Reinaldo Azevedo

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Opinião

Wagner atua como Romário da base e centroavante de Pacheco. Qual a jogada?

O senador Jaques Wagner (BA) é o Romário do PT, ainda que não se possa dizer que Romário (RJ) seja o Jaques Wagner do PL. Explico-me. O baiano foi o único dos oito petistas a votar a favor da excrescente e inconstitucional PEC que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo, e o carioca foi o nome solitário e contrário do PL. Ao matar a bola no peito e dar um chapéu na Constituição, o petista se comportou como centroavante de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Já explico. Qual a jogada?

Vamos lá: a PEC foi aprovada por 52 a 18. Precisava de um mínimo de 49 (três quintos). Foi por pouco. Ausentaram-se sete parlamentares, três registraram presença, mas não participaram, e o 81º é o próprio presidente da Casa, que não vota. Passou raspando. Elimine-se o "sim" do líder do governo, e a proposta patrocinada por Pacheco e Davi Alcolumbre (União-AP), embebida na baba raivosa do bolsonarismo, teve só dois tentos de folga apenas.

Para quem ainda não entendeu: quando Wagner fez questão de anunciar que não encaminharia nem contra nem a favor porque julgava ser uma questão do Congresso, mas que ele próprio daria seu "sim", entendam: não arrumava ali apenas uma adesão para livrar a cara de Pacheco — que estivera com Lula na noite anterior —, mas ao menos umas cinco...

O governo tem demandas em curso e haverá outras tantas. Alcolumbre é uma espécie de Luís 14 da CCJ — e já evidenciou que é um ser suprapartidário em matéria de criar dificuldades para os outros e facilidades para si mesmo. Até o então presidente Jair Bolsonaro experimentou isso por ocasião da sabatina sempre adiada de André Mendonça. O homem quer voltar à Presidência da Casa. Intui que possa não ser o preferido de Lula e do petismo. Na lógica que conhece, a elementar, pretende angariar o apoio dos bolsonaristas — e abraçar a agenda anti-STF lhe parece algo esperto — e de outros parlamentares que se sentem "atropelados" pelo tribunal.

DÍVIDA
Pacheco recorreu a Lula para tentar equacionar a dívida de Minas, que quebrou. E o fez à revelia de Romeu Zema (Novo). Candidato a candidato à Presidência, o governador emite uma glossolalia um tanto incompreensível, entre o bolsonarismo e o liberalismo mal digerido -- num Estado com um passivo obviamente mal gerido -- e não tem conseguido cair nas graças nem dos partidários do mercador de diamantes.

Abriu-se, potencialmente, uma avenida eleitoral no Estado. Se Pacheco conseguir se credenciar como um nome da direita, mas não exatamente hostil a Lula — a menos que o presidente chegue muito mal ao fim do mandato, o que não creio que aconteça —, melhor. Nada que não se possa atribuir às tradições das Alterosas, a terra que se diz avessa a radicalismos. É só um falso clichê, mas, admita-se, consolidado.

A impressão que se tem é que toda essa gente resolveu, de algum modo — e, pois, não estou excluindo nem o Planalto — tirar uma casquinha da coisa, pensando em seu próprio jogo. Sejamos claros porque é o que espera o leitor: sem a autorização de Lula, seu braço operante não teria votado a favor da PEC e, pois, livrado a cara de Pacheco. Afinal, ele não é líder do PT, mas do governo. Sem o sinal verde de quem manda, teria de ser substituído. Como não será, então o presidente concordou. Elementar.

Com uma bancada de 15, o PSD de Pacheco contou apenas sete nomes a favor — ele próprio não vota porque presidente. Quatro da sua legenda se opuseram, dois faltaram, e um preferiu não apertar botão nenhum. Entenderam a importância do líder do governo? Quais foram as bases da negociação?

FALEMOS UM POUCO DA PEC
"Ah, Reinaldo, mas a PEC é assim tão grave?" Depende? Vocês querem falar sobre o seu conteúdo ou o seu espírito? Sobre a idiotia da objetividade ou sobre a questão política? De saída, note-se, ela não impede os ministros de examinar qualquer matéria. Então faz o que?

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Define que as chamadas decisões monocráticas não podem suspender a eficácia de uma lei ou norma de repercussão geral aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República. Nesse caso, a decisão tem de ser necessariamente colegiada. Abre-se exceção para o período de recesso. Atos normativos do Executivo — como decretos, por exemplo — não estão submetidos às restrições. A proposta segue agora para a Câmara para ser submetida a dois escrutínios. Só passa com pelo menos 308 adesões.

APENAS O COMEÇO
Querem saber? Em tempos normais, eu não daria muita bola para esse troço. Ocorre que não nasci ontem. Os bolsonaristas não se tornaram prosélitos entusiasmados da estrovenga -- não esperavam, é certo, que fosse Wagner a servir de centroavante do time -- por amor ao equilíbrio entre os Poderes. Ao contrário: eles estão com o tribunal atravessado na garganta. Foi ali que se engendrou a resistência -- bem-sucedida, diga-se -- aos planos homicidas do fanfarrão durante a Covid-19.

Também foi o Supremo, em parceria com o TSE, o bastião de resistência aos arroubos golpistas de Bolsonaro e sua trupe de asquerosos. Ah, quem dera o Senado — ou o Congresso, em seu conjunto — tivesse demonstrado contra o candidato a tirano a coragem que pretende exibir agora contra os magistrados, não é mesmo? Em vez disso, as duas Casas condescenderam com as barbaridades do arruaceiro, inclusive aquelas perpetradas na boca da urna.

"Ah, a PEC não é de agora..." Não venham com conversa! Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), o autor, é um lava-jatista-bolsonarista conhecido — padrão que me parece simpatizar com dois golpismos. A intenção é tolher não os eventuais vícios do modelo, mas suas virtudes.

De resto, essa não é a única iniciativa para tentar transformar a toga em amarra. O próprio Pacheco já defendeu mandatos para ministros e já expressou simpatia por estabelecer filtros mais rigorosos para que partidos e parlamentares possam acionar a Corte por intermédio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade e de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. Antes que pudessem entrar com a ação, teriam de contar com o apoio de um mínimo, a ser definido, de parlamentares — fala-se em 20%. É uma aberração porque se atribuiria ao Legislativo a competência para fazer uma espécie de juízo prévio de admissibilidade das ações.

O QUE VAI SER?
Como explicar a escolha do petista, sendo a única voz dissonante, já que sete da bancada de oito do PT se opuseram? Será que o Palácio ajudou Pacheco a fazer uma maioria magra, livrando-o de uma derrota humilhante, e espera ter vida mais fácil na Casa? Há pela frente, por exemplo, uma indicação para a PGR e outra para o Supremo. Há os esforços para aumentar a arrecadação. É claro que se podem criar facilidades ou dificuldades, tudo dentro do Regimento...

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Não serei eu a dizer que a política tem de ser avessa ao pragmatismo. O ponto não é esse. Minha torcida é para que não existam maus conselheiros a soprar aos ouvidos de Lula que é chegada a hora de contrariar alguns ministros porque influentes demais. Seria um erro brutal. Até porque haveria de se indagar: caso eles se tornassem mais fracos, quem se fortaleceria? Com certeza, não seria o presidente da República.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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