Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Na Folha - A igualdade salarial ou "Eu também já fui brasileiro como vocês"
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Não mexa que estraga. A emenda sempre fica pior do que o soneto. Quando governos se metem a corrigir desigualdades, mais atrapalham do que ajudam. Tentando proteger os vulneráveis, vão marginalizá-los ainda mais. Ao tomar conhecimento do conjunto de medidas anunciadas por Lula de proteção às mulheres, lembrei-me dessas considerações que se ouvem por aí, muito especialmente em ambientes em que se respira o ar do "liberalismo à brasileira". Não raro, este convive bem com desigualdades alarmantes e as transforma em fatos caídos da árvore da vida. Os missionários querem menos Estado também na assistência social, não só na economia. Não é maldade, é crença. Aguardo a reação desses fiéis ao pacote pró-mulheres. Não sei quantos entes abstratos, que habitam o "mundo como ideia", serão convocados para evidenciar que tudo vai dar errado porque verdades eternas da economia estariam sendo afrontadas. As mesmas evocadas, e as tenho vivas na memória, contra o SUS no século passado.
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Lembro um poema de Carlos Drummond de Andrade. "Eu também já fui brasileiro como vocês" --no caso, os entusiastas do "liberalismo nada moreno". Faço aqui alusão espelhada ao "socialismo moreno", de que Leonel Brizola se tornou a expressão eleitoral, no esforço para adaptar certas ideias gerais sobre o bem e o justo às circunstâncias de cada país. Noto à margem: não procedo a um juízo de valor sobre aquelas escolhas políticas.
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Temos convivido mal com a ideia de que as pessoas podem não ser assim tão virtuosas, mas que temos de lutar por instituições que o sejam, como me disse a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) em entrevista recente. Não ignoro que elas nascem de consensos possíveis, mas defendo que também contribuem para criá-los. Se um conservador não busca aprimorar instituições para conservá-las (Chesterton), lutará pela conservação de quê? De iniquidades? Lula, por isso mesmo, é nosso mais notável conservador. E isso aqueles "liberais" a que me refiro ainda não entenderam. Talvez não entendam nunca.
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