Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
CPI vira tramoia golpista. Investigado quer investigar? Tem rato na tuba
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Como? Mobilização de governistas, sobretudo de bolsonaristas fanáticos, em favor de uma CPI ou CPMI (a comissão mista) para investigar os atos golpistas? É claro que tem gato — ou ratos — na tuba, não é mesmo?
Vamos ver. Logo depois do ataque, que recorreu a métodos terroristas, a senadora Soraya Tronicke (União-MS) começou a colher assinaturas para uma CPI no Senado. Alguns governistas assinaram. Soraya, diga-se, entrou com um Mandado de Segurança no Supremo, cujo relator é Gilmar Mendes, pedindo uma liminar para obrigar Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Casa, a instalar a comissão imediatamente. O ministro pediu informações à Mesa da Casa, mas não concedeu a cautelar.
Não custa lembrar: o Parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição aponta três condições para a instalação de uma comissão: ao menos um terço das assinaturas de parlamentares, fato determinado e prazo de funcionamento. Transcrevo:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."
A questão: existe fato determinado? Já chego lá.
A base bolsonarista no Congresso, incluindo alguns fanáticos que flertaram abertamente com a patuscada violenta, resolveu abraçar a ideia da CPI. Já no dia 9, começou a circular no esgoto da extrema-direita a falácia de que a violência teria sido patrocinada por grupos de esquerda infiltrados e que o governo Lula teria feito corpo mole para, ora vejam!, transformar em vilãs aquelas boas pessoas que só queriam mesmo um golpe de estado, nada mais.
E eis que vem à luz um novo pedido, este de CPMI — isto é, de CPI mista, com Senado e Câmara. Traz 189 assinaturas de deputados e 33 de senadores, todos identificados com a oposição ao atual governo. Quem protocolou o requerimento é o deputado André Fernandes (PL-CE), que, pasmem!, é personagem de um dos inquéritos abertos no STF por envolvimento com os crimes de 8 de janeiro.
Vocês entenderam direito: aquele que é alvo da Justiça por colaborar com a barbárie se oferece como um militante contra a... a barbárie!!! E que se note: no seu caso, o pedido de apuração foi feito pela própria Procuradoria Geral da República, que anexou um vídeo em que este senhor convocava um ato contra o presidente Lula para o próprio dia 8 de janeiro. Após a depredação, ele publicou a imagem com uma porta de armário com o nome do ministro Alexandre de Moraes. A PGR apontou incitação ao crime, além de uma provocação da prática de abolição violenta do estado democrático de direito.
PALANQUE PARA O CRIME
É claro que falta saber muita coisa. Ocorre que Supremo, Ministério Público Federal e Polícia Federal estão fazendo o seu trabalho. A situação em nada se assemelha à CPI da Covid, quando a omissão do governo federal era escancarada, diante de uma montanha de cadáveres.
Os bolsonaristas estão numa cruzada para tentar inverter o ônus da responsabilidade pelo espetáculo violento e grotesco. Não querem apurar coisa nenhuma. O objetivo, evidente a esta altura, é responsabilizar o governo Lula por atos que eles próprios apoiaram ou patrocinaram, tentando tumultuar o trabalho do Supremo.
O próprio André Fernandes, o que publicou a imagem da porta do armário da sala de Moraes, não esconde. No Twitter, escreveu:
"Acabamos de protocolar o requerimento da CPMI do 8 de janeiro com 189 assinaturas na Câmara dos Deputados e 33 no Senado Federal. Mais de 1/3 do Congresso Nacional quer esta comissão para investigar todos os atos de ação e omissão ocorridos no último 8 de janeiro em Brasília".
Eis aí: quem teria se omitido, não é mesmo?, quando este senhor incentivava os atos golpistas e publicava em suas redes o produto do crime?
Mendes pode conceder a liminar para que as raposas zelem por seus pares, pode negar a cautelar ou submetê-la a plenário. Vamos ver. Tendo a achar que a decisão caberá mesmo ao presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco. Que tenha prudência. Não se trata de ilação, mas de fato: gente flagrada com a boca na botija decidiu se colocar como guardiã da lei e da ordem. Faz sentido?
A ilegalidade me parece patente. Não é uma comparação de conteúdos e de personagens, mas de estruturas: se chefes do PCC ou das milícias pedissem uma cruzada contra o crime organizado, é certo que haveria gato na tuba. Ou ratos.