Reinaldo Azevedo

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Opinião

Mirando 26, Tarcísio vira o Catão antiprivatização e grita: 'Delenda Enel!'

Cuidado, petistas! Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, está lendo direito as forças em disputa na sociedade e está antecipando o jogo. De bobo, não tem nem o andado. É um animal político. Mas tem um problema: foi trazido à vida por outro — no caso, um animal da antipolítica. Vamos explicar tudo. Há no ar bem mais do que fios em curto-circuito.

AS DIREITAS EM BUSCA DE UM CONDUTOR
Se o retrato do Datafolha expressar a verdade deste momento, o governo do presidente Lula conta com 36% de ótimo e bom na avaliação dos brasileiros, 32% de ruim e péssimo e 29% de regular. São os mesmos números de março do ano passado, na margem de erro: respectivamente, 38%, 30% e 29%. Sob certo ponto de vista, há razão para comemorar. Dada a guerrilha travada pelas extremas direitas -- talvez se deva por um tempo empregar o substantivo composto no plural --, os números são bons. Dada a boa gestão, nem tanto. Fato: aquele terço que nunca vota no PT está ali. Aquele terço que sempre vota -- chegou a diminuir de tamanho, mas voltou ao leito, o que os analistas reaças jamais perceberão porque muito ocupados em decretar a morte do partido -- também. E há o terceiro terço que pode fazê-lo ou não.

Se a eleição fosse hoje, e não é, Lula seria reeleito porque não tem adversários competitivos. Largaria na corrida com aqueles 36%. Os oponentes — ou "o" oponente — teriam de conquistar os 32% e parte considerável da turma do "regular". Não é tarefa corriqueira, como sabe Gilberto Kassab, o grande vencedor das eleições municipais. Ele é um dos "consiglieri", talvez o mais importante, de Tarcísio e conta com três ministérios na Esplanada. Perceberam? O presidente do PSD tem acesso a formulações estratégicas tanto do incumbente federal como daquele que pretende substituí-lo. E é essencial a ambos.

Em entrevistas, o secretário de Governo e Relações Institucionais de São Paulo afirma que vê Tarcísio disputando a reeleição. Não creio que seja mera afirmação diversionista, para desviar a atenção do público. Hoje, seria, com efeito, o mais prudente. Desde que Lula decidiu governar com a direita e com o centro democráticos, ganhou cinco das nove eleições diretas. Nesse caso, a palavra "polarização" só ilude. Lula é a expressão maior das esquerdas, mas também é aquele que atrai o centro. Tarcísio faz um governo inequivocamente de direita. Se Kassab é quem eu acho que é, quer mais tempo para Tarcísio se livrar da craca reacionária, o que leva tempo. Eleição presidencial não é coisa corriqueira. Ademais, creio que a avaliação de Lula tende a melhorar.

Ocorre que a eleição não é hoje. Como sintetizou o filósofo José Simão, quem fica parado é poste. E Tarcísio não é. A sua desenvoltura no episódio do apagão evidencia que pode ser mais rápido para perceber a metafísica influente do que tem sido o PT e o próprio governo Lula. Ele tem apetite, como bom animal político, o que incomoda até o animal antipolítica que pretende ser o seu macho alfa. Em entrevista recente a Letícia Casado, Carlos Bolsonaro afirmou: "Se meu pai apontasse e falasse: ninguém escuta Tarcísio, o Tarcísio não ia ter poder". Ontem, o próprio ex-presidente fez saber que o titular dos Bandeirantes só disputará a Presidência com a sua anuência. Bolsonaro esperneia contra a obsolescência. Daí que alimente a fantasia de que vai recuperar a elegibilidade. Não vai. Extremistas de direita só estão se estapeando porque sabem que é preciso arrumar um nome alternativo. E quem senão Tarcísio? Até porque o tal animal antipolítica já alvejou alguns pré-candidatos, como Romeu Zema e Ronaldo Caiado.

Tarcísio pensa como quem não quer esperar até 2030, age como quem não quer esperar até 2030, se desloca em campo como quem não quer esperar até 2030. Bem, é evidente que ele não quer esperar até 2030. Conta com apoio da elite conservadora brasileira e com uma boa vontade da imprensa como há muito não se vê. A anuência desta, com críticas não mais do que marginais, ao estranho processo de privatização da Sabesp o demonstra mais do que qualquer outra coisa. É o anti-Lula que embala as noites das elites conservadoras, as mesmas que não têm motivos para reclamar do líder petista. E daí? O preconceito de classe organiza a experiência social mais do que qualquer outro. Adiante.

LEITURA COMPETENTE DO JOGO
Retomemos a primeira linha deste artigo para dar sequência à tecitura. Tarcísio tem uma leitura competente do jogo. A tese de que o apagão de São Paulo deve ser tributado ao governo federal não surgiu na mente, digamos, acanhada de Ricardo Nunes (MDB), prefeito da capital e candidato à reeleição. Seu autor é o governador. O privatista que protagonizou o episódio do quebra-martelo, numa demonstração um tanto exagerada daquele "apetite" de que falo, resolveu lançar-se, como um Catão grandiloquente, fazendo da Enel a sua Cartago. E então tonitrua: "Delenda Enel". A Enel tem de ser destruída.

É evidente que se trata de uma peça de campanha, uma vez que é escancaradamente claro que parte da responsabilidade pela interrupção no fornecimento de energia se deve à queda ou quebra de árvores, que desabam sobre os fios. O serviço é municipal, e o número de pedidos de podas em aberto prova a sua ineficiência. Antes que se apontasse o dedo contra a prefeitura e seu titular, o governador resolveu lembrar que a concessão obedece a uma legislação federal; que cabe a uma agência reguladora acompanhar a qualidade do serviço e, na ponta, é o presidente da República quem cassa uma concessão.

Tarcísio é profissional formado nos escaninhos da burocracia, dado que fez carreira no Dnit. Se Bolsonaro é seu padrinho no primeiro escalão, Dilma foi sua madrinha nos círculos dos gabinetes federais. Não ignora que os diretores da Aneel têm mandatos de cinco anos e foram nomeados pelo ex-presidente, hoje seu aliado. Aliás, o titular de uma agência reguladora tem um emprego mais estável do que o de chefe do Executivo de qualquer das três esferas de poder. É praticamente indemissível. Obviamente Lula não pode dar um murro na mesa e botar a Enel para correr. Há um longo procedimento até que se chegue a isso. O contrato de concessão, de resto, vai até 2028.

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É demagogia calculada o grito de guerra de Tarcísio — o "fora Enel" — como se estivesse havendo incúria ou desídia do governo federal. Estivesse, de fato, interessado numa resposta consistente, teria procurado o Planalto para deixar expressar seu ponto de vista. Mas ele está numa guerrilha política. Sua palavra de ordem não leva luz aos lares e empresas que estão às escuras, mas passa a impressão de que está, de fato, fazendo alguma coisa e de que é porta-voz dos insatisfeitos, jogando a responsabilidade — ele, um privatista que se quer exemplar — nos ombros do presidente, o antiprivatista exemplar.

Tarcísio faz ainda mais: ele próprio se encarregou de lembrar o obscuro processo de privatização da Sabesp, endossado em editorias "apesar de alguns problemas" (não me diga!), asseverando que o resultado será muito diferente disso que se vê com a Enel, coisa em que não aposto. Há serviços púbicos que não existem para dar muito dinheiro... Na verdade, se a operação não for deficitária, já será uma bênção. E a empresa de saneamento de São Paulo era eficiente. Mas o governador a passou nos cobres mesmo assim. Antes que seus adversários resolvessem associar a venda do controle da Sabesp à desordem provocada pela Enel, ele mesmo resolveu fazer um discurso defensivo e preventivo.

QUEM DEVERIA FALAR O QUÊ
Convenham: quem deveria estar a vituperar contra a Enel era Lula, uma vez que, de fato, ele não tem nada a ver com a privatização da Eletropaulo, com as mudanças havidas posteriormente, quando a Enel entrou na jogada, e é um adversário intelectual, político e ideológico das privatizações. Não há como: o "delenda Enel" de Tarcísio é, em essência, farisaico porque o modelo de negócios que entrega o serviço à Enel é precisamente aquele que ele e os que se alinham com ele defendem. Mas de farisaísmo e de oportunismo também se faz a política.

E entendo que, com efeito, tardou para que o governo federal se manifestasse. Não creio que Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia e também um aliado de Kassab, tenha cometido erros, mas é visível que acabou engolfado por Tarcísio. No ambiente de campanha de Nunes, ele mobilizou a direita e a extrema-direita nas redes, e aqueles que deveriam estar na defesa resolveram partir para o ataque. Se não foi o bastante para livrar o prefeito de responsabilidades, fez-se uma clara operação de redução de danos.

Parece-me que a ala política do Planalto reage com excessiva lentidão. Mais do que Lula dizer que não vai privatizar isso ou aquilo ou que a direita é obcecada por se desfazer do bem público — o que é mais um discurso evangelista do que prático —, cumpria ser rápido em apontar a gestão privada estupidamente ineficiente e tomar providências efetivas com vistas a, no limite da legalidade, cassar a concessão, sem provocar caos no sistema. E isso o governo federal podia fazer. Falou-se ontem em mover uma ação por danos morais coletivas e tal. Não se descarte. Mas convém que o legalismo não substitua o discurso político. Um jogo pode terminar empatado, claro. Mas é certo que quem não faz gol corre o risco de, tomando apenas um, perder, ainda que jogue melhor. É preciso ajustar os detectores de movimento na sociedade.

CONCLUO
Encerro voltando ao princípio. Extremistas de direita estão batendo boca porque sabem que, tudo o mais constante, perdem de novo para Lula. Na turma, há os lúcidos, a despeito da paranoia reacionária, que têm consciência de que é mais fácil Bolsonaro ser preso do que se eleger em 2026. Logo, é preciso achar um nome, já que a eleição não é hoje.

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Entre os candidatos a liderar forças de oposição, há os que jogam bem e os que jogam mal. Tarcísio, admita-se, sabe jogar. E eis que o homem da martelada se candidata a líder da cruzada "Delenda Enel".

Chegou ao requinte de receber no Palácio dos Bandeirantes o ministro Augusto Nardes, do TCU, que deixou claro que o tribunal não tem muito a fazer, embora tenha aproveitado para alfinetar o governo federal, falando com pose de autoridade. Só para lembrar: é aquele senhor que mandou mensagem pelo WhatsApp, em novembro de 2022, fazendo a defesa de um golpe de Estado que impedisse a posse de Lula. É um vexame, diga-se, que tenha tido a cara de pau de não renunciar. Mas por que um golpista o faria, não é mesmo?

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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