Entenda lei que determina a prisão de Silvinei e os crimes ora investigados
Por que Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal? O Artigo 312 do Código de Processo Penal prevê cinco motivos que a tornam possível, desde que esteja dada ao menos uma de três condições indispensáveis. Transcrevo:
"Art. 312Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada."
Entenda-se a lei:
AS CONDIÇÕES INDISPENSÁVEIS:
A - prova da existência do crime;
B - indício suficiente de autoria;
B - perigo gerado pelo estado de liberdade.
OS MOTIVOS
1 - garantia da ordem pública;
2 - garantia da ordem econômica;
3 - conveniência da instrução criminal;
4 - assegurar a aplicação da lei penal;
5 - descumprimento de medida cautelar.
Os indícios de que o comando da PRF atuou para interferir no exercício legítimo do direito de voto pretextando uma operação de caráter técnico, são escandalosos. Quando se sobrepõem os lugares em que houve interrupção do livre trânsito com o mapa eleitoral, tem-se mais do que uma prova: tem-se uma aberração. O crime aconteceu.
Abundam os indícios de que Silvinei — e eles estão nos autos — atuou para produzir um determinado resultado, que se frustrou em razão da pronta intervenção do Tribunal Superior Eleitoral, que ordenou que os bloqueios fossem suspensos. O perigo gerado por sua liberdade (uma das condições) se cruza com dois dos motivos (o 3º e o 4º) para a decretação da prisão: conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
Tal conveniência diz respeito à possibilidade de o investigado efetivamente interferir na investigação, concorrendo seja para a eliminação de provas, seja para induzir os depoimentos de testemunhas ou de outros implicados.
ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL
Normalmente se entende que a aplicação da lei penal está sob ameaça quando existe o risco de fuga. Mas que se reitere: não é preciso que todas as condições estejam dadas (basta uma) nem todos os motivos: basta um.
PACOTE ANTICRIME
Os abusos cometidos pela Lava Jato estão na origem do chamado "Pacote Anticrime" aprovado pela Câmara em 2019. O Parágrafo 2º nasceu da boa Lei 13.964. É preciso que existam "fatos novos" ou "contemporâneos" que justifiquem a preventiva.
- Fato novo: algo que não estava, até então, dado nos autos:
- Fato contemporâneo: que tenha acontecido já no curso na investigação com o intuito de dificultá-la. Explique-se: o que motivou a apuração não pode ser alegado como causa da preventiva.
O FATO NOVO E CONTEMPORÂNEO NO CASO
No pedido de prisão preventiva, a PF fala sobre uma possível relação de reverência a Silvinei de funcionários da PRF que são igualmente investigados e que, segundo a apuração, concorreram para o crime. Mas o apenas "possível" justifica a prisão? Escreve o delegado Flávio Vieitez Reis sobre os depoimentos prestados em dezembro do ano passado por Naralúcia Leite Dias, então Chefe do Serviço de Análise de Inteligência da PRF, e Adiel Pereira Alcântara, então Coordenador de Análise de Inteligência da PRF:
"Mesmo com todos os fatos subsequentes que foram a público, e obviamente sabendo que a análise do conteúdo de seus celulares os desmentiria, podendo procurar a Polícia Federal para se retratar ou colaborar com as investigações, optaram por não fazê-lo, preferindo suportar eventuais ações adversas a relatar as determinações ilegais de Silvinei Vasques".
É fato novo? É. As investigações, sustenta a PF, apontam que eles estavam mentindo. É contemporâneo? No curso de uma investigação de apenas oito meses, a resposta é "sim".
Conclui Moraes:
"Dessa maneira, presentes o fumus commissi delicti e periculum libertatis, inequivocamente demonstrados nos autos pelos fortes indícios de materialidade e autoria dos crimes previstos nos artigos 319 e 359-P, ambos do Código Penal, e nos artigos 297 e 304 do Código Eleitoral, bem como do crime de abuso de autoridade previsto no art. 23, caput, e parágrafo único, II, da Lei 13.869/2019 é patente, portanto, a necessidade de decretação da prisão preventiva em face da conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, conforme posicionamento pacífico dessa SUPREMA CORTE"
TRADUZINDO
- "Fumus commissi delicti": fumaça (entenda-se: evidência) do cometimento de crime
- "periculum libertatis": perigo que decorre do estado de liberdade. Qual perigo? Ameaça à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal e à aplicação da lei penal. No caso, o ministro reconheceu a existência dos dois últimos.
Atentem para os crimes investigados:
- Artigo 359-P do Código Penal:
Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Artigo 319 do Código Penal:
Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Artigo 297 do Código Eleitoral
Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio:
Pena - Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.
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Artigo 23 da Lei de Abuso de Autoridade
Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:
I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;
II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.
Em caso de condenação por todos esses crimes, as penas, somadas pelo topo, chegam a onze anos e meio, além de multa. Sempre há atenuantes na hora da dosimetria, né? Mas me parece que, se as coisas não forem bem para Silvinei — e o relato da PF é bem impressionante —, ele dificilmente escapa do regime fechado.
Não sou um fanático da delação premiada, já disse mais de uma vez. Mas o estatuto existe, está aí. O ex-diretor da PRF talvez devesse considerar a possibilidade. Mas isso é lá com ele e a sua fidelidade ao "chefe".
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