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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro, Deltan e Ives Gandra contra Zanin no STF? Indicado mais se qualifica

Cristiano Zanin, o indicado, e três dos críticos: Deltan Dallagnol, Sergio Moro e Ives Gandra Martins. Convenham: isso vale por uma distinção - Ricardo Stuckert; Fernando Frazão/Agência Brasil; Ueslei Marcelino/Reuters; Reprodução
Cristiano Zanin, o indicado, e três dos críticos: Deltan Dallagnol, Sergio Moro e Ives Gandra Martins. Convenham: isso vale por uma distinção Imagem: Ricardo Stuckert; Fernando Frazão/Agência Brasil; Ueslei Marcelino/Reuters; Reprodução

Colunista do UOL

02/06/2023 05h24

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Já me manifestei mais de uma vez e afirmei ao próprio presidente Lula, numa entrevista, que a indicação do advogado Cristiano Zanin para a vaga aberta no STF me parecia inconveniente. E não porque faltem qualidades intelectuais a Zanin. Muito pelo contrário. É um profissional de competência reconhecida e tem o mérito adicional de ter dado visibilidade, entre nós, ao debate sobre "lawfare" — o uso do sistema de persecução penal e de Justiça para atingir adversários políticos. Leia-se, a propósito, um livro que escreveu em companhia de sua mulher, Valeska Martins Teixeira, e Rafael Valim, ambos também advogados: "Lawfare, Uma Introdução".

Como sempre deixei evidenciado, a minha restrição é de natureza política. Sempre avaliei ser um ruído desnecessário. É um critério. Há outros. Ministros do STF que estão muito distantes de formar uma igreja de pensamento, no entanto, não enxergam os meus óbices e elogiaram a indicação. Para Gilmar Mendes, "é alvissareira a notícia de que o nome do brilhante advogado Cristiano Zanin foi encaminhado à apreciação do Senado Federal". Disse mais nas redes sociais: "O dr. Zanin sempre apresentou elevado tirocínio jurídico em sua trajetória profissional".

Em nota, Roberto Barroso afirmou:
"O Dr. Cristiano Zanin atuou com elevada qualidade profissional em casos que tramitaram perante o Supremo. Minha visão dele é a de um advogado sério e competente, que exibiu dedicação ao cliente e conduta ética, mesmo diante da adversidade. Da minha parte, será muito bem-vindo".

Luiz Fux e Nunes Marques consideraram "ótima" a indicação. André Mendonça desejou "sorte", observando ser "uma prerrogativa do presidente da República", notando que "cabe ao Senado avaliar".

Pois é...

SERGIO MORO
Quando ouço as vozes que se levantaram de forma mais estridente contra a indicação, constato que diminui para mim mesmo a relevância da minha restrição. Sabem quem ousou criticar a indicação? O senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Escreveu:

"A nomeação de um advogado e amigo pessoal do presidente da República para o Supremo Tribunal Federal não favorece a independência da instituição e fere o espírito republicano".

Sempre achei que esse senhor nunca teve noção de limite. Nem do ridículo. O ex-juiz da Lava Jato, flagrado nas conversas da Vaza Jato a combinar operações com um membro do Ministério Público — no caso, o por enquanto deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) — ousa mesmo falar em "independência" do Judiciário?

O homem que, na magistratura, condenou Lula sem provas — ele nunca disse em quais páginas de sua sentença elas se encontram —, tem o topete de falar de "espírito republicano"? Confirmada a sentença em segunda instância pela 8ª Turma do TRF-4, o que era segredo de Polichinelo, o petista se tornou inelegível, o que levou à eleição de Jair Bolsonaro.

Sete meses depois de assinar o decreto de prisão do petista, o valente moralista aceitou o convite para ser ministro da Justiça do "Mito", que só venceu a disputa porque o único que poderia batê-lo nas urnas foi tirado de combate pelo juiz político Moro. Um galardão e tanto! Na pasta, condescendeu com os decretos armamentistas de seu chefe e defendeu um pacote anticrime que trazia "excludente de ilicitude", o que, no Brasil, é sinônimo de autorização para matar pobre e preto. Sou obrigado a admitir: Moro estar contra o nome de Zanin qualifica o indicado.

DELTAN DALLAGNOL
Dallagnol, já cassado pelo TSE, também saiu atirando contra a indicação. Disse ser uma prova da "
República do escambo". É mesmo? Então seria uma troca sem moeda, né? Não é o caso. Ainda que fosse, talvez eu compreenda a natureza da crítica do rapaz. Quando era procurador da Lava Jato, escreveu para a própria mulher no dia 3 de dezembro de 2018:
"Vc e Amanda do Robito estão com a missão de abrir uma empresa de eventos e palestras. Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade." A reportagem foi publicada por The Intercept Brasil.

No dia 23 de agosto, informava reportagem da Folha, em parceria com The Intercept Brasil:
"A atividade de palestras remuneradas do procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato, passou por mudanças contratuais para deixar de ter a filantropia como principal destino dos valores.
Ele começou a focar o meio empresarial e arrecadou ao menos R$ 580 mil a partir de 2017, apontam diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil e analisados em conjunto com a Folha.
Mensagens, planilhas, recibos e contratos que circularam no aplicativo Telegram de Deltan indicam um contraste entre os argumentos da defesa apresentada por ele à Corregedoria do Ministério Público em junho de 2017, que levaram ao arquivamento de uma reclamação disciplinar, e a conduta do procurador em relação às palestras a partir daquele ano."

Com efeito, o que esse cara fazia não podia mesmo ser chamado de "escambo". Afinal, envolvia moeda. Dallagnol estar contra Zanin qualifica o indicado.

IVES GANDRA MARTINS
Outro que mostrou descontentamento foi Ives Gandra Martins em artigo no Estadão. Elogiou para atacar:

"Cristiano Zanin Martins é um grande e íntegro advogado, reconhecido pela classe. Exerceu admiravelmente a defesa do presidente Lula contra todos. Vale dizer: um brilhante profissional. De idoneidade moral, este requisito foi preenchido.
Agora, o requisito da Constituição vai além do brilhantismo na profissão. O artigo 101 da Constituição prevê notável saber jurídico. O notável é aquilo que está acima da média do conhecimento de todos, o que inclui saber acadêmico, livros publicados, reconhecimento nacional e internacional como jurista.
Na prática, este requisito nem sempre tem sido seguido pelos presidentes nas indicações. Quais livros publicou? Qual sua titulação? O reconhecimento acadêmico é ser mestre, doutor, livre docente ou professor titular, doutor honoris causa. O reconhecimento acadêmico é o que difere o advogado do jurista. O magistrado do jurista."

O doutor, como informa seu pé biográfico, certamente é dos que ostentam o que ele considera "notável saber jurídico". Note-se, a propósito, que a interpretação que ele dá à expressão é completamente arbitrária.

Mas "doutor Ives" é, certamente, notável segundo seus próprios critérios.

Jair Bolsonaro, como sabemos, na Presidência, saía por aí a pregar golpe de Estado, vocalizando uma interpretação absolutamente esdrúxula do Artigo 142 da Constituição, segundo a qual as Forças Armadas seriam o Poder Moderador, com prerrogativas para desautorizar decisões até do Supremo.

Por óbvio, não se encontrava um só advogado ou jurista de respeito que endossassem a interpretação excrescente. E, então, apareceu "Dr. Ives" para emprestar à tese do candidato a tirano o seu "notável saber jurídico".

Num artigo no Conjur, o homem cheio de livros saiu-se com a graça que vai em vermelho. Comento dois trechos:
Escrevi no quinto volume dos referidos comentários, que foi veiculado em 1997, à página 167, que: "Por fim, cabe às Forças Armadas assegurarem a lei e a ordem sempre que, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos, ou seja, por iniciativa dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, forem chamados a intervir.
Nesse caso, as Forças Armadas são convocadas para garantir a lei a ordem, e não para rompê-las, já que o risco de ruptura provém da ação de pessoas ou entidades preocupadas em desestabilizar o Estado".

O que vai acima não foi escrito por ele, mas pela Constituição. Não há interpretação aí, apenas perífrase do que vai na Carta. Sigamos com ele:
Em palestras posteriores, ao explicitar meu pensamento, inclusive nas aulas para a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, esclareci que, se houvesse um conflito entre o Poder Executivo e qualquer dos outros poderes com claro ferimento da Lei Maior, sem outro remédio constitucional, o presidente não poderia comandar as Forças Armadas na solução da questão, se fosse o poder solicitante, e, pois, parte do problema.
Nessa hipótese, caberia aos comandantes das Três Armas a reposição da lei e da ordem.
Por fim, sempre expus em palestras que a reposição da lei e da ordem seria pontual, isto é, naquele ponto rompido, sem que as instituições democráticas fossem abaladas.

O sabichão tentava encontrar uma saída para si mesmo, à medida que sua posição passou a ser vista por aquilo que era: golpista. E isso não pegava bem.

Então escreveu o exótico artigo, cujos trechos vão acima. Para se descolar da fama de que estava tentando encontrar uma justificativa legal para o golpismo do ogro, afirmou que as Forças Armadas não poderiam intervir em favor do presidente se este fosse parte da crise. Ah, que bom!

Mas, vejam ali, segundo o mestre, "caberia aos comandantes das Três Armas a reposição da lei e da ordem." E, nesse caso, convocados por ninguém. Apenas por suas... armas. Para tentar negar que prestasse um serviço a Bolsonaro, o iluminado resolveu defender o golpismo, digamos, "autonomista". Vale dizer: transformou as Forças Armadas em Poder Moderador, embora negasse ser esse o seu entendimento. A moderação pelo golpe! A propósito: e se os três comandantes divergissem entre si? Bem, aí seria preciso convocar o Espírito Santo.

Eis um caso clássico de triplo salto carpado hermenêutico. Não dá. Minha tolerância é muito baixa em matéria de flerte com o golpísmo.

Com todas as vênias, "Dr. Ives" estar contra Zanin também qualifica o indicado.