Reinaldo Azevedo

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Moraes diz 'não' a Bolsonaro, cuja tática mira uma inconstitucional anistia

Jair Bolsonaro sabe que não há a menor possibilidade de ele recuperar a elegibilidade no TSE ou no STF, mas tem de insistir para aquecer a sua tropa. A mais recente diatribe, mas não a última, consistiu em apelar ao TSE para que despachasse um Recurso Extraordinário ao STF no caso da condenação à inelegibilidade por abuso de poder político e econômico nos eventos de 7 de Setembro de 2022. Alexandre de Moraes recusou a admissibilidade neste sábado. A defesa, agora, vai apelar diretamente ao Supremo. E não vai conseguir de novo. Então para quê? A tática é a seguinte: quanto mais "nãos" levar, mais pode acusar perseguição, para delírio compungido de seus fanáticos.

Lembrem-se: essa é a segunda condenação do ex-presidente no gênero. Elas não se somam. Para que não possa concorrer, basta uma. E a primeira é aquela relativa ao evento com os embaixadores. Nesse caso, todos os recursos já se esgotaram. Assim, ainda que viesse — e o risco de acontecer está bem abaixo de zero — a ser bem-sucedido no pleito relativo ao 7 de Setembro, restaria o outro impedimento.

Um registro: se condenado foi à inelegibilidade naquela patuscada com os diplomatas, tanto pior no caso dos eventos dos 200 anos da Independência, quando se mostrou ainda mais explícito na mobilização de recursos públicos para pedir votos para si mesmo, na demonização do adversário e na ameaça a opositores caso vencesse a eleição. E fez tudo isso com dinheiro público, mobilizando a formidável máquina do governo federal e abusando da sua condição de comandante supremo das Forças Armadas. Sigamos.

Os procedimentos, nessa fase, não fazem mais juízo de mérito. Os advogados teriam de apresentar alguma falha processual, o que inexiste. Escreveu Moraes: "A controvérsia foi decidida com base nas peculiaridades do caso concreto, de modo que alterar a conclusão do acórdão recorrido pressupõe revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência que se revela incompatível com o Recurso Extraordinário".

Então para que insistir? Para criar um climão em favor daquela que é a luta real: a defesa da anistia para o ex-presidente e para os condenados do 8 de janeiro. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, falando como procurador de Bolsonaro, quer atrelar o apoio a um nome à Presidência da Câmara que se comprometa com a tese.

"Anistiar é prerrogativa do Congresso?" É, sim. Então o Parlamento pode usar o expediente para dar um pé do traseiro do Judiciário, atuando como sua corte revisora? Não, O tribunal já respondeu a essa questão quando, por 8 a 2, declarou inconstitucional a graça concedida pelo próprio Bolsonaro a Daniel Silveira.

Rosa Weber, a relatora, entendeu, então, que houve desvio de finalidade no ato presidencial e que Bolsonaro, agindo aparentemente dentro das regras do jogo constitucional, utilizou de sua prerrogativa de forma desconectada do interesse público: "A verdade é que o fim almejado com o decreto de indulto foi beneficiar aliado político de primeira hora, legitimamente condenado pelo STF".

A ministra foi além: a concessão de perdão por vínculo de afinidade político-ideológico não é compatível com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa: "Tal proceder, na realidade, revela uma faceta autoritária e descumpridora da Constituição Federal, pois faz prevalecer os interesses pessoais dos envolvidos em contraposição ao interesse estatal".

Rosa observou ainda que o presidente não podia criar à sua vontade "um círculo de virtual imunidade penal" e que "não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito, ilegítimo e imoral, obter benefícios de índole meramente subjetivos e pessoais, sob pena de subversão dos postulados mais básicos do estado democrático de direito".

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Bingo! Quanto ao STF não ter competência para rever a decisão, a magistrada esclareceu o que a todos deveria ser óbvio: inexistem atos públicos insuscetíveis de controle de constitucionalidade pelo Supremo.

Os fundamentos evocados para declarar inconstitucional a graça — prerrogativa do presidente — valem para tornar sem efeito a anistia — prerrogativa do Congresso — nos termos em que é debatida nos ambientes bolsonaristas.

Segundo Gilmar Mendes, o perdão presidencial então concedido era "uma peça vulgar de puro proselitismo político, cujo efeito prático é o de validar expedientes subversivos praticados pelo agraciado em detrimento das instituições centrais da democracia".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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