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Reinaldo: PMs darem aula é projeto de doutrinação, não de educação

O colunista Reinaldo Azevedo afirmou no Olha Aqui! desta segunda (24) que policiais militares dando aula é uma clara invasão de competência e transgressão de limites, transformando escolas cívico-militares em centros de doutrinação. Segundo resolução publicada na semana passada pelo governo do estado de São Paulo, policiais da reserva vão lecionar ética e política nesses estabelecimentos de ensino.

Um ou outro até pode ter competência pra isso, mas qual é a competência específica de um policial militar pra dar aula sobre esses temas? Por que ele tem de ser policial militar? Aí não adianta vir com a conversa de que 'mesmo ele sendo policial, pode ser isento' ou então, 'não é porque ele é policial que não será isento'. Acontece que a proposta já descarta a isenção de saída, é uma questão meramente lógica. Se eu estou dizendo que essas aulas serão ministradas por alguém que tem essa formação, logo, estou dizendo que essa formação é pressuposto para que a pessoa ensine esses temas. Logo, a isenção é descartada e me parece ferir o fundamento da educação.

É muito ruim isso e aí existe uma construção, hoje — que está em toda parte, já saltou o muro das redes sociais, está na imprensa (...) — de se criar o Tarcísio [de Freitas] como candidato que vai trazer o bolsonarismo para o campo institucional. Ele vai pegar o centro, teremos um governo de centro-direita comprometido com a democracia. Isso aí é um projeto que nada tem de centro, que nada tem de democrático. Isso é um projeto de doutrinação, não é projeto de educação. E de doutrinação com viés militar. E se é de doutrinação com viés militar, não tem jeito. Necessariamente, isso embute a ideia de confronto, de enfrentamento. 'Ah, mas é de enfrentar os bandidos'. Sem dúvida alguma, que seja na função específica que é militar de enfrentar bandido e não na educação das crianças e dos jovens, a que não pode estar ligado esse fundamento. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo acredita se tratar de um truque do governo Tarcísio para fazer da criação de escolas cívico-militares um tipo de "apelo popular".

Quando se trata de escola, eles querem que policiais militares vão lá pra dar aula de valores. Valores de quem, cultivados onde? Eles dizem que são valores universais. Universais de quem? É uma aberração. Com que formação essas pessoas vão fazer isso? Aula de ética, todos os militares fizeram filosofia pra se tornarem professor de ética? Uma das críticas que se faz às escolas [públicas] é não haver disciplina, ninguém respeita ninguém. Isso é para tentar transformar [essas críticas] numa espécie de movimento popular, de pais mobilizados: 'Ah, eu quero'. Aí, geralmente, os pais que querem aparecem e os que não querem ou não têm tempo de se mobilizar pra isso, não. É muito perigoso, inclusive. Isso que o governo Tarcísio está fazendo é uma espécie de 'joga para a comunidade o desejo de militarização da educação'. E educação pode ser tudo, menos essa convicção de militarização. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

Reinaldo lembrou que o conceito de escola militar é outro.

A pessoa tem a vocação para aquilo. Vai querer fazer aquilo, pretende seguir aquela carreira, é uma outra coisa. Essas escolas não serão escolas militares, não vão oferecer formação militar e, no entanto, vai se ter a ideia de que é preciso ter uma ordem repressiva, porque só se pode aprender dentro de uma perspectiva de repressão. É muito complicado isso, porque nada tem a ver com formação, nada tem a ver com inteligência, nada tem a ver com a educação. Toda educação supõe um pouco de transgressão, se não ninguém aprende nada. É preciso que haja o espaço do questionamento, claro, com regras.

Eu acho que as escolas precisam repensar questões disciplinares, sem dúvida. Agora, evidentemente, não é entregando isso a policiais. Policiais têm que combater a violência, eles não têm que entrar na sala de aula. E pra dar aula de ética, com que formação especifica? E, mesmo que seja opcional, é claro que se cria um constrangimento. 'Ah, você não quer? E não quer por que?', criando duas categorias de alunos. Inaceitável. Isso sim, isso é grave. Eu preciso ver a argumentação para ver a questão da constitucionalidade. Me parece que até fazer uma parceria, ok. A hora que você transforma os militares em professores — e doutrinadores, porque isso está na proposta — aí não. Aí fere os direitos fundamentais. Reinaldo Azevedo, colunista do UOL

O Olha Aqui! vai ao ar às segundas, quartas e quintas, às 13h.

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Veja abaixo o programa na íntegra:

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