Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Pacheco, Bolsonaro o saúda por pauta anti-STF. E aquele papo sobre honra...

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve estar bastante satisfeito nesta terça e tem a chance de rememorar velho adágio português: "Quem não tem padrinhos morre pagão". Ele resolveu trocar o apadrinhamento que lhe oferecia a Constituição, que serve a todos — e se comportou, acho eu, com correção por quase três anos —, pelos mimos de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo.

O Imbrochável, que resolveu participar de uma reunião da bancada ruralista na Câmara -- uma parte dos deputados caiu fora porque não quis sair na mesma fotografia --, elogiou a dedicação do parlamentar em levar adiante a sua pauta anti-Supremo. Com sua sintaxe sempre peculiar, afirmou:
"A questão do desequilíbrio entre os Poderes... Tive a notícia, agora há pouco, que uma certa proposta vai à frente no Senado, parabéns ao presidente do Senado".

E foi adiante:
"Temos de buscar igualdade; cada um tem de entender o seu lugar. Não é porque um Poder tem um mandato vitalício que vai sobrepor sobre os demais".

Ele sempre espanca impiedosamente a língua. Mas trata com ainda menos cuidado as instituições.

É isso aí. Enquanto se mostrou um defensor intransigente da democracia e do estado de direito, o mineiro apanhou muito dos bolsonaristas. Agora que resolveu vergar a cerviz à pregação da extrema-direita, recebe esse glorioso mimo de um democrata abaixo de qualquer suspeita. E evidencia que não está disposto a mudar de prosa.

No Twitter, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), que preside o PT, afirmou a coisa certa sobre a PEC aprovada na Comissão de Constituição e Justiça que limita as ações monocráticas dos membros da Corte. Pela proposta, elas não podem suspender a eficácia de lei ou norma com efeito geral ou ato dos respectivos chefes das duas Casas do Congresso. O pacote "pachequista" contempla muito mais. Já chego lá. Disse a petista:
"Precisamos sim que os Poderes da República atuem em harmonia, mas a PEC 08, que entra em pauta no Senado, limitando o alcance de decisões do STF não é um bom caminho para este objetivo. Especialmente numa conjuntura em que o Supremo vem tendo papel destacado na defesa da democracia. A busca da harmonia se dá pelo diálogo e o fortalecimento dos poderes, pelo exercício cotidiano do papel constitucional de cada um. A maneira açodada com que a PEC 08 vem tramitando parece retaliação que diminui o Senado. Infelizmente o senador Rodrigo Pacheco está fazendo um serviço para a extrema-direita".

Reiterando que não tem receito de tais préstimos, o citado houve por bem emitir uma nota ao gosto do "Mito":
"Tentar rotular uma proposta legislativa como de direita ou de esquerda para desqualificá-la, além de simplista, é um erro. Esse é o grande mal recente da história nacional que venho combatendo, pois esse tipo de argumento retroalimenta a polarização, que só interessa a alguns (os extremistas)"

Quem mesmo está servindo a extremistas? Para começo de conversa, o autor da resposta, que é advogado, sabe que está incentivando o andamento de um troço que é inconstitucional e que não passaria pelo crivo do próprio tribunal, o que só alimentaria o ciclo do ódio.

AMBIÇÕES
Esse negócio de se juntar a um polo em nome do combate à polarização não cola. Essas ações destrambelhadas têm dois objetivos conhecidos: conquistar os votos dos bolsonaristas para a (recandidatura) de Davi Alcolumbre (UB-AP) à Presidência do Senado e tentar achar um lugar na direita e na extrema-direita para concorrer ao governo de Minas ou se recandidatar em 2026. Uma e outra coisa são bastante precoces, o que pode sugerir alguma motivação recôndita, seja ela qual for. Se existir, boa não é.

Continua após a publicidade

O fato: a dupla está de olho nos 32 votos que o agora arquirreacionário Rogério Marinho (PL-RN) teve na disputa passada para comandar a Casa. Se não busca todos eles — alguns já devem ser do pré-candidato antecipado —, almeja a parcela que garanta ao parlamentar do Amapá a vitória. Se o pretendente consegue se viabilizar com o apoio da oposição, fica mais fácil apresentar a conta ao governo. E não que Alcolumbre e o próprio Pacheco já não sejam contemplados com ministérios. O primeiro tem as Comunicações (Juscelino Filho), a Integração (Waldez Góes) e o Turismo (Celso Sabino); o segundo, as Minas e Energia (Alexandre Silveira).

Como ensinou Camões, "não há amor de ninfa o bastante para o tamanho do gigante".

Tentando negar que seja um ato de retaliação, o bravo lembra na resposta a Gleisi que a PÈC é de 2021. E acrescentou:
"Não há pressa nem atropelo. Ela serve para aprimorar a Justiça, cujas instâncias sempre foram por mim defendidas publicamente, de juízes a ministros, da Justiça Comum à Justiça Eleitoral".

Só faltava termos um chefe do Poder Legislativo que atacasse abertamente a Justiça, não é mesmo? De fato, o texto é de 2021, de autoria do lavajatista Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), um dos membros do "agitprop" contra a Corte, em companhia do inefável Sergio Moro. Outro é o próprio Marinho. Aliás, este vive pegando carona na biografia do avô, o deputado Djalma Marinho, que morreu em 1981. Era filiado à Arena, o partido que apoiava a ditadura. Mas renunciou à presidência da CCJ, opondo-se à licença pedida pelos militares para processar o então deputado Márcio Moreira Alves. Citou Calderón de la Barca: "Ao rei tudo, menos a honra". Que coisa! Prócer do regime, o primeiro Marinho teve a coragem de resistir à tirania numa ditadura. Já o segundo não teve receio de se aliar a um candidato a tirano numa democracia. Fiquemos, então, no universo da arte dramática, apelando à literatura política: ao tentar envergar as vestes do antepassado, o neto virou a farsa do avô.

Com que frequência as convicções democráticas de certos valentes têm cedido aos apelos das trevas. Entregam tudo. E começam pela honra. Sigamos.

OUTROS EMBATES
Pacheco tem outras causas em que pretende usar os magistrados como espantalhos nesta sua conversão ao patriotismo terraplanista e negacionista. Resolveu patrocinar uma PEC que torna crime a posse de droga, de qualquer uma e em qualquer quantidade. O Artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, já não prevê pena de prisão para quem porta substâncias consideradas ilícitas apenas para consumo. O que se busca fazer, tão-somente em relação à maconha, é definir uma quantidade que caracterizaria tráfico.

Continua após a publicidade

As cadeias estão superlotadas de pretos e pobres que foram trancafiados porque flagrados com um cigarro da erva. Há estudo sólido a respeito. Isso não é chute. Isso não é mera opinião. Os brancos e endinheirados se livram. Os pobres desgraçados vão disputar um lugar no inferno junto aos mais de 800 mil encarcerados, mais da metade sem sentença com trânsito em julgado. E daí? Pachecão não quer saber. Afinal, o óbvio não faz soar o alarme que excita os demônios do reacionarismo que ele decidiu adular.

A superlotação dos presídios forma a mão-de-obra barata e o "eleitorado" dos partidos do crime. Olhem para as tragédias do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte, da Bahia, de praticamente todos os Estados. De certo modo, os togados estariam fazendo um favor à falta de coragem ou de lucidez de boa parte dos Congressistas. O homem escolheu um destino: resolveu ser o "dotô advogado" que investe no obscurantismo.

De resto, os brancos endinheirados continuarão a não ir para a cadeia, pouco importando a droga e a quantidade. Ademais, o crime organizado que realmente cuida desse mercado não está nos morros do Rio nem na periferia das grandes cidades. Opera hoje, por meio de laranjas, nos mercados financeiro, imobiliário e de criptomoedas.

A PEC do destemido não mexe com eles porque tráfico já rende cadeia. E, no entanto... Quando se lê o que realmente vai abaixo das letras de sua diatribe, encontra-se lá:
"A Constituição considera crime que pretos e pobres portem qualquer droga, em qualquer quantidade. Se querem leis iguais para todos, procurem debaixo dos viadutos, nos morros, nas periferias, nas cadeias -- no inferno, enfim".

MANDATO, MARCO TEMPORAL E O QUE MAIS VIER
O doutor resolveu também ser um entusiasta de mandato para ministros, outra tese abraçada pelos "patriotas". O esforço de fundo, no fim das contas, é outro. Trata-se da antessala para transformá-lo numa espécie de caixa de ressonância de alguns órgãos e lobbies. Da mesma sorte, com o apoio não menos entusiasmado do nosso novo vanguardista do retrocesso, o Senado referendou o projeto de lei inconstitucional aprovado na Câmara que estabelece a promulgação da Constituição como a data de referência para a demarcação de terras indígenas. Lula vetou. O veto cairá. Caberá, de novo, aos onze deixar claro o que estabelece a Constituição. "Ah, então, vamos meter outra PEC..." Seria igualmente inconstitucional. Direitos fundamentais são cláusulas pétreas -- também os dos indígenas.

Só falta ao nosso Rui Barbosa às avessas das Alterosas abraçar a tese de seu colega Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que quer anistiar os golpistas. Não de todos os crimes, ele adverte: só nos casos de tentativa de golpe de Estado e de rompimento do estado de direito. Ah, bom!

Continua após a publicidade

No dia 14, Pacheco, Gilmar Mendes e Roberto Barroso, decano e presidente do STF, respectivamente, participaram do I Fórum Esfera Internacional, em Paris. Altaneiro, o chefe do Legislativo mandou ver:
"Não há mínima possibilidade de permitir ao Supremo Tribunal Federal ou a qualquer instância do Judiciário que formate as regras e as leis do país porque isso cabe ao Legislativo."

Não formatam nem regras nem leis. Mas lhes cabe, em última instância, examinar se elas ofendem direitos individuais ou coletivos. Porque sabe que inexiste decisão que esteja imune à apreciação do Judiciário, o inefável decidiu dar um triplo salto carpado hermenêutico, enfeitado depois com uma nova pirueta, e defendeu a tese de que é preciso, vejam vocês, "limitar o acesso à corte"... Não podendo controlar os juízes, que se obstrua o caminho que leva a eles. Por que Chávez e Maduro não pensaram nisso antes? Teria poupado muito desgaste, né? Putin pensou. Viktor Orbán também...

POR QUÊ?
Há a pergunta óbvia: por que se escolheu tal alvo? Passado o aluvião da crise e da tentativa de golpe, por que os ânimos supostamente reformistas -- que são, na verdade, marcha para trás -- se voltam contra os que garantiram a ordem legal?

Reproduzo o que publicou a Folha sobre a intervenção, então, de Mendes no tal seminário:
"Gilmar Mendes, em sua palestra, afirmou que ele e o colega Luís Roberto Barroso compareceram ao evento para contar a história de uma instituição que soube defender a democracia até contra impulsos de uma parte significativa da elite. O ministro afirmou: "Certamente, muitos aqui defenderam concepções que, se vitoriosas, levariam à derrocada do STF". Também acrescentou: "Se hoje tivemos a eleição do presidente Lula [PT], foi graças ao STF".

Respondendo a Pacheco, Gilmar afirmou, citando o escritor Milan Kundera, que a luta contra o poder abusivo envolve a luta contra o esquecimento, salientando que seria preciso reavivar, num país de memória tão curta quanto o Brasil, o papel que cumpriu o STF no governo Jair Bolsonaro. Gilmar disse que, na gestão anterior, o Supremo atuou "às vezes de maneira quase isolada" e criticou a "redução a machadadas" do ICMS antes das eleições de 2022, aprovada no Congresso. Também disse que havia "assédio das Forças Armadas" à Justiça Eleitoral.

Para o ministro, os Poderes não são insusceptíveis de reformas, mas elas precisam ser pensadas em termos globais, com discussão até de sistema de governos e emendas parlamentares."

Continua após a publicidade

ENCERRO
Depois de quatro anos de insanidades e do 8 de janeiro, essa parte do Congresso que o convertido decidiu liderar não quis voltar os olhos para si mesmo. Também não olhou para os militares. Tampouco se encarregou de fazer um exame de consciência para saber quantas vezes condescendeu com um candidato a ditador. Os ódios se voltaram contra a instituição que impediu que um bufão de quinta categoria -- que dobrou o Legislativo do modo como sabemos -- se tornasse o imperador do reino dos mortos. E, ainda assim, mais de 700 mil vidas se perderam.

E depois coube ao tribunal salvar a democracia. E só por isso se pode fazer, por vontade, não por necessidade, um seminário em Paris sobre o Brasil. Ainda que muitos, vá lá, sonhassem mesmo com um regime de força por aqui.

Volto a Calderón de La Barca, aquele citado por Marinho, o Djalma, o avô: "Ao rei tudo, menos a honra". E acrescento: assim deve ser para que a desonra que felicita a poucos não seja a desgraça que colhe a muitos, como é corriqueiro nestas terras de milhões de "Sem-PEC", "quase todos pretos/ Ou quase pretos/ Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres".

Ei, Pacheco! Bolsonaro lhe deu os parabéns!

Poque são merecidos, já estão na sua biografia. Que padrinho, hein!? Não morre pagão.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado, Gleisi Hoffmann é deputada pelo Paraná, e não Santa Catarina. O texto foi corrigido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.