Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cocô do Twitter atinge crianças mortas e instituições. Regulamentação já!

Postagens acusam o Twitter de apoiar massacres; Felipe Neto aponta o misterioro sumiço, ou nem tanto, da hashtag - Reprodução/Twitter
Postagens acusam o Twitter de apoiar massacres; Felipe Neto aponta o misterioro sumiço, ou nem tanto, da hashtag Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

11/04/2023 22h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os que ainda não perdemos a sanidade temos, a partir de ontem, uma dívida com o Twitter. Sejamos gratos a seu comando no Brasil. Em reunião, nesta segunda, de executivos das redes com o ministro da Justiça, Flávio Dino, a empresa afirmou que não vai retirar do ar posts que fazem a apologia da violência em escolas — salvo, claro!, por determinação judicial. Alegou, ainda, para estupefação dos presentes, que tais mensagens não ferem seus "termos de uso". Estavam representados no encontro, além do Twitter, YouTube, Meta, Kwai, TikTok, WhatsApp e Google. A esteira desse episódio, como veremos, a empresa mandou um emoji de cocô para jornalistas. Correspondeu a enviá-lo para crianças mortas e para o Brasil. Já chego lá.

A esta altura vocês já sabem. Só neste último fim de semana, o Ministério da Justiça identificou 511 perfis que fazem a apologia de atos violentos em escolas. Dino teve de lembrar que os tais "termos de uso" das plataformas não se sobrepõem à Constituição.

É estupefaciente que as coisas tenham chegado a esse estágio, mas o fato é que chegaram. Não há agressão maior que se possa fazer à liberdade de expressão do que confundi-la com ação criminosa ou apologia do crime. Repórteres procuraram ouvir a direção do Twitter a respeito.

MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público Federal em São Paulo, por intermédio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, enviou um ofício à empresa no Brasil solicitando informações, inclusive a lista de perfis e conteúdos que, segundo o Ministério da Justiça, estão incidindo em práticas criminosas. Segundo informa a Folha, "o Twitter também deverá listar quais desses conteúdos foram efetivamente moderados e o que fundamentou a decisão de eventualmente não seguir a recomendação do Ministério da Justiça."

No ofício, escreve o procurador Yuri Correa da Luz:
"Um quadro de circulação, nos últimos dias, de um grande número de conteúdos, no ambiente digital, que podem constituir tanto desinformação socialmente danosa, ao noticiarem supostos ataques que não estão sendo de fato planejados, quanto incitação à violência, e que está inserido, portanto, no escopo do presente Inquérito Civil Público".

Mais:
"Isso fixado, entendo imperioso cobrar, junto à plataforma Twitter, informações detalhadas sobre quais as providências que ela está adotando, em caráter emergencial, com vistas à moderação de conteúdo capaz de afetar direitos fundamentais, no contexto de possíveis ataques a escolas que se noticiam para ocorrer nos próximos dias, até 20/04/2023".

E ainda:
"Tal cobrança de informações é, no caso, devida para aferir a eventual responsabilidade, da plataforma, por violações de direitos fundamentais que possam decorrer de uma constatação de deficiência de sua política de enfrentamento à desinformação socialmente danosa e à violência no mundo digital".

É intolerável. O Twitter, sob o comando de Elon Musk, passou a se comportar no Brasil — e assim deve ocorrer em outras democracias — como se fosse um Estado dentro do Estado.

Tivesse eu alguma dúvida sobre a necessidade de regulamentar as redes — e eu nunca tive —, com as devidas responsabilizações civil e criminal por conteúdos veiculados, a hesitação teria se dissipado agora. É muito importante que nos dediquemos a esse debate, inclusive para delimitar conteúdos e temas que violam garantias legais e garantias constitucionais. A regra geral deve ser esta: tudo o que é crime fora da rede também é crime na rede.

É claro que é preciso fazer um debate cuidadoso. Não há como as redes colocarem um vigilante para cada página, texto, perfil, vídeo... Ninguém é tolo. Mas é perfeitamente possível mobilizar recursos para que as plataformas tenham uma atuação também proativa na eliminação de conteúdos que coloquem em risco a segurança das pessoas e das instituições. Havemos de achar um formato. Fácil não é. O certo é que a resposta delinquente do Twitter não pode ser um padrão.

A HASHTAG SUMIU
Há um outro dado curioso -- ou nem tanto. Depois que virou notícia a resposta absurda dada pelo Twitter a Dino, usuários promoveram a hashtag "twitter apoia massacres". Chegou a ser o segundo mais comentado até o fim desta manhã.

De súbito, o troço sumiu da lista de "mais comentados" do Twitter, embora três serviços de monitoramento indicassem o contrário.

Às 13h59 (ver imagem), Felipe Neto escreveu:
"Elon Musk falou q compraria o Twitter pra dar 100% de liberdade de expressão.
Exceto qnd afeta ele ou prejudica a empresa dele.
Ele censurou a tag "Twitter apoia massacres", mas se recusa a apagar contas q realmente apoiam e incentivam massacres em escolas."

Informa a Folha:
"De acordo com a Trends24, a frase "TWITTER APOIA MASSACRES" tinha mais de 11 mil publicações e estava em primeiro no ranking ao menos até 14h12. (...) No monitor Twitter Trends - Brazil, a frase também aparece em primeiro lugar, com pouco mais de 12 mil menções. A lista é atualizada a cada 30 minutos, segundo o site. (...) O site getdaytrend é mais um que apresenta a frase em primeiro lugar nas mais mencionadas da rede social no Brasil."

Isso sugere que a tal lista de assuntos mais comentados não obedece exatamente a alguma ferramenta neutra de Inteligência Artificial, não é mesmo? Parece haver muito de arrogância natural. E esse é mais um dado a indicar a necessidade imperiosa de regulação.

A reportagem quis ouvir a empresa a respeito. Recebeu o tal emoji de cocô, resposta automática que Musk adotou no tratamento com a imprensa, o que foi anunciado por ele próprio no dia 19 de março.

Parece que o Twitter está mesmo cagando e andando para o que acontece no país. A resposta a Dino também é um cocô enviado às instituições, ainda que por outros meios.

Elon Musk e o Twitter não têm pátria. As crianças que morreram, seus familiares e o conjunto dos brasileiros têm.

Que vigore a força da lei — e noto que já temos uma combinação de crimes tipificados no Código Penal que, sempre de acordo com o devido processo legal, pode levar à cadeia aqueles que insistirem na cumplicidade com a apologia de atos criminosos. Mas é inescapável que se debata e se institua também a responsabilização civil.