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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Japão, Lula diz o certo sobre guerra; Zelensky e grosserias com o Brasil

Lula durante entrevista coletiva em Hiroshima: palavras sensatas sobre guerra, meio ambiente e economia - Reprodução
Lula durante entrevista coletiva em Hiroshima: palavras sensatas sobre guerra, meio ambiente e economia Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/05/2023 06h17

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista impecável neste domingo à noite, já segunda no Japão, ao fim da reunião dos países do G7, em Hiroshima. Fez o que tinha de fazer e falou o que tinha de falar. A estrela do evento foi Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia. Síntese: o brasileiro falou em meio ambiente, economia e paz. E os ricos preferiram falar da guerra — que nem estava na agenda; não ao menos para tratar do belicismo em si, como acabou acontecendo. E Zelensky? Cometeu duas grosserias com o Brasil. Lula tratou do assunto na coletiva. Vamos ver.

Agendou-se um encontro entre os dois chefes de Estado. O ucraniano não apareceu. Informa Patrícia Campos Mello, na Folha:
"Primeiro, o cerimonial do presidente ucraniano pediu uma bilateral às 18h de domingo (21), e a equipe do presidente Lula concordou. Então, os ucranianos entraram em contato mudando o horário para as 17h --de novo, os brasileiros disseram que seria possível. Mais tarde, a equipe de Zelensky voltou a mandar mensagem, afirmando que só poderia às 15h. O presidente Lula já tinha encontros bilaterais marcadas com o secretário-geral da ONU, António Guterres, os líderes do Vietnã e de Comores, além de uma delegação de empresários japoneses nesse horário. Mas, mais uma vez, ajeitou a agenda e disse que poderia abrigar o encontro --ao que os ucranianos teriam respondido que tinham preocupações acerca da segurança de Zelensky, mas tentariam. Depois, segundo fontes brasileiras, simplesmente sumiram. Não avisaram que não iriam e deixaram o governo brasileiro à espera, com a bandeira da Ucrânia decorando a sala de reuniões do 22º andar do hotel Ana Crowne Plaza, onde Lula realizou a maior parte de suas reuniões bilaterais."

À imprensa, depois, o ucraniano disse que o brasileiro teria ficado "desapontado". Lula fala sozinho em defesa de negociações. É a posição de países do chamado "Sul Global", incluindo China e Índia, que somam um terço da população do planeta. Mas, como resta evidente, Zelensky parece querer desqualificá-lo como interlocutor.

Lula referiu-se ao episódio em sua entrevista:
"Os meus diplomatas estão aqui. Eles marcaram uma agenda com Zelensky às 15h15. Às 15h15, nós recebemos o recado de que o Zelensky estava atrasado. E eu atendi o presidente do Vietnã. Demorou quase uma hora o atendimento do presidente do Vietnã. E nesse tempo o Zelensky não veio. É isso o que aconteceu: ou seja, se ele teve um problema mais sério; se ele teve um encontro mais importante, eu não sei. O dado concreto é que estava marcado aqui, neste salão, 15h15. O encontro com o Zelensky. É só isso. (...). O Zelensky é maior de idade. Ele sabe o que faz. (...), Mas não faltará oportunidade de a gente se encontrar e conversar."

CONVERSA OU RENDIÇÃO
Lula afirmou qual é a sua percepção sobre a guerra:
"Eu, quando estiver percebendo que as pessoas querem efetivamente negociar, quero dizer que estou pronto a ir à Rússia, a ir à Ucrânia, a ir ao Egito, a ir ao fim do mundo pra tentar discutir o fim dessa guerra. Agora não! Porque o dois [Zelensky e Vladimir Putin] não querem. O Celso Amorim foi à Rússia, depois à Ucrânia, e o Celso Amorim falou: 'por enquanto, eles não querem conversar sobre paz'. Se um tem a proposta que é a rendição do outro; se o outro tem a proposta que a rendição do outro, ou seja, ninguém vai querer se render. Negociação não é rendimento. Negociação é negociação. E vai ter o momento em que vão querer negociação. Vai ter o momento. Tem o momento em que a gente não quer, e tem o momento em que a gente quer. Eu acho que, o mais rápido possível, deveria ser encontrada uma forma de sentar a Ucrânia e a Rússia em torno de uma mesa, com quem eles escolherem para ser os mediadores, e tentarem encontrar uma solução. É isso o que eu acho que deveria acontecer e é para isso que eu trabalho".

Sabem o que há de errado nessa fala? Absolutamente nada! Aí diz alguém: "Ah, mas ele não vê diferença entre agressor e agredido. É mentira. O Brasil votou contra a Rússia na ONU. O presidente voltou a reconhecer que é esse o país agressor. Mas entende que, dado o andamento do conflito, escolhas perigosas estão sendo feitas. Mais um trecho:
"A questão da paz na Ucrânia: os dois países têm presidente. Eles precisam querer conversar sobre paz. Quando você fala de paz, um fala: 'Eu só converso se o outro se render. Aí ninguém vai ser render. Qual é o meu medo? O meu medo é que a gente está caminhando para a possibilidade de que possa ter uma guerra mais feroz, com arma mais poderosa. Nós estamos aqui em Hiroshima. Ninguém jamais imaginou que os Estados Unidos iriam soltar uma bomba atômica aqui em Hiroshima. E soltou. Sem pedir pra ninguém. Está certo que ainda não existia o Conselho de Segurança da ONU. Então nós queremos evitar isso. E, para evitar isso, nós precisamos criar as condições."

Referiu-se explicitamente ao discurso de Joe Biden, presidente dos EUA:
"Ontem, vocês viram o discurso do Biden. O discurso do Biden é que tem de ir pra cima do Putin até ele se render, pagar tudo o que estragou. Esse discurso não ajuda, na minha opinião. O que ajuda é um discurso 'gente, vamos sentar primeiro? Vamos esfriar a cabeça e vamos começar a conversar?' E, à vezes, leva tempo".

FOI LÁ FAZER O QUÊ?
O presidente brasileiro destacou na parte inicial da entrevista que teve 10 encontros bilaterais, reuniu-se com empresas japonesas e manteve conversações informais com Estados Unidos, Coreia do Sul, OCDE, OMC, Reino Unido e União Europeia. Lula destacou:
"Sinceramente, eu não vim para o G7 para debater a guerra da Ucrânia. Eu disse, no meu discurso, que a discussão da guerra da Ucrânia deveria estar sendo feita na ONU. Eu sou presidente há cinco meses e nunca fui convidado para uma reunião na ONU para debater a guerra. É na ONU que tem de ter. A gente poderia antecipar a Assembleia Geral, que é feita em setembro, para junho, para julho, para discutir a guerra. Vamos colocar todos os membros da ONU, vamos trazer Putin e Zelensky para eles falarem, e vamos abrir um debate franco e aberto. Onde? Na ONU, que é o espaço. Aqui, no G7, nós viemos para discutir economia, para discutir a questão do clima. É por isso que eu falei: 'O espaço para discutir a guerra não é não G7'. Nem é no G20. É no prédio das Nações Unidas'"

E quem, em particular, deveria estar ocupado do assunto. Lula responde:
"Aliás, o Conselho de Segurança deveria estar discutindo. E por que não discute? Porque os que se envolvem na briga são membros do Conselho de Segurança. Então não tem ninguém para discutir paz. Porque estão todos envolvidos. Não sei se você percebe: são os membros do Conselho de Segurança que vendem armas; são membros do Conselho de Segurança que fazem a guerra. É preciso mudar a lógica de funcionamento das Nações Unidas".

Lula falou ainda sobre meio ambiente, a importância que têm a China e a Argentina para a economia brasileira, defendeu o comércio entre países com moedas locais e lembrou que o Brasil passa a presidir, no ano que vem, tanto os Brics como o G20. Fica para outros textos. Encerro este voltando-me à abertura de sua fala:
"O Brasil era um bom protagonista internacional. O Brasil era levando em conta para todas as conversas que se tinham neste mundo sobre desenvolvimento, sobre meio ambiente, sobre o clima. E depois o Brasil passou seis anos no anonimato. O Brasil virou pária no mundo político. Porque ninguém queria ouvir o Brasil, e o Brasil também não queria ouvir ninguém porque quem governou o Brasil era efetivamente uma figura atrasada, que não entendia a necessidade de uma boa política de relações internacionais."

Antes ainda, solidarizou-se com o brasileiro Vini Jr., jogador do Real Madri, vítima de mais uma manifestação racista em campos da Espanha. O Brasil precisa se respeitar. E seu presidente tem de cobrar respeito aos brasileiros onde quer que se pronuncie.