Reinaldo Azevedo

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Opinião

O que disse o diretor da PF sobre a prisão de Bolsonaro e o que não disse

Bem, as palavras fazem sentido, e eu me apego a ele. Mas não se resume à expressão congelada nos dicionários. Especialmente quando se analisa a fala, é preciso levar em conta não só o contexto, mas também a inflexão, o ritmo, a entonação, as pausas, os apostos explicativos e as considerações em tese.

Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, concedeu uma entrevista impecável ao UOL, sem erro ou exagero. E, bem, ele não disse que há a possibilidade de Jair Bolsonaro, como caso concreto, ser preso. Ele afirmou — e basta ver e ouvir para perceber que isto é inquestionável — que há a possibilidade de qualquer investigado ter a prisão preventiva decretada desde que cumpridos os requisitos da lei. O vídeo está aqui. Vamos transcrever.

A repórter Carla Araújo indaga:
"Diretor, muito se falou nas redes sociais, depois dessa operação das joias... E se coloca: 'Ah, a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro... Quando Bolsonaro vai ser preso?' Enfim, de fato, isso tá no cenário? Como a gente explica esse cenário de uma possível e hipotética prisão do ex-presidente Bolsonaro?"

Será mesmo que o diretor-geral afirmou que existe a possibilidade de o "Mito", como caso concreto, ser preso? Vamos ler:
"Olha, o cenário é a lei, né?, o que está no Código Penal, o que está no Código de Processo Penal, o que está na Constituição, que é a nossa Lei Maior. E, dentro desse arcabouço jurídico legal, há a possibilidade, sim, de prisão; há a possibilidade de busca e apreensão, que temos feito, várias, nós não descartamos nenhuma das hipóteses".

Já aqui fica evidente: ele não está se referindo ao ex-presidente. Fala em tese. Por isso, diga-se, cita os códigos. Por que fala sobre o Código Penal? Porque lá está a quase totalidade dos crimes tipificados e as penas. Por que evoca o Código de Processo Penal? Porque é ele a dispor sobre as possibilidades de prisão. Por que menciona a Constituição? Porque, em caso de condenação, não havendo razão para outras prisões (inclusive a preventiva), a Carta determina que se execute a pena só depois do trânsito em julgado. Não se descarta nenhuma das hipóteses para investigado nenhum.

Carla interrompe a resposta e pergunta: "Há possibilidade?" Ele continua:
"Agora, para isso, volto a insistir: possibilidade legal, há. Agora, eu não conheço o detalhe da investigação. Eu não sei o que a equipe está apurando, que elementos, né? A prisão não é uma vontade própria do investigador. Ela exige o atendimento aos requisitos legais. Então, à medida que a equipe chegar nesse ponto, vai adotar as medidas que entender cabíveis".

Rodrigues deu, a rigor, a única resposta possível. Como é que poderia especular sobre a possibilidade de Bolsonaro, como caso concreto, ser preso, se ele próprio declara que não conhece detalhes da investigação? E reitera: a prisão não é um exercício da vontade; tem de atender aos requisitos da lei. E aí evidencia que valerá para Bolsonaro o que vale para qualquer um: havendo motivos, então será preso. Atenção! Quem decide isso não é a PF, mas a Justiça.

A partir de uma intervenção de Josias de Souza, as coisas ficam ainda mais claras. Considerou o jornalista:
"Pra gente entender, e falando em tese, no atual estágio da investigação, uma prisão -- e teria de ser uma prisão preventiva --, o pressuposto seria o de que o investigado está adotando alguma providência para obstruir a investigação ou para combinar versões... Quer dizer, não... Ou tá ameaçando a ordem pública... Há pressupostos legais ali, né?"

Souza está citando alguns dos requisitos para a prisão preventiva que estão no Artigo 312 do Código de Processo Penal. Ainda há o risco de não cumprimento da lei penal -- sempre entendido como a possibilidade de fuga -- e o descumprimento de medidas cautelares. Rodrigues elimina qualquer dúvida razoável: estava falando em tese, não sobre Bolsonaro. Afirmou:
"Exato, Josias, perfeita a colocação, absolutamente correta! Há pressupostos legais. Então, [pelo] que a equipe tem de se pautar, volto a insistir, é na responsabilidade, e na qualidade da prova. Então, deve se pautar pelo que está na lei e pelo que está apurando. Se, nessa conjunção de elementos, se chegar a essa conclusão, que há obstrução, que há necessidade de garantia da ordem pública; enfim, se os requisitos legais são atendidos, esse é um caminho possível. E aqui falo hipoteticamente".

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Já imaginaram o diretor-geral da Polícia Federal a afirmar que Bolsonaro jamais terá a prisão preventiva decretada, ainda que haja elementos para isso? Desde logo, duas questões teriam de ser observadas, junto com a sua demissão:
a: a PF pode, no máximo, pedir a prisão à Justiça;
b: quem decreta é o juiz -- no caso, Alexandre de Moraes.

Se um dia o Espírito Santo passar a ser investigado por algum crime, também ele estaria sob risco de prisão preventiva, não fosse uma pomba abstrata, não é mesmo? Bolsonaro não é uma pomba.

PASSAPORTE
Na sequência, Carla indagou sobre a aplicação de medidas cautelares -- e, insista-se, a PF pode pedir, mas a decisão é do juiz. Ela citou a possibilidade de apreensão do passaporte. E ouviu o seguinte:
"Voltamos à mesma pauta. Se há qualquer indício, possibilidade -- concreta, né?, não especulação! Nós não trabalhamos, eu tenho dito isso com muita ênfase, com base só em achismo ou com base em convicções. Nós trabalhamos com provas, com elementos concretos que nos apontam que é importante para a investigação que o passaporte seja apreendido, que o investigado seja preso temporária ou preventivamente; enfim, que outra medida cautelar seja solicitada. Os fatos concretos é que vão apontar essa necessidade."

INDICIAMENTO
Antes, Carla havia indagado se o delegado acha que há elementos para indiciar Bolsonaro e por quais crimes. A resposta tinha sido igualmente impecável:
"A Polícia Federal trabalha numa investigação com muita responsabilidade, focada na qualidade da prova e também dando autonomia para a equipe de investigação conduzir o seu trabalho. Eu, na função que tenho, não participo diretamente das investigações. Minha função é oferecer os meios para que as equipes investiguem, de maneira que eu não sei o detalhe da investigação, se já há elementos, se não há. Isso será uma posição da equipe que está investigando. E o que nós temos, e eu bato sempre nesse tripé: da autonomia da investigação, da qualidade da prova e da responsabilidade daquilo que a gente está fazendo".

Carla insiste:
"Mas, pela sua experiência nessa área, dá para dizer, por exemplo, que há, que a gente viu aí, do que já está público, indícios de crime de corrupção, de lavagem de dinheiro, por exemplo?

E ouviu:
"Indícios, há, a gente tem visto várias provas, né?, que são tornadas públicas pelo ministro-relator, onde a gente identifica vários elementos que podem apontar nesse caminho. Agora, como eu disse e repito, e repiso, e isto é um ponto muito caro para nós, investigadores, policiais federais: é de ter essa responsabilidade. À medida que as provas vão sendo colhidas, depoimentos colhidos, análise de materiais apreendidos, a gente vai avançando, sempre com muita consistência naquilo que a gente está fazendo"

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ENCERRO
Rodrigues limitou-se a dizer o óbvio. Se negasse a existência de indícios, seria o caso de indagar por que Bolsonaro está sob investigação...

Em nenhum momento sugeriu a existência de elementos para Bolsonaro ter a preventiva decretada. Fez uma avaliação puramente técnica: qualquer investigado pode ser submetido a tal expediente se incorrer nas razões previstas na lei. O juiz decide.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac... Nesse momento, um Patek Philippe desaparecido bate em algum lugar. A lei já encontrou Bolsonaro. Falta só que se ajustem os ponteiros. Acontecerá. Dentro dos marcos legais. Como tem ocorrido até aqui. André não é um daqueles delegados amostrados que fizeram fama na Lava Jato. E Alexandre de Moraes não é Sergio Moro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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