Reinaldo Azevedo

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Opinião

O voto contra Moro e a gramática da má-fé das Porcinas. Não aprendem nada!

Leio aqui e ali coisas como: "Desembargador que foi indicado por Lula vota para condenar Moro". Como é que é? E se a gente soubesse que ele gosta de Chicabon e torce para o Coritiba (sim, com "o")? Também isso iria parar no título? "Claro que não, Reinaldo! Não teria relevância". Mas ter sido "indicado" por Lula tem? Para começo de conversa, não foi "indicado", mas "escolhido" pelo presidente numa lista tríplice. Sabem como é... São as competências que a Constituição reserva ao chefe do Executivo. Era o que havia de mais relevante a dizer sobre o voto de José Rodrigo Sade?

Ainda que possa parecer um pouco antigo — e até essa ironia tem lá a sua inatualidade —, mantenho a convicção de que o jornalismo deve produzir luzes, não obscurantismo. Em tempos de redes sociais, isso vai se tornando cada vez mais difícil. Não é rara a busca desesperada pelo "clique" — o chamado "clickbait", variante eletrônica dos títulos dos extintos jornais sensacionalistas. Em vez de informação, deformação do fato. Convenham: nas redes, nascem vários bebês-diabo por dia, não é mesmo? E, às vezes, eles saltam o muro e vão parar na imprensa profissional. Tanto pior se o procedimento ainda passa por filtro ideológico ou afinidades eletivas.

PEQUENA DIGRESSÃO
Uma digressão rápida. Moro, parece-me inequívoco, resolveu construir o seu destino: lideraria a versão nacional da "Mãos Limpas" -- ele chegou a escrever um texto a respeito bem antes da Lava Jato -- e saltaria para a política, a exemplo do que aconteceu com alguns próceres da operação havida na Itália. Agiu com determinação e método. Em companhia de seus valentes da força-tarefa, crestou a terra e criou as precondições para a ascensão da extrema-direita bolsonariana.

Não se constrangeu em servir àquele cuja eleição ele próprio tornou viável ao condenar sem provas o único que teria condições de bater o outro nas urnas. Assim, Lula foi para a cadeia; Jair Bolsonaro, para Planalto, e ele, Moro, para o Ministério da Justiça. E ali começou a mover as asas para ousadias maiores. Mas as coisas começaram a dar errado. O ponto de inflexão foi a Vaza Jato. Adicionalmente, passou a ser hostilizado pelo chefe, que farejou a sua ambição e percebeu nele um diferencial incômodo: era incensado por parte considerável da imprensa — aquela mesma que o Jair abominava e que abominava o Jair...

Moro caiu em desgraça, mas não saiu de mãos abanando. Elegeu-se senador pelo Paraná — a "conja", deputada por São Paulo. Pouco, sim, para as suas grandes ambições, que não se cumprirão. Há de se dar por satisfeito se conseguir segurar o mandato. Tudo indica que o TRE-PR não lhe será adverso. No TSE, não se sabe. Por coisa menos grave, a tal "Juíza Selma", eleita senadora pelo Mato Grosso, voltou pra casa. E agora começo a voltar ao início deste texto. Sim, o ex-juiz ainda tem uma legião de viúvas e viúvos na imprensa, especialmente no colunismo. As "Porcinas" sonham com "Moro Santeiro", ainda que sua atuação parlamentar não se distinga dos extremistas de direita mais abjetos.

GRAMÁTICA DO ABSURDO
E só isso explica títulos como "Desembargador que foi indicado por Lula vota para condenar Moro". Esse "que foi indicado por Lula" é o que gramática chama "oração subordinada adjetiva restritiva". Serve, como o nome diz, para restringir ou delimitar o sentido de um termo antecedente -- no caso, "desembargador".

Assim, o dito-cujo fica aprisionado na camisa de força do "nomeado (termo impróprio) por Lula", de modo que o quer que faça fica condicionado a essa questão, muito especialmente seu voto, que, então, independente e técnico não pode ser. Quando não se apelou a uma oração, os mesmos termos foram empregados como adjuntos do núcleo do sujeito: "Desembargador nomeado por Lula vota contra Moro". Tem-se, é evidente, o mesmo sentido restritivo.

Cada uma escreva o que quiser. E eu também. Opine como quiser. E eu também. É mau jornalismo! Sade, ou quem estivesse em seu lugar, NÃO TERIA COMO NÃO SER ESCOLHIDO (em vez de "nomeado") pelo presidente, de uma lista tríplice elaborada pelo TSE.

Diga-se com todas as letras: o que se busca, ao colar a expressão restritiva ao nome de Sade, é sustentar que seu voto não é isento nem técnico e que está, pois, a serviço do presidente, a quem deveria sua assunção ao cargo. Além de mau jornalismo, é malandragem intelectual. Então ele só provaria a sua isenção se votasse contra a cassação? É sério? Inventaram uma "independência" que só admite a defesa de Moro? Acrescente-se: mais de um petista já ouviu do próprio Lula que o prudente é manter distância desse embate; que o ex-juiz é irrelevante para o governo e que a eventual torcida de gente graúda do partido pode passar a impressão de retaliação — embora a decisão, qualquer uma, seja da Justiça Eleitoral. "Ah, mas o PT assina uma das ações". Fato. Mas o PL assina a outra.

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E por que não este título: "Desembargador que já foi advogado de Dallagnol vota contra Moro"? Por que não esse? Respondo: porque essa oração subordinada adjetiva restritiva, à diferença da outra, sugeriria justamente a sua independência, não o seu comprometimento. Se, afinal, já advogou para Robin, é de se supor que nada tenha de pessoal contra Batman, não é mesmo? Ocorre que essa referência não serviria à maledicência nem se prestaria à inferência de que Lula interfere no julgamento.

O VOTO
A íntegra do voto de Sade está aqui. É relativamente curta. Em 40 páginas e meia, parece-me elencar uma fartura de dados que configuram abuso de poder econômico na pré-campanha de Moro.

Transcrevo um trecho que me parece essencial em seu voto:
"De qualquer forma, em sede de obter dictum, pode-se dizer que, em um cenário público e notório de polarização que vigorou desde o início na eleição presidencial de 2021, o investigado Sérgio Moro assumiu verdadeiro risco em se lançar e começar a gastar como pré-candidato presidencial, expondo-se, assim, deliberadamente a ver sua candidatura impugnada sob a acusação de abuso de poder econômico.

Deixando-se de lado a intenção que moveu o investigado, ponto esse para mim irrelevante diante do bem jurídico ora tutelado, o que se tem de concreto é que, até 2.10.2022, acabou ele gastando ou investindo muito mais recursos do que os demais candidatos que disputaram com ele a vaga única de senador, justamente porque, até determinado ponto de sua jornada eleitoral, seus gastos tinham por base o teto de uma campanha presidencial, o que, a meu ver, implicou um completo desequilíbrio do pleito em questão.

Com efeito, para mim não parece possível simplesmente apagar os caminhos que o pré-candidato em questão percorreu quando ainda estava pré-candidato presidencial. Não se apaga o passado.

Tentando participar de três eleições diferentes, desequilibrou Sergio Moro a seu favor a última, a de Senador pelo Paraná. E o desequilíbrio decorre da constatação incontroversa de que os demais candidatos não tiveram as mesmas oportunidades de exposição, o que, em um pleito bastante disputado, fez toda a diferença.

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A título de fechamento, estabeleço a primeira premissa para esta análise: a apuração do abuso de poder econômico é realizada de forma objetiva entre a massa de recursos investida na pré-campanha e o limite de gastos previsto para o cargo específico em que se deu a disputa, sendo irrelevante considerar qual era a pretensão inicial do pré-candidato ou mesmo se houve má-fé de sua parte."

Eis aí: não se trata de um juízo de natureza moral.

Para que vocês tenham números de referência:
"(...) a despeito da alegação dos investigados de que as despesas realizadas seriam lícitas e estariam albergadas pelos dispositivos do art. 36-A da Lei das Eleições, que elenca uma série de despesas possíveis em período de pré-campanha, isso não significa, como bem pontuou a Procuradoria Regional Eleitoral, uma 'carta branca' para o emprego irrestrito de recursos financeiros para a promoção pessoal e de eventual pré-candidatura" .

Ora, no caso concreto, tem-se que, para as eleições de 2022, o limite de gastos para candidatos ao cargo de Senador no Estado do Paraná era de R$ 4.447.201,54, conforme definido no anexo da Portaria TSE n. 647/2022. Os investigados, além de declararem gastos de campanha que ultrapassaram o referido limite estabelecido em regulamento, realizaram gastos de pré-campanha de, no mínimo, R$ 2.030.228,09. Não custa repetir que os investigados registraram, na sua prestação de contas, gastos no valor total de R$ 5.103.495,12 (...)"

CONCLUO
O voto traz a tabela com todos os gastos. É certo que se pode discordar de boa-fé do voto de Sade. O que me incomoda muito é ignorar o que se disse para tentar restringir quem disse à condição de "indicado" do presidente da República, como se fosse este a ditar as escolhas daquele. E Lula deve preferir que a assombração continue a vagar ali pelo Senado, em busca de uma causa, a ter o bolsonarismo a agitar o Paraná em ano de eleição municipal.

Sabem vocês o que penso sobre Bolsonaro e caterva. Talvez eu devesse torcer para Moro continuar como senador irrelevante. Mas não entro nessa. Acho que cassar o seu mandato é questão de justiça..

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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