Nunes demonstra em live que só o tipo de escândalo o diferencia de Marçal
Raramente tive notícia de tamanho espetáculo de humilhação. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, conversou com o blogueiro de extrema-direita Paulo Figueiredo, que mora nos EUA. Neto do ditador João Baptista Figueiredo, que morreu em 1999, ele foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, que investiga a tentativa de desfechar um golpe de estado no Brasil para manter Jair Bolsonaro na Presidência.
Vamos lá. Foram tantas as abjurações e arrependimentos de Nunes que eu, no lugar de um bolsonarista, ficaria com o pé atrás. Como canta a espetacular Adriana Calcanhoto — e peço aqui todas as vênias —, "Nada Ficou no Lugar". Tudo para ver se Bolsonaro volta e se ele consegue afastar, de vez, o risco Pablo Marçal.
Do Nunes dito "moderado", não sobrou nada. Nasceu um reacionário na ponta dos cascos. Quem certamente deve estar encantado é o ex-comunista do Brasil Aldo Rebelo, um dos coordenadores de sua campanha. Juntos, podem fazer a celebração das abjurações. Rebelo joga flechas em Stálin, e Nunes em, bem..., não sei quem era a referência desse rapaz. Ele tinha alguma?
Impeachment de Alexandre de Moraes? Ele é favorável: "Em se confirmando o que a matéria [da Folha] trouxe, que é gravíssima, obviamente tem que se abrir o processo, indiscutivelmente". Bem, o "gravíssimo" não tem, como sabe qualquer jurista, gravidade nenhuma. Até porque não se apontam ilegalidades no procedimento do ministro.
LAMBENDO A SOLA DO SAPATO. E OS COMUNISTAS
Para pertencer à grei bolsonarista, é preciso esconjurar o comunismo, como Rebelo deve fazer hoje em dia... Figueiredo quis saber como Nunes pode ter na campanha alguém como o ex-governador Rodrigo Garcia, que definiu como amigo de Moraes.
E Nunes deu esta resposta, tremendo mais do que "Coragem, o cão covarde", do desenho animado:
"Estamos fazendo um esforço importantíssimo para não deixar, de jeito nenhum, uma semente do comunismo, da extrema-esquerda. E eu queria tanto ter o seu reconhecimento sobre isso: do esforço que a gente está fazendo para poder extirpar a extrema-esquerda dessa cidade".
Pô, Figueiredo, reconheça aí! Não se nega a ninguém um copo d'água e a sola do sapato.
E os condenados pelo ataque às respectivas sedes dos Três Poderes? Ora, também Nunes agora quer anistia. E incidiu na falsa simetria que a extrema-direita vive a repetir por aí:
"No dia 23 de janeiro de 2015, o Boulos invadiu o Ministério da Fazenda, estava em cima da mesa e depredou tudo. E foi o que fizeram as pessoas lá no 8 de janeiro. E deram para essas pessoas penas altíssimas, e o Boulos não cumpriu um dia de pena. Precisa ter um equilíbrio dessas instituições".
A ocupação do MTST foi um erro, mas a comparação é estúpida. O "depredou tudo" é nada menos do que uma mentira. E, ainda que assim tivesse sido, há uma diferença evidente entre depredação do patrimônio e tentativa de golpe de Estado.
Calma! Vai piorar.
VACINA, ISOLAMENTO SOCIAL, IDEOLOGIA DE GÊNERO
Penitenciou-se por ter declarado neutralidade no segundo turno de 2022. Desta feita, foi incisivo: se Bolsonaro for candidato -- não será! --, estará com ele.
Voto impresso? Ele não tem nada contra. Cotas raciais? Não tem opinião formada — nesse caso, teme perder votos. Quer escolas cívico-militares. Defende o "Escola Sem Partido" — entenda-se: sem PT, mas com PL e o resto — e o ensino religioso.
Arrepende-se de ter defendido a obrigatoriedade da vacina nestes termos:
"Tenho humildade, hoje sou contra a obrigatoriedade da vacina."
Informa o Globo: "Depois da declaração, o canal apresentou um vídeo antigo no qual Nunes defendia diversas medidas sanitárias como máscara, álcool em gel e distanciamento social. Ele também afirmava que havia demitido quem não tinha se vacinado."
O prefeito então afirmou:
"Queria corrigir uma coisa que eu disse no vídeo. Não demiti ninguém [por não ter se vacinado]."
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Ele também criticou o isolamento social:
"Está provado agora pelos estudos e as experiências posteriores, foi obviamente errado."
Está provado por quem?
E o programa "Saúde para Todes", que estava no site da Prefeitura? Respondeu:
"Tinha esse vídeo no ar, que não foi colocado pela minha gestão. Quando vi, mandei tirar essa merd..., esse negócio na hora."
Lembrou que, quando vereador, liderou uma frente contra ideologia de gênero. Seja lá o que isso significa.
Vejam a que Pablo Marçal reduziu Ricardo Nunes. Não sei, confesso, por que o outro o chama "Bananinha". Assim como se mostrou, é um bananão.
PARA LEMBRAR
Marçal havia combinado uma conversa com Figueiredo. Não aconteceu. A versão dos bolsonaristas é a de que o "coach" teria dito preferir não falar sobre Alexandre de Moraes. E aí o encontro micou. Nunes, como a gente nota, fala. Se os extremistas pedirem que enforque o último "comunista" com a tripa do último defensor da vacina, em praça pública, tudo bem. Afinal, como disse, é um cristão.
Reitero: o troço é de tal sorte grotesco e vexaminoso que eu, se fosse lá um deles, iria desconfiar de tanta contrição desavergonhada. Então não restou nenhuma divergência, lateral que seja?
Nunes fez a live para demostrar que é ele o verdadeiro Marçal, não o Pablo. A única divergência, então, é de escândalo: num caso, fraude envolvendo correntistas; no outro, fraude com as creches.
Como diria Bocage, divergem nos transes da ventura, mas não nos dons do pensamento.
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