Reinaldo Azevedo

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Opinião

Cármen exalta Moraes e evoca uma inconfidente; vexame do presidente da OAB

A ministra Cármen Lúcia é um voto em sete no TSE. No que depender da presidente do tribunal, o combate às "fake news", à indústria do medo e ao algoritmo do ódio seguirá os marcos estabelecidos na gestão de Alexandre de Moraes, seu antecessor. Cármen foi clara, firme e inequívoca. Sem meia-palavras, evidenciou que se trata também de combater os que pretendem sequestrar a democracia:
"O que distingue esse momento da história de todos os outros é o ódio e a violência, agora utilizados como instrumentos por antidemocratas para garrotear as liberdades, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus a adoecer, pela desconfiança, as relações de cidadãs e cidadãos. Assim, o dono do vírus produz o próprio ganho político, econômico, financeiro e social e, agora, quer também o eleitoral. O algoritmo do ódio invisível e presente senta-se à mesa de todos. É preciso ter em mente que ódio e violência não são gratuitos. Instigados por mentiras e vilanias, reproduzem-se, e esses ódios parecem intransponíveis. Não são! Contra o vírus da mentira, há o remédio eficaz da liberdade de informação séria e responsável."

A magistrada evocou as suas Minas Gerais mais de uma vez. Citou um poema espetacular do conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, "Congresso Internacional do Medo", para evidenciar que medo não terá. E como a dizer que pode ser tinhosa, no sentido da obstinação, a única mulher hoje no STF citou a única mulher que ganhou destaque na Inconfidência Mineira — e é possível que houvesse outras. Ela se disse "legatária de Hipólita Jacinta", que chegou a ordenar levante armado depois da prisão de Tiradentes. A ministra cita trecho de uma carta da inconfidente para demonstrar destemor: "Quem não pode com as coisas não se meta nelas. Mais vale morrer com honra do que viver com desonra".

Publiquei no post anterior a íntegra de seu discurso. Se houver alguma acomodação com a canalha que recorre às redes para fraudar a democracia, não partirá, certamente, da "legatária de Jacinta".

ELOGIO A MORAES
A nova presidente do TSE fez um elogio em cena aberta a Alexandre. E foi interrompida duas vezes por aplausos efusivos. Embora olhasse, sim, para o papel em busca de uma palavra ou de outra, era visível que a ênfase com que exaltou o antecessor teve um tanto de improviso. Beto Simonetti, presidente da OAB, que a antecedeu, talvez explique a energia com que ela exaltou o antecessor.

Afirmou a ministra sobre aquele que deixava a Presidência do TSE:
"Eu queria, inicialmente, cumprimentar com carinho muito especial o ministro Alexandre, até agora presidindo a Justiça Eleitoral Brasileira, que deu continuidade aos trabalhos de todos os que nos antecederam nesses 92 anos de existência da Justiça Eleitoral, este ramo do Poder Judiciário que tanto tem desempenhado papel determinante em favor da democracia Brasileira, especialmente em 2022.
A atuação deste grande ministro Alexandre de Moraes foi determinante para a realização de eleições seguras, sérias e transparentes no momento de grande perturbação provocada pela ação de antidemocratas, que buscaram quebrantar os pilares das conquistas republicanas dos últimos 40 anos.
Não ter tido êxito aquela empreitada criminosa foi tarefa de muitos, especialmente do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Superior Eleitoral, com destaque que ficará para sempre creditado à ação firme e rigorosa do ministro Alexandre de Moraes. Por isso, ministro, com muito mais que ainda a fazer, porque a democracia é um afazer permanente, pelas instituições democráticas brasileiras, muito obrigada como cidadã e como juíza!"

Elogio mais do que merecido. E Simonetti com isso?

Tinha discursado imediatamente antes. Voltou à reivindicação do direito irrestrito à sustentação oral dos advogados, evocando uma questão, vamos dizer, classista num evento no tribunal eleitoral, e o alvo era Moraes; fez referências não mais do que pálidas às articulações golpistas, de que o 8 de janeiro de 2023, há 17 meses apenas, foi um dos desdobramentos; saudou cheio de preguiça o trabalho do ministro e cantou as glórias, aí para valer, de Nunes Marques, que é da sua turma. É aquele ministro que enxerga nos ataques às respectivas sedes dos Três Poderes não mais do que danos ao patrimônio...

Destemido, Simonetti resolveu dar uma aulinha imprudente a Carmen e a Cássio, seu "brother":
"Ministra Cármen e ministro Cássio, para alcançar o êxito na proposta hoje iniciada há uma fórmula, proposta por Juscelino Kubitschek há quase 70 anos. Na Noite de 27 de janeiro de 1956, quando recebia o diploma de presidente da República do Tribunal Superior Eleitoral, disse Juscelino: 'O segredo do equilíbrio e do prestígio deste tribunal, a que a civilização brasileira deve mais um grande serviço, reside em duas virtudes fundamentais: a prudência e a altivez que caracterizam os magistrados brasileiros". São vossas excelências prudentes, cautelosos e invariavelmente atentos na defesa da Justiça e do direito. Tenho a certeza de que vossas excelências, ministros, têm a prudência e a altivez imprescindíveis à função. Gostaria também, nesta ocasião, de saudar o ministro Alexandre de Moraes, que encerra uma desafiadora presidência no Tribunal Superior Eleitoral, tendo presidido o tribunal com dedicação e zelo em um dos principais períodos mais críticos da política nacional".

Como é? A gestão de Moraes foi "desafiadora"? A cada dia fica mais claro por que Jair Bolsonaro, naquela reunião em que planejava melar as eleições de 2022, disse contar com a colaboração do presidente da OAB. Nas palavras do golpista:
A OAB mudou, pô! Tem uma pessoa lá que a gente vê com bastante alegria. O cara que fugiu daquela história de a OAB de antigamente ser um partido político. A OAB tem a sua participação hoje em dia que vai ser importantíssima pra nós."

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Simonetti disse depois que confiava na Justiça Eleitoral. Lembro que a OAB não assinou um manifesto de várias entidades em defesa da democracia. Fez o seu próprio. Era medíocre. Às vezes, a gente não sabe por que é criticado. Mas quase sempre se sabe por que é elogiado.

Quero dizer que, bem..., também estou com o Juscelino na defesa da "prudência". Ocorre que ele só recebeu o diploma naquele dia e depois tomou posse porque Marechal Lott fez com que os golpistas enfiassem o rabo entre as pernas, doutor! Como dizia um outro das Gerais, "o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

Sem a coragem de Lott para enquadrar a canalha — o mesmo destemor que Moraes exibiu em sua função —, a tal prudência é só frufru retórico a ilustrar a mediocridade ou a condescender com golpistas.

Mas Cármen recolocou as coisas nos eixos com Hipólita Jacinta: "Mais vale morrer com honra do que viver com desonra".

Foi Jacinta, note-se, que apontou que Joaquim Silvério dos Reis era um traidor. Lembrei-me do fim de uma estrofe de "Romanceiro da Inconfidência", em que Cecilia Meireles a ele se refere:
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
Há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)

Parece que Cármen fará as escolhas certas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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