Reinaldo Azevedo

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Opinião

Bolsonarismo leva certo colunismo reaça a ver como crime o combate ao crime

Os ataques de que está sendo alvo o ministro Alexandre de Moraes e as estupefacientes e estupidificantes considerações — que correm a céu aberto na imprensa, como línguas de esgoto não tratado — segundo as quais tanto ele como o delinquente Elon Musk, cada a um a seu modo, fazem mal à democracia merecem algumas reflexões de mais fôlego.

Jair Bolsonaro e sua turma — e a única coisa espontaneísta por ali é mesmo a gramática — acumularam vitórias e derrotas desde que ele se candidatou a ser a expressão nativa da Internacional da Extrema-Direita que assombra as democracias mundo afora — afora, é claro!, o mundo não democrático. Nesse caso, essas personagens sinistras se colam a autocratas e experimentam gostosamente os benefícios de ditaduras e regimes autoritários. Há uma conquista do sedizente "Mito" de que pouco se fala. Tratarei dela aqui. Antes, algumas considerações.

AS DERROTAS
A derrota mais importante de Bolsonaro, até agora, é o malogro da reeleição em 2022. A segunda mais grave é a inelegibilidade. Serão ambas suplantadas pela condenação à prisão por suas articulações golpistas, entre outros crimes. Conta-se ainda um outro insucesso relevante: foi malsucedido na tentativa de reinstaurar um regime militar no Brasil.

Travou, durante a pandemia, vários embates com o Supremo Tribunal Federal, tentando impor uma leitura muito particular da Constituição. Perdeu todos. Convocou os seus fanáticos para ir às ruas contra os tribunais superiores com o intuito de melar as eleições e provocar o impeachment de ministros. Não conseguiu.

AS VITÓRIAS
A vitória mais vistosa de Bolsonaro, obviamente, é a eleição em 2018. Há um outro feito sinistro e relevante: aniquilou a direita democrática como alternativa de poder. Se alguém pretende se opor, hoje, no Brasil, ao campo progressista, tem de pagar, de algum modo, pedágio à extrema-direita. Como os nossos "liberais", com raras exceções, eram farsantes que cultivavam reacionarismos íntimos, não hesitaram em se abraçar ao desastre quando tiveram de optar entre a defesa da democracia e o flerte com o caos. Passaram a ser, então, reacionários explícitos. Sem nenhuma vergonha da sem-vergonhice.

Mostraram-se — lembrando Steven Levitsky e Daniel Ziblatt ao citar o cientista político espanhol Juan Linz no prefácio da edição brasileira de "Como Salvar a Democracia" — pessoas "semileais" à democracia. Os "semileais" se juntaram a Hitler na Alemanha, a Mussolini na Itália, a Franco na Espanha, a Trump nos EUA e a Bolsonaro no Brasil.

Nota à margem: tal livro não nos serve como inspiração para "salvar a democracia brasileira". Trata especificamente dos EUA. No aludido prefácio, os autores explicam por que os brasileiros deram uma resposta mais eficaz ao golpismo do que os americanos: 1) parte da direita, por aqui, aceitou o resultado das urnas; 2) o Judiciário neutralizou ameaças.

O livro anterior de Levitsky e Ziblatt, "Como as Democracias Morrem", tem, este sim, alcance universal — e, pois, diz respeito também ao Brasil. O mais recente, insisto, trata das fragilidades do regime democrático americano. No que nos concerne, tem-se no citado prefácio um elogio ao TSE — não um ataque —, ainda que classifiquem de "controversa" a atuação do tribunal.

A controvérsia, noto, é parte do jogo, havendo descontentes com determinadas decisões. A questão é saber se houve no TSE — e a resposta é "não" — uma atuação contra a letra da lei e se as ações concorreram para salvar a nossa democracia, e a resposta é "sim". Desse modo, TSE e STF podem servir de inspiração aos americanos se querem salvar a sua democracia. Faltam por lá, parece patente, um TSE e juízes realmente autônomos, que não tenham de prestar contas ou ao Partido D ou ao Partido R.

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A OUTRA VITÓRIA DELETÉRIA
Pouco se fala de uma outra vitória deletéria de Bolsonaro: ele e seus militantes conseguiram mobilizar setores relevantes da imprensa contra o STF e o TSE, dois entes fundamentais na preservação da democracia.

E cumpre notar: a invasão das respectivas sedes dos Três Poderes ocorreu há um ano e oito meses apenas. Há dois anos, em setembro de 2022 — basta consultar o noticiário de então —, havia graves incertezas até sobre a realização do próprio pleito. No embate de agora entre o STF e Elon Musk, os rancores se exacerbaram.

Uma parte desse mau humor traduz uma espécie, digamos, de contaminação cruzada. O conservadorismo, quando não o reacionarismo, da imprensa no que respeita à economia deu voz ao bolsonarismo. As críticas feitas pela extrema-direita, nas redes e no Congresso, às escolhas do governo Lula na área não se distinguem muito da linha editorial dos principais veículos do país na área econômica. Arcabouço fiscal, reforma tributária, elevação da renda, queda do desemprego e crescimento da economia inéditos em uma década ou mais... Bem, nada disso parece relevante.

Os bolsonaristas e suas agenda golpista — sim, ela segue golpista — encontraram, por essa via, um caminho de validação. À medida que suas vozes pareceram autorizadas como parte legítima e aceitável do espectro ideológico — afinal, elas se fingem, por exemplo, de defensoras da responsabilidade fiscal... —, a etapa seguinte consistiu em abrigar ataques absolutamente infundados, às vezes estupidamente desinformados, ao Supremo e ao TSE.

FAZ TEMPO
Antes que se chegasse a essa situação mais momentosa de agora, envolvendo a suspensão do X, os tribunais já estavam sob vara, muito especialmente Alexandre de Moraes. As bobagens são muitas. Não vou enumerá-las todas neste texto porque, convenham, tenho feito isso com regularidade nesta coluna.

Dou destaque a uma muito influente. Eu e vocês cansamos de ler a tolice segundo a qual foi preciso que Moraes, de fato, fosse muito duro durante um tempo no combate ao golpismo, mas, agora, teria chegado a hora de recolher as armas, devolvendo o tribunal à normalidade. Afinal, não existiria mais risco à democracia...

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Trata-se de uma asneira robusta, entre a desinformação e a má consciência. Se notam, há em tão especioso raciocínio a suposição de que o ministro recorreu a instrumentos de exceção para enfrentar os golpistas. Logo, tal enfrentamento se teria dado por meios ilegais. A tese é de notável delinquência intelectual e revela, a despeito das intenções de quem a vocaliza, o flerte com o autoritarismo benigno. Vale dizer: quem sustenta essa besteira é que dá piscadelas para a discricionariedade.

Errado! Os ministros do Supremo, muito especialmente Moraes, combateram e combatem os golpistas com a força da lei, não da exceção. Eu jamais defendi — e não defenderei — que se recorram a instrumentos extralegais para enfrentar mesmo os inimigos da democracia. Porque entendo que dispomos do aparato necessário para fazê-lo.

IGNORÂNCIA OU MÁ-FÉ
O que pode haver, isto sim, é um tanto de ignorância misturado à má-fé, pautada ou não pela ideologia. Tome-se o caso do bloqueio das contas da Starlink. Notem a ligeireza com que se acusou a suposta ilegalidade cometida pelo ministro, quando bastaria ao estagiário de jornalismo -- ou de direito -- ler a decisão e consultar o Artigo 50 do Código Civil. Já escrevi a respeito.

As decisões tomadas pelo ministro, diga-se, serão submetidas, segundo às regras da Corte, à Primeira Turma. Duvido — e, se assim não for, lerei a contradita com especial atenção — que não se forme um eloquente cinco a zero.

"Ah, mas por que não o pleno, já que se trata de algo tão delicado?..." Eis uma pergunta pautada pelo "antissupremismo" militante. Porque é um dos casos que cabem à turma, e decide o relator se, num ato excepcional, leva à apreciação de toda a Corte. Trata-se de um exemplo de contumaz reincidência no descumprimento de decisões judiciais e de agressão ao Código Civil e ao Marco Civil da Internet.

Moraes decide se leva ao pleno ou não. Até parece que teria alguma dificuldade para formar maioria robusta — e isso na hipótese de que haveria por ali algum doutor que considerasse que suas próprias decisões e outras do tribunal a que pertence poderiam, sem consequências, ser desrespeitadas.

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No lugar do ministro, também eu levaria à turma. Não cederia à suposição canalha de que, padecendo a decisão de algum déficit de legitimidade, conviria que fosse referendada por todos os ministros do tribunal.

ENCERRO
Sim, meus caros, o golpismo contaminou as consciências muito mais do que parece. A esse mal, junta-se um outro: o isentismo. E o isentismo, como derivação viciosa, é a morte da isenção. Uma vez morta, abre-se o caminho para a falsa simetria. E sempre há o idiota que associa o juiz que pune quem descumpre decisão judicial ao criminoso que a descumpriu.

Pior dos que os "semileais" à democracia, só mesmo os desleais.

A ignorância se cura lendo a lei. A deslealdade, huuummm... Não tem cura.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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