Reinaldo Azevedo

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Opinião

Berreiro pós-fala de Lula soma reacionarismo e má-fé. E o tal Campos Neto?

Chega a ser nauseante, dado o que se viu nesta quarta, ler os famosos "bem que avisamos", como se os Catões de agora não fossem os mesmos que anteveem a derrocada do governo desde novembro de 2022. "Errou o ano?" Não. Acertei. Algumas das pitonisas da autossatisfação cantam o desastre desde a PEC da Transição. Não porque tivessem a receita óbvia. É que, dado o conjunto da obra, o mais provável era mesmo dar errado, a começar dos atores: um presidente progressista com o Congresso mais reacionário da história. "Acha que a vaca já foi para o brejo?" Não acho. Mas o esforço para isso é grande.

Nunca se viu nada, acho, como o que aconteceu ontem. O dólar disparou, segundo os expertos, em razão do que Lula deixou de dizer. E, vá lá, em parte por aquilo que disse.

Num evento para falar sobre a esperança no futuro do Brasil, o presidente afirmou isto, que foi considerado uma enormidade, conteúdo também de uma postagem no "X":
"Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal. O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público. A reforma tributária vai tornar nosso regime mais justo e eficiente, deixando de penalizar os mais pobres e dando mais competitividade à economia.
Mas sabemos que a economia não existe no vácuo. O mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade. Nada disso se sustenta sem estabilidade política e estabilidade social.
Felizmente, demonstramos nossa resiliência frente à maior provação que o Brasil enfrentou em sua história recente. Nossas instituições sobreviveram à tentativa de desmonte do Estado brasileiro e a democracia prevaleceu sobre os ataques de forças extremistas".

Com a campanha eleitoral de 2026 já em curso; com o adversário de Lula já definido por aclamação -- o presidente parece não dar muita bola; Bolsonaro se incomoda mais --; com o chefe do Banco Central conspirando abertamente contra o governo, oferecendo-se até para ser ministro da Fazenda do presuntivo futuro presidente, como os "analistas isentos" explicam a especulação estúpida? Ora, Lula...
1: falou em aumento de arrecadação um dia depois da devolução da MP do PIS/Cofins, não em corte de gastos; Logo, ele não se compromete com a redução das despesas;
2: expressou a esperança de que haverá redução dos juros, e os que mandam, sem que precisem de eleição para isso, já definiram que acabou o ciclo de redução da Selic. Tanto é que se passou a apostar no aumento da taxa;
3: tratou de "capacidade de investimento público"; quem ele pensa que é?:
4: falou de uma reforma tributária que não vai "penalizar os mais pobres", e é preciso cortar gastos com Saúde e Educação;
5: sustentou que a economia não existe no vácuo e que o mercado não é uma entidade abstrata;
6: veio de novo com o papo da vitória da democracia...

Não é mesmo inaceitável?

TRAPALHADA
A MP do PIS-Cofins aponta para uma trapalhada política? Bem, o desdobramento fala por si. É o tipo de coisa que não se faz sem combinar. Afinal, estava-se, como era visível, a mexer com quem não se vexa em deixar claro que tem a ambição de entronizar e de derrubar governos. Há que se ver como não repetir igual performance.

Mas esperem aí um tantinho. Ou bem o ministro Fernando Haddad mentiu — e precisamos pedir a sua cabeça — ou bem se está diante de uma falcatrua formidável no caso do PIS/Cofins. Como é que os gastos — porque é esse o nome — com créditos presumidos saltam de R$ 5 bilhões em 2019 para R$ 22 bilhões em 2022? As transações dos setores beneficiados se multiplicaram 4,4 vezes em anos de baixo crescimento? Não é possível que não ocorra a ninguém que havia potentados que simplesmente deram um jeito de deixar de pagar os impostos.

Na imprensa, não se contestou nem mesmo a desculpa esfarrapada encontrada por Rodrigo Pacheco para recusar parte da MP, ainda que tenha combinado com o governo, na bacia das almas: o texto feriria o princípio da noventena para novos impostos ou majoração de alíquota. Bem, ocorre que não havia na MP nem uma coisa nem outra.

SIMONE TEBET
Houve mais. Simonte Tebet, ministra do Planejamento, falou ontem em audiência na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Disse haver preocupação com a diminuição da margem de manobra para despesas discricionárias. Óbvio. Defendeu revisão de gastos. Ok. Mas aí a nebulosidade da interpretação começou a indefinir a obviedade de seu discurso, a saber: cortar ou não cortar gastos é uma decisão política. Mas o que não é?

Sim, ela assegurou que o governo mira o déficit zero, e se sabe que há uma banda de 0,25 ponto para mais ou para menos. Certamente sem querer, e que fique esperta, forneceu pretexto aos que já estavam dispostos a não ouvir:
"Não posso cravar. Eu não jogo em loteria porque não tenho chance nenhuma de acertar. Cravar meta zero é impossível, mas vamos estar dentro da meta. Estamos mirando meta zero. Estamos contando com alguns recursos, óbvio, que às vezes vêm, excepcionais, que não são permanentes".

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Fique a lição, ministra: "uzmercáduz" tomarão qualquer ponderação como sinal de fraqueza e de descompromisso com o déficit zero. Então crave. Se não acontecer, a senhora não errará mais do que eles. A profissão desses profetas de araque é construir o erro para lucrar com ele.

CONTRASTES
Sobra porrada em Lula na imprensa em razão da gravíssima afirmação que reproduzo acima... Procurem quantas são as admoestações, para usar uma palavra já bastante lhana, a Roberto Campos Neto por suas andanças por aí, falando pelos cotovelos, praticamente antecipando a taxa de juros -- a autonomia do Banco Central passou a ser o Copom de um homem só -- e a fazer antevisões catastrofistas, inclusive em convescotes políticos, sem esconder que é, sem dúvida, autônomo em relação a Lula, mas não aos adversários do presidente.

Chega, por exemplo, a dar conselho sobre a hora certa de Tarcísio de Freitas se candidatar à Presidência; oferece-se para a pasta da economia; especula sobre o seu próprio futuro profissional com "uzmercáduz"; articula a aprovação da tal PEC da autonomia financeira do BC — faz, em suma, política a céu aberto. Mas é "autônomo".

ABISMO
"Também, Reinaldo, você queria o quê? Veja o Brasil à beira do abismo..."

Mas o Brasil está à beira do abismo? É isso o que mostram os números da economia? É o que nos diz o crescimento? É o que nos exibe o emprego? É o que nos informa a renda do trabalho? É o que nos aponta a inflação? Nota à margem: perceberam como os donos do debate conseguiram dar cabo também na banda inflacionária? Ou se busca o centro da meta, os 3%, ou tomem-se juros nas alturas! Desde a instituição do regime de metas, em 1999, o país teve uma inflação na casa dos 3% só em 2006 (3,1%), 2017 (2,9%) e 2018 (3,7%). Três vezes em 24 anos. Olhemos o cenário internacional e as economias complexas, como já é brasileira. Uma mínimo de razoabilidade haveria de indagar se faz sentido perseguir o tal centro a ferro e Selic.

Antevi que uma nova onda muito ruim viria, e escrevi a respeito, quando alguns capitães do mato do debate econômico ficaram zangados com a Moody's por ter colocado a nota do Brasil em perspectiva positiva. Pouco mais de um mês depois, tem-se a impressão, lendo a análise de alguns valentes, que o governo não chegará ao fim do ano.

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EXTREMISMO DE CENTRO
Acusa-se Lula aqui e ali de ter falhado na tarefa de "pacificar o país". Hein? Pacificar quem com quem? Curiosamente, são os mesmos que preferem bater em Alexandre de Moraes a confrontar golpistas, tratados como vítimas...

Bolsonaristas são, afinal, bolsonaristas. Se lutam contra a vacina, podem fazer qualquer coisa. Cumprem o seu papel. Boa parte do rancor contra Lula, no entanto, vem do que chamo "extremismo de centro", que ainda não se conformou com a eleição do petista e sonha com um "Dom Sebastião" de seus delírios. É, sim, uma gente reacionária até a medula. E lastima em Bolsonaro não o seu reacionarismo, mas a sua, digamos, sinceridade... Formam a tal "direita limpinha", de que Fabio Wajngarten, advogado e assessor do ex-presidente, faz pouco caso.

Cheguei a achar — mas já mudei de ideia faz tempo — que esses valentes mantinham, ao menos, o compromisso com a democracia e o respeito às regras do jogo. Errado. Se o Capitão e seus sequazes tramaram um golpe de Estado por razões político-ideológicas, estes outros não hesitam em tentar levar um governo à lona porque não o consideram "fiscalmente responsável"...

E, é evidente, tentam construir o nome de Tarcísio, o "bolsonarista moderado de centro", como alternativa. A propósito: ao saudar Campos Neto na Assembleia Legislativa -- laureado por uma das vozes do golpismo --, o governador de São Paulo apelou a uma metáfora um pouco estranha, mas evidenciou a construção de um discurso eleitoral:
"[Alguém] perguntou: 'Poxa, você vai na homenagem ao Roberto Campos?' Eu disse: 'Vou. É meu ET preferido'. É um extraterrestre porque... E tem alguns extraterrestres que a gente tem o privilégio de conhecer, algumas pessoas absolutamente fora da curva, e o Roberto Campos é um desses caras absolutamente fora da curva, preocupado, por exemplo, com a questão das vacinas. Pouca gente lembra que, na época, ou pouca gente sabe, na verdade, ou acompanhou, teve a oportunidade de acompanhar, e eu vi isso de perto: o Brasil fechou o acordo com a Pfizer porque o Roberto Campos intermediou... Como você quis ajudar o governo passado; como você tenta ajudar este governo. Não tem partido, não tem direita para você, não tem esquerda, tem Brasil. Que orgulho poder dizer não só que eu trabalhei com você, mas estou aqui para dizer: 'Que orgulho de ser seu amigo!'"

A história sobre a Pfizer precisa ser mais em contada, mas isso é irrelevante agora. Observem ali: "Não somos contra vacina; não tem partido; não tem direita, não tem esquerda, tem Brasi." Entendi.

ENCERRANDO
Embora seja óbvio que Campos Neto tem estado reiteradamente fora do lugar, é do jogo que se busque construir o que, por enquanto, é uma quimera (e, pois, impossível): o "bolsonarismo moderado de centro". O aspecto deletério não está aí.

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Está-se diante de uma evidente degradação política, ética e intelectual, com esforço claro de desestabilização do governo, quando se usa uma fala corriqueira do presidente da República para a insanidade especulativa. Mas o que ele disse mesmo de grave? Relembro:
- que espera queda de juros;
- que espera aumento de arrecadação;
- que quer a redução do déficit sem comprometer os investimentos;
- que a reforma tributária deixará de penalizar os mais pobres;
- que a democracia venceu o extremismo.

Como suportar um presidente assim? Como é mesmo? Esse discurso é "velho e atrasado". O herói nada secreto dessa gente é Javier Milei, com seu gás de pimenta.

O que Lula deveria ter falado?
- Que espera e até torce por uma elevação da Selic?
- Que já não há mais espaço para aumentar a arrecadação?
- Que chegou a hora de cortar recursos da Saúde e da Educação?
- Que não haverá investimento a impedi-lo de pôr fim ao déficit?
- Que a democracia venceu, mas que isso é coisa do passado?

Que presidente faria isso? Chega a ser espantoso. Ainda bem que o país tem um Roberto Campos Neto a dar conselhos para Tarcísio como forma de honrar a autonomia do Banco Central!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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