Reinaldo Azevedo

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Opinião

Sabesp: Texto votado é ilegal. Ou: A polícia aparece mais do que Tarcísio

O projeto de lei que permite ao governo do estado de São Paulo vender o controle da Sabesp foi aprovado pela Assembleia Legislativa por 62 votos. Há 94 deputados estaduais. A oposição se ausentou. Houve pancadaria, cassetete e gás de pimenta.

A PM forneceu fotos muitos eloquentes para as campanhas eleitorais à prefeitura da capital no ano que vem — principalmente à de Guilherme Boulos (PSOL), explicitamente contrário à privatização. Tábata Amaral (PSB) não é simpática e pede mais debate. E o prefeito Ricardo Nunes (MDB)? Bem, ele é favorável se for coisa boa e contrário se ruim... Não me diga.

ILEGAL
Em todo canto se fala de uma vitória do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). É... 62 em 94 é placar bastante convincente. Ocorre que a conclusão do processo está distante ainda. Cumpre, de saída, fazer uma observação, acompanhada de uma curiosidade. O instrumento adotado é escancaradamente ilegal porque fere a Constituição de São Paulo.

O Parágrafo 2º do Artigo 216 é de uma clareza solar e define:
"§ 2º - O Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário."

Mas a Constituição do Estado não pode ser mudada? Pode! A exemplo da Federal, tem de ser por intermédio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC estadual), que também está disciplinada na Carta Paulista, no Artigo 22. Parágrafo 2º:
"A proposta será discutida e votada em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambas as votações, o voto favorável de três quintos dos membros da Assembleia Legislativa."

O que a Assembleia aprovou nesta quarta foi um projeto de lei. Fosse uma PEC, teria passado do mesmo jeito, pois seriam necessários 57 adesões — no caso, em duas votações. Ocorre que o governo ficou com medo de escolher a emenda porque julgava ter uns 50 apoios apenas. De toda sorte, independentemente do placar, a ilegalidade do procedimento é inquestionável.

O plano prevê que o estado mantenha voz ativa na companhia por intermédio da "golden share" — ação preferencial que confere poder de veto em decisões específicas. Não basta. A Constituição Estadual fala em controle acionário.

É PARA JÁ?
Não. Está longe ainda. Se a Justiça não anular o procedimento -- e tem de fazê-lo se cumprir o que está na Constituição Estadual (que se retome, se quiserem, o procedimento por intermédio de PEC), a próxima etapa é o crivo da Câmara dos Vereadores da Capital.

É preciso mudar uma lei, segundo a qual a mudança da composição acionária obriga o município a assumir os serviços prestados pela companhia. Caso isso acontecesse, Tarcísio não conseguiria vender nem o trinco da porta. A cidade responde por 44,5% do faturamento da empresa, que atua em 374 outras cidades. O governador diz que vai conversar com todos os prefeitos. Já não deveria tê-lo feito?

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Define a Lei Municipal 14.934, de 18 de junho de 2009:
"Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar contratos, convênios ou quaisquer outros tipos de ajustes necessários, inclusive convênio de cooperação e contrato de programa, com o Estado de São Paulo (...) com a finalidade de regulamentar o oferecimento compartilhado do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário no âmbito do Município de São Paulo, bem como assegurar a sua prestação pela SABESP, pelo prazo de 30 (trinta) anos, prorrogável por igual período (...)
(...)
Art. 2º. Os ajustes que vierem a ser celebrados pelo Poder Executivo, com base na autorização constante do "caput" do art. 1º, serão automaticamente extintos se o Estado vier a transferir o controle acionário da SABESP à iniciativa privada."

Se os vereadores, pois, não mudarem a Lei 14.934; se a Justiça não tornar sem efeito o texto aprovado nesta quarta e se Tarcísio insistir ainda assim, sabem o que acontecerá? Nada.

PORRADARIA E QUIMERA
Deputados estaduais e governador não estarão submetidos ao escrutínio popular daqui a 10 meses. Prefeitos e vereadores sim. A maioria da população é contrária à privatização, e a cidade vem de uma experiência muito ruim com a Enel, concessionária de energia.

Os que foram à Assembleia protestar nesta quarta certamente passaram dos limites na expressão de uma contrariedade. Tentaram derrubar o vidro que separa o plenário e as galerias. Eu nunca vi, no entanto, cassetete e gás de pimenta contarem a favor do governante de turno, especialmente quando o pau come num espaço fechado, destinado justamente à representação popular.

A coreografia combina com a fama e a fachada de durão que Tarcísio gosta de imprimir à sua performance, ainda que a PM tenha atuado com a autorização do presidente da Assembleia, André do Prado (PL). Ocorre que nem em São Paulo o governador estava. Preferiu participar de uma tal Frente Parlamentar em favor das escolas cívico-militares, em Brasília, em solenidade comandada por Jair Bolsonaro. Discursou:
"A gente olha aqui os alunos das escolas cívico-militares e vê que a gente está diante de um novo Bolsonaro lá na frente. Os alunos têm uma grande oportunidade. Como é bom ter um momento de amor à pátria. Ter disciplina, boa formação que vai fazer a diferença".

Enquanto rolava a porradaria em seu estado, Tarcísio via fantasmagorias em Brasília. Eram projeções mentais. Os estudantes, obviamente, não tinham nada a ver com o delírio.

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A história de que passar as ações nos cobres é parte do programa que ganhou a eleição é conversa mole. De fato, ele chegou a defender a tese quando candidato, mas depois recuou ao perceber resistência do eleitorado. As 43 páginas de seu programa não tocam no assunto. Vitorioso, transformou a coisa em obsessão e vitrine da gestão. A questão é saber: vitrine aos olhos de quem?

Diga-se o que se quiser do projeto, menos que tenha sido exaustivamente debatido em 11 meses. Trata-se de uma empresa de economia mista eficiente, que teve um lucro de 3,121 bilhões no ano passado, o que representou um crescimento de 35,4% na comparação com o ano anterior. O estado detém 50,3% das ações. Com a venda, pretende conservar entre 15% e 30%, o que, convenham, está mais para uma vaga noção do que para um plano claro. Há outras promessas um tanto mirabolantes para uma suposta e futura redução da tarifa. Ainda voltarei ao assunto.

Estatismo ou privatismo, como "ismos" viciosos, não me interessam. Empresas têm de ser eficientes num caso e noutro. As projeções sobre os ganhos que adviriam com a venda das ações me parecem, até agora, integrar o segundo "ismo". Trata-se de proselitismo vertido em linguagem técnica.

O arranjo prevê até a criação de um fundo, constituído com parte do que for arrecadado com a venda das ações, para garantir, se necessário, preços mais baixos no futuro. Fica com cara de quimera: usar-se-ia, então, na prática, dinheiro público para financiar uma empresa privada?

ENCERRO
É visível que Tarcísio vê a "Operação Sabesp" como uma espécie de passaporte para 2026. Não duvido de que isso o credencie, sim, junto a setores da elite, que teriam, então, nele o seu "privatista" de estimação, coisa que Bolsonaro, efetivamente, nunca foi. É o mesmo governador que está colado ao agro, promovendo uma reforma agrária às avessas, que consiste em distribuir terra a quem já tem terra.

Ainda que a Justiça faça a coisa certa e obrigue o governador a apelar a uma emenda à Constituição do Estado para lograr o seu intento, já se viu que ele dispõe de votos para tanto na Assembleia. O que começa agora é o confronto entre as famosas "narrativas".

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Acho sempre ruim quando a polícia aparece mais do que o político. E isso tem sido frequente em São Paulo. No caso da legalidade da operação, a palavra está com a Justiça; no caso do porrete e do gás de pimenta, com o eleitor.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

93 comentários

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Evandro Carlos Mesquita Barroso

Solicito ao governador Tarcisio de Freitas todas as vezes que um projeto for votado na assembleia legislativa convidar o Sr. Reinaldo Azevedo para fazer uma revisão.

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Marcio Francisco Zichia

Chora, blogueiro fracassado…Parabéns pela vitória, Governador Tarcísio!!!

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Mauricio Bruno Damiao

Cirúrgico em sua coluna, Tio Rei!  São Paulo conseguiu sair da dinastia tucana para cair em algo bem pior, mas bem pior mesmo. Bajuladores retrógrados da maior incompetência que esse país já viveu em sua história.

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