Bolsonaro, farsa dos 10 Maracanãs, confissão sobre golpe e nada de borracha
Depois do ato na Paulista, em que confessou envolvimento com a articulação golpista, Jair Bolsonaro deveria ficar mais preocupado do que feliz. "Mas como, Reinaldo? Só porque você não gosta do cara? E aquelas 750 mil pessoas?" Hein? De fato, execro tudo o que ele representa em política. Mas o ponto é outro. Essa é a conta do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, tirada dos seus delírios. É evidente que haver um militante de extrema-direita no comando da maior Polícia do país é um problema, mas isso fica para outra hora. No auge da manifestação golpista, ocuparam-se quatro quarteirões com massa compacta e três outros com um público mais rarefeito. A avenida tem 18 quadras. A conta do "Monitor do Debate Político", da USP, é de 185 mil pessoas. E há gente que entende do riscado que fala em, no auge, 40 mil.
E é bastante gente. Esse negócio de multidão gera chute para todos os gostos. Penso no Pacaembu dos bons tempos, com o meu Coringão em jogo, e coisa de 36 mil a 40 mil pessoas presentes. Fossem todos para a Paulista, de uma vez, e pronto! Alguém apontaria 750 mil corintianos reunidos, né? Para vocês terem uma ideia do ridículo da conta de Derrite, um Maracanã lotado comporta 78.838 torcedores. O secretário está dizendo que havia 9,5 Maracanãs na Paulista. Ou 11 Morumbis. Ou 15 Itaquerões.
No dia 12 de junho de 2021, o mitômano fez uma de suas motociatas em São Paulo. No Twitter, os valentes anunciaram a adesão de 1 milhão de motoqueiros. O Sistema de Monitoramento da Rodovia dos Bandeirantes registrou a passagem de 6.661 (toc, toc, toc...) veículos no pedágio dentro do trecho bloqueado para o evento. 6.661, é? Notaram ai o número da Besta mais um? Sigamos.
BASTANTE AINDA ASSIM
Que não se perca de vista: depois daquele 8 de janeiro e de tudo o que se sabe sobre a tramoia golpista, considero que uma concentração de 40 mil já é demais. O "lead" -- a parte principal da notícia --, no entanto, está em outro lugar: 1) o nº 1 do golpismo colaborou para produzir prova contra si mesmo ao confessar que uma minuta golpista passou, sim, por suas mãos; 2) fez campanha eleitoral antecipada -- e Valdemar Costa Neto, presidente do PL e também investigado, foi ao ato -- e 3) dividiu o palanque com o pastor Silas Malafaia: este não economizou a incitou a massa contra o STF, desafiando claramente as instituições.
Devem ter combinado o texto, não? Ou será que o ex-presidente é idiota a ponto de não saber o que iria falar seu aliado? Nota antes que siga: tratou-se de ato único, concentrado em São Paulo. Simpatizantes do Brasil inteiro se deslocaram para a capital paulista. Esse é o tamanho do "exército do Mito". Mas anotem aí: 40 mil, com 185 mil, 750 mil, pouco importa, para o STF, o número é irrelevante. O que fez diferença? O que se disse no palanque. Se alguém duvida de que a situação do principal investigado está pior agora do que no sábado, então não entendeu o que viu e ouviu. E nada tem a ver com espírito de vingança do STF.
A ADMINISSÃO DO GOLPISMO
Em matéria constitucional, Bolsonaro é um bom perturbador de baleias. Um dos esforços de seus advogados, vocês devem se lembrar, consistia em negar que ele tivesse ciência de minutas golpistas. Parece que os doutores chegaram à concussão de que o troço realmente não cola e desafia as provas.
Uma foi encontrada na casa de Anderson Torres. Outra foi entregue ao chefão, segundo a PF, por Filipe Martins, então seu assessor para Assuntos Internacionais. Previa decretação de estado de sítio e, numa primeira versão, as respectivas prisões de Alexandre de Moraes, de Gilmar Mendes e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. O Imbrochável alterou a proposta e manteve apenas a pretensão de encarcerar "Xandão".
Uma cópia impressa de uma espécie de discurso anunciando a medida extrema, nos termos de tal documento, foi encontrada na sua sala no PL. E o que disseram, então, inicialmente, seus defensores?
Ao UOL, Paulo da Cunha Bueno afirmou ainda no dia 8 de fevereiro, data da deflagração da "Operação Tempus Veritatis":
"PR [presidente] desconhece esse documento sobre estado de sítio, merecendo observar que o estado de sítio, para ser decretado, demanda a convocação e aprovação prévia do Conselho da República e do Conselho de Segurança. Depois disso, precisa ser aprovado no Congresso. Portanto, não existe estado de sítio como ato unilateral de um presidente, o que o torna incompatível com um golpe de Estado nos moldes como está sendo narrado hoje".
Bem, como continuar com a versão de que ele desconhecia o que estava em sua sala? Veio, então, uma versão:
"Trata-se de documento que já integrava a investigação há tempos e cujo acesso foi dado ao ex-presidente por seu advogado, vez que, repita-se desconhecia, até então, sua existência e conteúdo"
Os advogados dizem que eles próprios forneceram a seu cliente cópia de material que estava no celular de Mauro Cid e que o destinatário apenas imprimiu o conteúdo para ler melhor. Ah, bom...
Mas o que afirmou o próprio Bolsonaro neste domingo? Isto:
"Continuam me acusando de um golpe. Agora o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham a Santa paciência! Golpe usando a Constituição! Deixo claro que estado de sítio começa com o presidente da República convocando os Conselhos da República e da Defesa. Isso foi feito? Não! Apesar de não ser golpe o estado de sítio, não foi convocado ninguém dos Conselhos da República e da Defesa para se tramar ou para se botar no papel o proposta do decreto de estado de sítio. O segundo passo do decreto de estado de sítio, após o presidente ouvir os conselhos, ele manda uma proposta para o Parlamento, e essa proposta é analisada pelo Parlamento. E é o Parlamento quem decide se o presidente pode ou não editar um decreto de estado de sítio. O estado de defesa é semelhante. Ou seja: agora querem entubar a todos nós que um golpe, usando o dispositivo da Constituição, cuja palavra final quem dá é o Parlamento Brasileiro, estava em gestação. Ceio que está explicada essa questão".
EXPLICO
Observem que se retoma aquela tese inicialmente exposta por Cunha Bueno na mensagem ao UOL e se abandona a tese da ignorância. E aí analisa o pensador: se "estado de sítio" e "estado de defesa" são dispositivos previstos na Constituição (Artigos 136 a 141), então não se pode falar em golpe.
É sério?
Mais: se, com efeito, é preciso ouvir tanto o Conselho da República como o Conselho de Defesa Nacional para decretar um e o outro e se ambos requerem a aprovação do Congresso, então nada aconteceu, já que não houve consulta e não se enviou mensagem nenhuma ao Parlamento.
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O que Bolsonaro jamais conseguirá explicar, agora que admitiu ciência da minuta -- e não há quem possa protege-lo de si mesmo? A Carta traz um "Título V" que trata, prestem atenção!, "DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS". E "estado de defesa" e "estado de sítio" são instrumentos dessa proteção.
E quando se decreta um ou outro?
"Artigo 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza."
"Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira."
Como se pode perceber, nos limites constitucionais, uma coisa e outra são instrumentos de defesa da ordem democrática, não do seu rompimento. A dita Carta Magna não autoriza que o chefe do Executivo apele a tais medidas de força só poque perdeu a eleição.
OCORRRE QUE...
Ocorre que o sujeito fingia estar convencido de que tinha a folgada maioria do eleitorado; de que o TSE estava mancomunado com institutos de pesquisa, comunistas e imprensa para fraudar as eleições, de que o sistema já havia sido corrompido e nada mais restava a fazer a não ser a quartelada, o "soco na mesa" do general Augusto Heleno. E é de um golpe de estado que trata a reunião de 5 de julho de 2022.
Já escrevi nesta coluna e disse no "Olha Aqui" e em "O É da Coisa", na BandNews FM e no BandNews TV: as minutas e o documento impresso encontrado em sua sala são meros detalhes de um gigantesco conjunto probatório. A conspiração restaria provada mesmo sem eles. Mas tanto pior para o sincerão da tarde deste domingo quando, numa patuscada armada para se defender, admite que tinha ciência da minuta e se apega à tese de que nada de exótico havia lá, uma vez que a Constituição prevê estado de sítio e estado de defesa.
É fato. Mas não para impedir a posse do presidente eleito ou para prender um ministro do STF.
APAGAR?
Bolsonaro acha que conseguiu, como queria, produzir a fotografia que justifica seu pedido para "passar uma borracha no passado", seu e dos golpistas já condenados.
Não! Seu passado tem de restar escrito em letras garrafais: GOLPISTA! Ele, sim, é "imorrível".