Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Decisão de Moraes sobre Starlink é legal. X, de Xandão, vence afascistados

"Oh, meu Deus! Alexandre de Moraes bloqueou as contas da Starlink em razão das multas não pagas pela X! Como ele é autoritário!" Talvez a burrice seja doce, ou não haveria tantos idiotas. Não sei... Mas me parece certo que a preguiça é confortável, daí a tempestade de preguiçosos também na imprensa brasileira. Um dos males recorrentes na área é a excreção de opiniões sobre decisões de juízes sem a leitura prévia da determinação judicial. De fato, as contas da Starlink foram bloqueadas. Moraes está cumprindo rigorosamente a lei.

Houvesse um mínimo de cuidado; houvesse um mínimo de prudência; houvesse um mínimo de pudor, e as opiniões decorreriam de matéria efetivamente lida, não da leitura da opinião de terceiros que concordam com os solertes e salientes opinadores. Em vez de análise, o que se forma é uma bolha de linchadores. A íntegra da primeira decisão de Moraes está aqui.

Um amigo me manda uma mensagem, de que transcrevo um trecho:
"Fascistas e afascistados aparecem rápido quando um deles, de expressão, leva uma trombada da democracia. Foi o caso do tal X, do verme fascista Elon Musk, bloqueado por descumprimento de ordem judicial (...)".

Pois é... Um esbirro remunerado de redes sociais grita num canto: "Tanto Musk como Moraes estão errados e fazem mal à democracia". É um pensamento antigo. Dessa mesma extração vinha a infâmia de que tanto o austríaco fascinoroso como os judeus do establishment ou do sistema financeiro na República de Weimar tinham as suas culpas...

Obviamente, ele não se ocupa de dizer em que lei se escora para fazer tal afirmação. Porque, no fim das contas, dane-se a lei — está apenas cumprindo uma tarefa. Um outro vê "insegurança jurídica" nas decisões do ministro, ignorando que a razão de ser da dita-cuja é nada menos do que o descumprimento de ordens judiciais, donde se conclui, então, que, para o estúpido, a "segurança" estaria em permitir que Musk ignorasse a Justiça.

E, claro!, também omisso, ora sabotador — no que respeita à regulação das redes — Arthur Lira, presidente da Câmara (PP-AL), resolveu dar pitaco, questionando o bloqueio das contas da Starlink porque se trata, diz ele, de outra empresa, ainda que com o mesmo sócio controlador. Algum néscio soprou aos ouvidos de Lira — ou talvez ele a tanto tenha ousado de moto próprio — um paralelo imbecil: seria como punir a Ambev pelos crimes que se cometeram nas Americanas.

Pois é... Lira está acostumado a fazer gato e sapato da Constituição no que respeita ao Orçamento e emendas e deve achar que se pode fazer a mesma lambança, por exemplo, com o Código Civil. Ou ele opinou sem ler a decisão. Ou ele leu a decisão, não entendeu, e opinou. Ou, na pior das três hipóteses — e as três são ruins —, leu, entendeu e opinou contra a lei.

OS AFASCISTADOS E A SUSPENSÃO DA X
Há pouca disposição, exceção feita à turma do esgoto bolsonarista, para questionar a suspensão da X, ainda que se reconheçam -- e isto também fazem as pessoas de bom senso -- contratempos, contrariedades etc. Não há nenhuma razão, entendo, para gostar da coisa em si. Mas, convenham, não há imaginação jurídica capaz de contestar Moraes à luz do Código Penal, do Código Civil e do Marco Civil da Internet.

Musk decidiu descumprir sucessivas decisões judiciais para a retirada de conteúdos do ar; deixou de pagar multas; "encerrou as operações no Brasil" — leia-se: declarou inexistir representação legal no país — e passou a usar a sua rede, transformada numa máquina de impropérios e delinquências, para atacar o STF, especialmente Moraes.

Continua após a publicidade

Nos Estados Unidos, por exemplo, estaria em cana antes que piscasse três vezes. E a questão nem chegaria à Suprema Corte. Seria encarcerado por um juiz federal ou estadual. Se, com efeito, por lá, a "liberdade de expressão" comporta delinquências consideradas inaceitáveis no Brasil, no Reino Unido ou na União Europeia, uma coisa é certa: o descumprimento flagrante de uma decisão judicial rende cadeia imediata.

No Brasil, o biltre houve por bem lançar uma espécie de experimento social e político: malsucedido que foi em eleger seu candidato, entendeu que sua melhor contribuição à fascistada local está em desestabilizar o Judiciário, em parceria explícita, que não precisa ser demonstrada, com a extrema-direita bolsonarista. A "X" de Musk foi um dos instrumentos de incitamento à depredação das respectivas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, bem como veículo principal da pregação golpista.

Para os fascistas, obviamente, isso faz do multibilionário um herói. Os afascistados, no entanto, têm certo pudor em defender abertamente a desobediência de Musk, ainda que encham seus textos de orações adversativas e concessivas para atacar também Moraes. No fundo de sua má consciência, o ministro seria o verdadeiro culpado pelos crimes cometidos pelo multibilionário militante de extrema-direita.

OS AFASCISTADOS E O BLOQUEIO DAS CONTAS DA STARLINK
Não havendo muito espaço, fora da militância enlouquecida da extrema-direita, para contestar a decisão da suspensão, então a grita contra a decisão de Moraes se voltou para o bloqueio das contas da Starlink e do download de aplicativos VPN -- nesse caso, houve um acertado recuo quase imediato, e há pouco a dizer a respeito, não? Feito o que se considera o certo, cessa o papo-furado.

Mas e as contas da Starlink?

Escreve o ministro à página 35 de sua primeira decisão (a segunda diz respeito à revisão da questão relativa ao download de aplicativos VPN):
"
A manutenção da desobediência as ordens judiciais, o encerramento das atividades da X BRASIL, bem como o insuficiente valor financeiro bloqueado da TWITTER INTERNATIONAL UNLIMITED COMPANY e da X BRASIL INTERNET LTDA, para satisfação das multas diárias aplicadas, tornaram necessário a fixação de solidariedade do "grupo econômico de fato", liderado por ELON MUSK, e que atua em território brasileiro, para fins de efetivo e integral cumprimento das ordens judiciais da JUSTIÇA BRASILEIRA, pois não restá qualquer dúvida de que o desrespeito as ordens judiciais dessa SUPREMA CORTE foram determinadas diretamente pelo seu acionista estrangeiro majoritário e controlador de todas essas empresas: ELON MUSK.
O grupo econômico de fato liderado por ELON MUSK, com atuação em território nacional, engloba entre outras empresas a X BRASIL INTERNET LTDA, a STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET e a STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA, diretamente ligadas à SPACE EXPLORATION HOLDINGS, LLC, cujo controle acionário é de ELON MUSK, que detém 50,5% de suas ações, sendo que 78,7% das ações com direito a voto lhe pertencem, conforme demonstrado no comunicado da Federals Comunications Comission, obtido no endereço eletrônico
https://fcc.report/IBFS/SAT-MOD-20181108- 00083/1569858.pdf".

Continua após a publicidade

Trata-se de um trecho da longa exposição que faz o ministro, evidenciando os vínculos entre a Starlink e a X. Mas, vá lá, ainda assim, restaria a (falsa) questão exposta por Lira e a tolice veiculada por abobados sobre a "insegurança jurídica". É mesmo?

Então será preciso atentar para outro trecho da decisão:
"A responsabilidade solidária das empresas componentes de um mesmo grupo econômico de fato é reconhecida no Direito brasileiro na própria legislação, no que concerne aos passivos trabalhistas (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 2º, parágrafo 2º), bem como pela jurisprudência pacificada do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no contexto do Direito Civil (AgInt no Aresp 2.344.478/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 21/11/2023) e do Direito Tributário (REsp n. 1.808.645/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 28/6/2023). Observe-se, também, que, nos termos do art. 50 do Código Civil, é possível o redirecionamento da execução a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada. Trata-se da conhecida figura da desconsideração da pessoa jurídica, definida pela SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA como instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica para responsabilizar seus integrantes pelas consequências de relações jurídicas que a envolvam (...)"

Como se nota acima, o ministro apela ao Artigo 50 do Código Civil, que transcrevo abaixo. Em síntese: não se pode abusar da personalidade jurídica com o fito de descumprir decisões judiciais. É a lei que os idiotas não leram e que os de má-fé fingem não existir. Transcrevo:
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Continua após a publicidade

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)"

RETOMO
Fim de papo. "Causa finita est". Não, senhor Arthur Lira! Inexiste paralelo com a questão Americanas/Ambev. Fraudes e falcatruas se cometeram, é certo, nas Americanas, mas não há caso de flagrante descumprimento de decisões judiciais. Vossa Excelência entende a diferença entre fraudar a lei e deixar de cumprir uma determinação judicial? Esta costuma se seguir àquela, e ignorá-la é um crime novo.

O caso X/Starlink é outro: o "abuso da personalidade jurídica", com o fito de descumpria a lei, acaba levando à "desconsideração da personalidade jurídica" para que, então, seja cumprida.

Aquilo que afascistados abelhudos chamam de "insegurança jurídica" é um instrumento legal para cumprir a lei. Ou, então, tentem demonstrar que a lei diz coisa diversa disso que escrevo aqui.

MANDADO DE SEGURANÇA
A Stalink entrou com Mandado de Segurança no STF contra o bloqueio das contas, recurso rejeitado pelo ministro Cristiano Zanin. Evidenciou a impertinência do instrumento contra decisões de ministros da Corte, explicando que não pode ser impetrado como se tivesse caráter recursal.

Continua após a publicidade

Ainda assim, o ministro escreveu (íntegra aqui):
"No que concerne ao reconhecimento do grupo econômico de fato, também é inviável, nesta via do mandado de segurança, infirmar o ato impugnado, que apresenta motivação específica, com base em fatos e fundamentos jurídicos indicados pelo Ministro Alexandre de Moraes. Não cabe neste remédio constitucional rever tais fundamentos, que não revelam qualquer teratologia e que, ao contrário, inserem-se na necessidade de assegurar a dignidade da Justiça e o cumprimento de decisões judiciais."

Ou por outra: ao contrário de haver qualquer deformidade no despacho de Moraes, o que se tem, na verdade, é uma decisão, amparada na lei, que assegura "a dignidade da Justiça e o cumprimento de decisões judiciais".

ENCERRO
"Então você não admite que possa haver recurso?"

Eu??? Recorrer contra decisões da Justiça é um direito sagrado nas democracias. E recurso certamente haverá. O que não aceito é que se chame de ilegal o legal; que se queira ganhar um debate no grito e que se crie uma falsa simetria entre os crimes cometidos por um multibilionário fascistoide e truculento com as necessárias sanções de um tribunal, que resguardam a dignidade da Justiça, sem a qual inexiste estado de direito.

Querem advogar a extraterritorialidade das redes sociais e defender a tese de que, diante delas, não se cuida mais de falar em estado nacional e de suas leis? É um ponto de vista. Mas que sejam, então, os que assim pensam, explícitos a respeito.

Também se pode defender a extinção do Artigo 50 do Código Civil. Alguém a tanto se dispõe?

Continua após a publicidade

Há uma alternativa ao berreiro, que não tenta se fantasiar de restrição jurídica: "Sei que Moraes agiu dentro da lei, mas não gosto nem dele nem do resultado".

Ah, bom.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes