Deputado do PL -- e do PL do estupro -- usa emenda para chantagear eleitor
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), deputado e pastor, se vende como um severo moralista. Não há causa em defesa do que ele entende ser a família brasileira ou o cristianismo que não abrace. É tudo de um reacionarismo formidável. É a principal voz de Silas Malafaia na Câmara. Ganhou fama nacional — e internacional — por ter patrocinado o que ficou conhecido como "PL dos estupradores". Sabem como é... De tal sorte é uma pessoa reta que seu coração não amolece nem diante da mulher estuprada que fez um aborto. Quer mandá-la para a cadeia por homicídio, com pena superior às aplicadas contra... estupradores!
O homem também é um entusiasta, como seu líder espiritual, do impeachment de Alexandre de Moraes. Se tivesse de explicar qual foi a transgressão praticada pelo ministro a ponto de merecer tal punição, ele, por óbvio, não saberia. Está naquela categoria dos convictos, para os quais os fatos não têm muita importância.
E não é que esse Colosso de Rhodes da ética, esse Farol de Alexandria da decência, essa Grande Pirâmide de Gizé da alma incorruptível resolveu chantagear eleitores em cena aberta, às claras, às escâncaras, empregando dinheiro público como moeda de troca?
Sim, Sóstenes resolveu atuar à moda de um corruptor ativo, oferecendo uma vantagem ao eleitorado — transformado em corrupto passivo —, desde que este faça a sua vontade.
O deputado condicionou a liberação de uma emenda parlamentar de R$ 600 mil para a construção de uma creche em Teresópolis à eleição de um aliado seu para a Câmara de Vereadores. Num vídeo de apoio ao candidato Vicenti Dantas, anuncia, conforme revelou o UOL:
"Estou deputado até 2026 e estou assumindo um compromisso. Se vocês de Vieira [bairro de Teresópolis] votarem nele e elegerem ele vereador, eu vou enviar o recurso para essa tão sonhada e prometida creche. Comigo, é palavra dada, palavra para ser cumprida, compromisso."
O próprio candidato divulgou o vídeo em suas redes, certamente orgulhoso da parceria.
No vídeo, Sóstenes exibe o ofício com o pedido encaminhado por seu afilhado político e chantageia:
"Já tive muitos problemas com emendas para construção via Caixa Econômica e Governo Federal, porque a obra algumas vezes foi paralisada e perdi o recurso. Eu condicionei a possível vitória dele, porque eu preciso de ter um mandatário municipal para fiscalizar a devida execução da obra. Caso contrário, eu mando emenda para área da saúde como faço para os municípios que eu não tenho vereador para fiscalizar a execução da obra".
O modo como Sóstenes atua lembra também o crime de extorsão, assim definido no Artigo 158 do Código Penal:
"Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa".
Estou a evocar os crimes que são caracterizados, na esfera penal, por esse tipo de comportamento. Mas a legislação eleitoral pode se encarregar da dupla.
Segundo o Artigo 41-A da Lei 9.504, que regula as eleições, trata-se de captação ilícita de sufrágio. Transcrevo:
"Art. 41-A. (...) constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa (...) e cassação do registro ou do diploma".
Há ainda claro abuso de poder político (Lei Complementar nº 64/1990);
Sóstenes, pelo visto, discorda da lei:
"As pessoas querem interpretar desta forma, mas essa nunca foi minha intenção. Não existe irregularidade nem para mim e nem para ele. Não fiz nada irregular. A escolha da emenda é uma prerrogativa minha, posso colocar onde quiser. Já consultei inclusive minha equipe jurídica e estou tranquilo com relação a isso".
Sua assessoria jurídica, pelo visto, não anda lá essas coisas. O tal Vicenti Dantas, se eleito, entra na fila da cassação já que incide de modo escancarado na literalidade da lei.
Eis aí um exemplo da destinação de emendas parlamentares; vejam a que se presta esse instrumento que sequestra quase um quarto do que sobra de recursos livres para o Poder Executivo. O mau hábito está de tal forma arraigado e é tal o despudor que o deputado grava um vídeo, defende o seu feito e ainda diz estar amparado por sua assessoria jurídica.
Será que os ditos "homens de Deus" podem tudo, inclusive se abraçar ao demônio da chantagem?
No vídeo, o deputado que chantageia o eleitor diz sobre o seu protegido:
"[É um] cara de direita, conservador e que defende os nossos valores de Deus, pátria e família e liberdade".
Que seja de direita, bem, não duvido. Conservador? O que há de conservadorismo nessa mercancia do voto e de emendas? Dizer o quê? Isso é o Deus deles, a pátria deles, a família deles, a liberdade deles.
Parece-me que o Ministério Público deve ser interessar por essa particularíssima destinação de uma emenda parlamentar que, sendo de sua cota, ainda assim é dinheiro público.
Ademais, dispõe o Artigo 299 do Código Eleitoral (Lei 4.737):
"Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:
Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa."
E não foi isso o que Sóstenes fez?

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