Reinaldo Azevedo

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Opinião

O Zema que Musk não salva associa Norte-Nordeste a vacas que produzem pouco

O Estadão mudou o título da entrevista concedida pelo governador de Minas, Romeu Zema (Novo), mas é impossível amenizar o sentido político do que disse. Originalmente, lia-se: "Zema anuncia frente Sul-Sudeste contra o Nordeste e quer direita unida contra a esquerda". Agora, quem acessar a mesma URL encontra: "Zema anuncia frente para 'protagonismo' do Sul-Sudeste e quer direita unida contra a esquerda". Esqueceram das vaquinhas.

Atenção! O jornal mudou o título, não informou ao leitor que fez a alteração e não admitiu erro nenhum — até porque não havia mesmo. O "X" de Elon Musk, no entanto, tem agora um recurso chamado "Notas da Comunidade". Vejam lá o que é. Os critérios não são claros, mas a tal "comunidade" — desde que faça direito seu lobby — consegue emplacar uma "correção". Inclusive do que errado não está.

Na sequência do post em que publico a imagem da manchete original do Estadão, aparece o seguinte texto:
"É falso que o grupo proposto Sul-Sudeste tenha sido criado para ser 'contra o Nordeste'. A manchete do Estadão exibida na imagem foi atualizada por eles após perceberem o erro.
"Link para a matéria corrigida"

O único dado falso, pois, no conjunto da obra é a tal "nota da comunidade". Até porque, reitero, o Estadão não faz correção nenhuma. E também não teve a delicadeza, o que me parece uma questão procedimental bastante discutível, de informar aos leitores que houve uma alteração do título.

Sobre as notas da comunidade: a cada vez que a extrema-direita mente, o que é preciso para que se publique uma nota com o alerta de erro?

MAS O QUE DISSE ZEMA?
Não fiz cópia da entrevista que li ainda no sábado para cotejar com a que está no ar. Não sei se a fala do governador também foi "alterada" -- seria conveniente tornar disponível o áudio. Zema afirma, segundo o jornal:

"Temos o Grupo do Cossud. Na verdade, ele já existia, mas nós formalizamos o Consórcio Sul, Sudeste, que reúne os 7 Estados das duas regiões. A cada 90 dias, nós nos encontramos para trabalharmos de forma conjunta. A última reunião foi em Belo Horizonte. Tem muita coisa que um Estado faz melhor que o outro. Também já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos - que é o que nunca tivemos - protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos. Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por Estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos proporcional à população. Por que sete Estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente."

Fica evidente que o "presidenciável" Zema propõe, sim, a união de Sul e Sudeste contra o Norte e o Nordeste. "Ah, mas não foi isso o que ele quis dizer". Não cabe à imprensa corrigir o que afirma um político em nome do que ele pretenderia afirmar. Numa entrevista, o jornalista pergunta, e o entrevistado responde. Se a transcrição é honesta, o dito está dito.

Voltemos, pois, à fala de Zema. Ele deu um exemplo de alinhamento dos sete Estados do Sul e do Sudeste contra o Norte e o Nordeste — a única imprecisão do título original, assim, está em não ter incluído também a Região Norte. Ademais, Zema não é um qualquer nessa área .

No segundo dia do 8º Encontro da Cossud, o tal Consórcio Sul-Sudeste, ele já havia nos premiado com o seguinte raciocínio de finíssima economia política:
"Temos aqui uma semelhança enorme. Se tem estados que podem contribuir para esse país dar certo, eu diria que são esses sete Estados aqui [das regiões Sul e Sudeste]. São Estados onde, diferente da grande maioria, há uma proporção muito maior de pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial".

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E, claro, também se disse nesse caso que sua fala foi retirada do contexto.

Na entrevista de agora, o sábio resolveu recorrer a uma metáfora rural para explicar a diferença entre os Estados do Cossud e o Norte e Nordeste. Assim:
"A reforma tributária e a representatividade no Senado. Sempre vamos estar em desvantagem - 27, num total de 81. Temos feito o mesmo trabalho com o senadores de nossos Estados e o que nós queremos é que o Brasil pare de avançar no sentido que avançou nos últimos anos - que é necessário, mas tem um limite - de só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada. A reforma tributária, fizemos outro questionamento.
Está sendo criando um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade...Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito. Daqui a pouco as que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento. É preciso tratar a todos da mesma forma. As decisões têm que escutar ambos os lados e o Cossud vai fazer esse papel porque ninguém pode ignorar o peso de expressivo de 256 deputados na Câmara."

Mais uma vez, fica evidente que o valente põe, de um lado, os Estados do Sul e Sudeste e, de outro, os do Norte e Nordeste, que seriam "as vaquinhas que produzem pouco". A propósito: se o título do Estadão desse destaque a essa metáfora no título, como faço, estaria apenas atuando com rigor jornalístico. O tal "protagonismo", como está agora, virou uma cortesia da edição com tão refinado pensador.

É tão evidente que se refere ao confronto "Sul-Sudeste" contra "Norte-Nordeste" que fala em "dois lados". E ele se coloca como o porta-voz de um deles. E faz contas malucas, quando não erra na aritmética, o que também não é estranho a esse homem "novo".

CONTAS MALUCAS
Vejam ali: ele soma os deputados dos sete Estados e chega a 256. Pois é... Faltaria apenas um para ter a maioria absoluta se essa clivagem fizesse sentido. Mas, para tanto, os bolsonaristas e os petistas de São Paulo, por exemplo, deveriam estar unidos numa mesma causa porque representando o mesmo Estado... É uma besteira que nem errada chega a estar.

A propósito: o governador diz que o Cossud tem 27 senadores. Fiquei curioso para saber os respectivos nomes dos seis clandestinos. Afinal, são sete unidades da Federação, e cada uma tem três representantes no Senado. Salvo engano, três vezes sete ainda são 21... Ou não? Mesmo assim, pertencem a nove partidos, e sete deles estão em legendas que têm cargos no governo — a rigor, oito, mas excluí Sergio Moro (União).

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QUESTÃO ELEITORAL
Também resta óbvio na entrevista que Zema estabeleceu uma relação entre os Estados do Sul e Sudeste e a questão ideológica. Leiam esta sequência (perguntas em preto e respostas em vermelho):
E a direita, o senhor acha que estará mais forte ou não?

A direita, na minha opinião, já está hoje muito mais organizada. Acho que a figura de Bolsonaro foi de fundamental importância para deixar essa ideia de direita formada. Porque parece que a direita não existia, que eram pessoas isoladas. Ele conseguiu, de certa maneira, criar uma noção de direita.

Mas muitos não querem essa direita de Bolsonaro, querem alguém mais moderado, menos encrenqueiro....
Concordo plenamente, tanto é que os nomes que têm despontado não tem essa exaltação que ele tem. São nomes como o de Tarcísio, Ratinho, Eduardo Leite...

O senhor...
Também. São nomes que serão mais produtivos politicamente. Porque quando você agride demais, de certa maneira parece que isso provoca um revide, uma reação. Na política você tem que saber agredir cirurgicamente, em alguns pontos

Como se percebe, os candidatos que ele citou "à direita", que pretende unidos, pertencem todos ao tal consórcio. Mesmo a troca do título certo pelo amigável não muda a realidade e o, por assim dizer, "raciocínio" de Zema: quer unidos o Sul e o Sudeste contra o Norte e o Nordeste — e uma união de direita.

EDUARDO LEITE
Eduardo Leite, que se expressa com muito mais destreza do que Zema e que jamais diria que os Estados do Norte e Nordeste são "vaquinhas que produzem pouco" resolveu entrar no debate. Pôs um vídeo nas redes e declarou o seguinte ao Estadão:

"Nunca achamos que os Estados do Norte e Nordeste haviam se unido contra os demais Estados. Ao contrário: a união deles em torno de pautas de seus interesses serviu de inspiração para que, finalmente, possamos fazer o mesmo, nos unirmos em torno do que é pauta comum e importante aos estados do Sul e Sudeste"

Tenho dúvidas se foi especialmente hábil. Se as palavras fazem sentido, trata-se de um bloco para enfrentar outro... bloco. Não se manifestou sobre a questão eleitoral nem rejeitou a possibilidade de que possa ser um nome a unificar a direita...

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CONCLUO
Olho para o resultado das eleições do ano passado. É claro que os milhões de votos que Lula teve também no Sul e no Sudeste concorreram para a sua vitória. Mas como negar que a enorme vantagem no Nordeste livrou o país do segundo mandato de Bolsonaro e, entendo, salvou a democracia brasileira do desastre?

Acima de tudo, o conjunto da obra parece muito pouco inteligente. Mas querem saber? Não serei eu a reclamar se a direita começa a dizer burrices. Não há título que possa salvá-la, não é mesmo? E uma coisa é certa: o Nordeste, com efeito, livrou o Brasil do segundo mandato de Bolsonaro. Felizmente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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