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Reinaldo: Sóstenes, pai do PL do Estuprador, quer punir vítima 2 vezes

O colunista Reinaldo Azevedo classificou de "perverso", no Olha Aqui! desta quinta (13), o projeto de lei (PL) em discussão na Câmara dos Deputados que prevê mais tempo de prisão para vítimas de estupro que para o próprio estuprador. O texto, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), altera o Código Penal e estabelece 6 a 20 anos de detenção para mulheres que fizerem aborto passadas 22 semanas de gestação. A pena é o dobro daquela estabelecida para o criminoso — 6 a 10 anos. Para Reinaldo, a "Lei do estuprador" torna o bandido um aliado do Estado.

A coisa é tão perversa, tão absurda. Em primeiro lugar, o Sóstenes confessou que, na verdade, está fazendo isso pra testar o Lula (PT) — foi a expressão que ele usou. O que é testar o Lula? Você faz uma proposta sabidamente absurda pra ver se o presidente vai vetar. E se vetar, vai dizer que o presidente, então, é favorável ao aborto. Esse projeto é específico para estupro. Esse projeto é tão grave que torna o estuprador um agente de imposições e obrigações legais. Além da barbaridade de que a mulher estuprada se fizer o aborto depois da 22ª semana — e se o feto for considerado presumidamente viável —, essa mulher pode ser condenada a uma pena de 6 a 20 anos, e o homem que a estuprou, se pego, de 6 a 10.

[O estupro ocorre] Muitas vezes dentro de casa e, por família e por circunstâncias várias, — e são muitas as meninas nessa condição Brasil afora —, não se denuncia. Então, você já tem hoje impunidade de estupradores. O que se vai fazer aí é dizer que, se o estuprador for pego, ele pode ficar menos tempo na cadeia do que a mulher que foi estuprada. E transforma, insisto, o estuprador num agente de imposições do Estado. Esse PL merece ser chamado de 'PL do estuprador'. Não é uma PL sobre estupro. É uma PL do estuprador. O estuprador vira um aliado do texto. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo destaca que o projeto de lei minimiza a gravidade do estupro.

Eu tenho de fazer essa pergunta: as mulheres que vivem no entorno do Sóstenes se sentem confortáveis? Quando vocês olham pra esse pai, esse irmão, esse filho, esse marido, esse amigo, e este senhor lidera uma campanha para impor a uma mulher que tenha um filho de um estuprador, o que é que vocês sentem? Porque é um projeto que, inclusive, vulnera vocês também. Também as mulheres do entorno do Sóstenes, não só o conjunto das mulheres do Brasil, mas também elas, vocês se sentem confortáveis? É um projeto que minimiza a gravidade do estupro, porque ele é específico para a questão do estupro, que acha que o estupro, no fim das contas, não é assim tão grave.

Fazer um projeto específico para o estupro, relativizando a gravidade do estrupo, impondo à mulher uma pena adicional. Porque significa que ela vai ser punida de novo. Já foi uma vez com o estupro, impõe-se a ela uma segunda punição. Faça o aborto ou não. Se fizer e a informação circular e houver denúncia, pode ser presa. E se não fizer, tem que arcar com a gravidez. Ainda que depois não queira ficar com a criança, imagina o custo emocional que isso tem? Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo lembra que, muitas vezes, a violência sexual ocorre dentro de casa e é cometida por pessoas próximas das vítimas.

Isso tem, obviamente, um traço de discriminação que também é de classe, porque quem tem dinheiro acaba encontrando um meio de fazer um aborto seguro ao arrepio então da lei, se aprovada. Mas, essa é a verdade das meninas pobres Brasil afora, as principais vítimas dessa tragédia? O texto é de uma perversidade. Sóstenes, você tem certeza de que você é cristão? Você tem certeza de que é a generosidade que está ditando o seu texto, que está movendo a sua mão, que está estimulando a sua vontade?

Tem o parágrafo 2º do Artigo 124 do Código Penal, que passaria a vigorar, que ganha um acréscimo dizendo o seguinte: um juiz pode até não aplicar pena se as consequências para o agente (pra mulher que fez o aborto) forem tão graves que a pena nem seja necessária. O que é isso? Ele está dizendo o quê? Se ela morrer, fica sem pena. Ficar impossibilitada para o resto da vida, ter uma sequela que a impeça de ter uma vida normal? É isso? É espírito de punição mesmo. Não é pra preservar feto, não é pra preservar crianças. É para punir pessoas e para relativizar e diminuir a importância e a gravidade do estupro. Isso é uma aberração. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

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Projeto das clínicas clandestinas de aborto

Reinaldo Azevedo destacou que, se a proposição passar pelo crivo do Congresso, os hospitais públicos não poderão intervir na interrupção da gravidez. Soma-se a isso, o fato de muitas meninas descobrirem a gestação em estágio avançado, bem depois das 22 semanas, o que vai favorecer a atuação de clínicas clandestinas de aborto.

É o projeto do estuprador e o projeto das clínicas clandestinas de aborto. (...) Não tem nada de defesa da vida, de generosidade, nada, nada, nada. Eu tenho a prova, pra mim é esse parágrafo 2º do artigo 124 que o seu Sóstenes quer colocar lá. Que consequência grave é essa pra uma pena de 20 anos se tornar desnecessária? Ela já sofreu uma pena sem ter cometido crime. Ela já sofreu uma pena tendo o crime de ser mulher, de ser vulnerável, de estar sujeita ao monstro que está ali? Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo ressaltou que, se aprovada, a questão vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF) por ser inconstitucional. Segundo o inciso 4º do artigo 3º da Constituição, não se admite nenhuma legislação que discrimine pessoas em razão de qualquer condição.

Você só pode impor por força de lei a uma pessoa ter um filho que não quer, ter um filho fruto da violência, à mulher. Você não pode impor isso ao homem. Você pode impor ao homem ter um filho que foi fruto da violência? Em que circunstância isso aconteceria? (...) Você só pode impor a pessoas de uma parte da sociedade que tenha um filho fruto da violência sem ter como reagir, sem ter como impedir, em razão do ato de um criminoso. E, aí, vem o estado coator pra dizer 'Vai ficar'. 'Quem mandou não perceber antes'? Em última instância, é isso. Mas, nós sabemos que esse não perceber antes quase sempre é fruto da ignorância, da pobreza, da falta de condições, da falta de assistência médica regular. 'Porque nós somos defensores da vida'. Não. Quanta coisa há a fazer e, inclusive, essa gente pode fazer por crianças nascidas já que estão aí desgraçadamente à solta? Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Para ele, o objetivo de sugerir uma pauta absurda é forçar Lula a vetá-la pra que as bancadas evangélica e conservadora do Congresso possam colar no presidente a etiqueta de "defensor do aborto", numa clara disputa política e eleitoral.

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Toda religião tem a dimensão mística da fé. E, justamente por isso, você tem de lutar e brigar pela liberdade religiosa, sim. Agora, essa gente entende a liberdade religiosa, que não é liberdade, como imposição. Essa gente quer um estado teocrático. Eu desconfio muito que isso não seja de fato religião. É projeto de poder de que a religião é um instrumento. Se existe a crença em Deus e se esse Deus é um Deus cristão, se esse Deus é um Deus prodigalizado por Jesus Cristo, você não impõe isso a uma mulher. Porque o valor fundamental do cristianismo, o primeiro valor do cristianismo, o mais importante, sem o qual não há nada, não há mensagem possível de Cristo, é o perdão. Esse Deus aí é um deus de propaganda atrelado a posturas ideológicas, usado como projeto de poder. (...) Defender esse PL é se juntar ao estuprador, ser amigo do estuprador, aliado do estuprador, fazer do estuprado um agente de imposições gerenciadas pelo estado. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

O Olha Aqui! vai ao ar às segundas, quartas e quintas, às 13h.

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Veja abaixo o programa na íntegra:

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