polícia Científica deveria ser priorizada
Sociólogo Daniel Hirata

Proporcionalmente, a polícia do Amapá é a mais letal do Brasil. Considerando a população do estado, o Amapá lidera o ranking com 233,6 mortos por 1 milhão de habitantes. A taxa é 661% superior à média nacional, que foi de 33,1 mortes.

Divisão contra genocídio na ONU em alerta

A violência policial coloca o Brasil entre os lugares de maior preocupação da ONU em relação às violações aos direitos humanos e chegou a soar um alerta no departamento do órgão internacional que trabalha pela prevenção do genocídio.

A conselheira especial da ONU para Prevenção de Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, veio ao Brasil em maio de 2023 para examinar a situação dos povos indígenas. Mas sua missão acabou sendo ampliada para também avaliar o racismo estrutural e, claro, a violência policial contra os negros no país.

Em um documento obtido pelo colunista do UOL Jamil Chade, a conselheira fala sobre a situação da violência policial e do racismo. "Ficou claro que os povos indígenas não são o único grupo vulnerável", escreveu.

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