Histórias do futuro: debate revela Tábata como a promessa da centro-direita
O que aconteceu de mais importante no debate da Record entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, na noite deste sábado, nada tem a ver com a eleição deste ano. A menos que as pesquisas estejam estupidamente erradas ou que dê a louca no eleitorado da cidade, Tábata Amaral, ainda no PSB, não estará no segundo turno. E é evidente que ela sabe disso. Ocorre que muito mais está em jogo nessa eleição. A deputada, com posições de centro-esquerda, é candidata a ganhar um lugar no coração da direita "light" de São Paulo, num ambiente em que muito se fala de uma tal "polarização" no país, que precisaria ser vencida.
A tese é furada porque é inegável que há uma extrema-direita no Brasil — e também na maior capital do país —, mas inexiste o outro polo: a extrema-esquerda. No encontro da Record, a candidata do PSB elegeu Guilherme Boulos (PSOL) como alvo, procurando caracterizá-lo como falso moderado. Para ganhar parte do seu eleitorado? É pouco provável que consiga, dada a sua atuação. Ela está de olho no futuro. Tábata encarna o sonho de reconstrução do defunto PSDB; daquele tempo em que se podia bater no PT e no PSOL sem parecer um troglodita bolsonarista.
Esse eleitorado hoje é pequeno, do tamanho dos 7% a 9% que votam em Tábata na cidade. Mas é evidente que a sua aposta é que vai crescer no futuro: um tempo em que Bolsonaro e Lula serão páginas viradas no Brasil, sem deixar herdeiros: um país conservador, sim, mas não reacionário. De direita, sim, mas com vacina ao menos. Será possível? Vamos ver.
Tinha escrito o texto abaixo, que segue em vermelho, para falar sobre a expectativa dos dois próximos debates: o da Folha/UOL, na próxima segunda, e o da Globo, na quinta. Acabei não publicando. Eu o reproduzo abaixo e depois retomo o fio.
OS DEBATES DE UOL/FOLHA E DA GLOBO
Sendo uma fotografia correta do momento os números das pesquisas respeitáveis, vive-se a semana decisiva daquela que se afigura a mais incerta disputa pela Prefeitura de São Paulo. E isso faz crescer a importância dos dois últimos debates: o do UOL/Folha, nesta segunda, e o da Globo, na quinta. Note-se que tais embates têm tido especial importância nesta eleição, daí o número recorde de eventos. Em parte, isso se explica pela ausência de Pablo Marçal (PRTB) no horário eleitoral. A confrontação direta com adversários amplia a sua audiência além da sua bolha nas redes. Colabora para que se mantenha competitivo, mas também aumenta a sua rejeição. Note-se: a importância da eleição na capital vai além da definição do vencedor. Direi por quê.
Segundo o mais recente Datafolha, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) estão tecnicamente empatados, com, respectivamente, 27% e 25%. Nos extremos da margem de erro, pode haver empate técnico entre o psolista e Marçal, com 21%. Ninguém pode fazer um prognóstico seguro.
Não estou entre os que pensam que eleição municipal é predição da presidencial. O ponto é outro. É improvável que Nunes não esteja no segundo turno, apontam todos os especialistas. É pouco provável que seu oponente não seja Boulos. No reino do possível, no entanto, uma e outra coisa poderiam acontecer. Mesmo fora do certame final, Marçal já tem assegurado o seu lugar nos arranca-rabos internos da extrema-direita. Se passa pelo crivo do primeiro turno, quem deve se cuidar é Jair Bolsonaro; se vencesse, o "capitão" se tornaria soldado do "coach". Caso Boulos não chegue ao segundo turno, a reeleição de Lula não estará condenada, mas haverá um cataclismo no campo progressista. E será preciso rearranjar muita coisa.
Finalmente, saúdo o modelo escolhido para o debate UOL/Folha. O banco de tempo é a melhor saída. O formato conserva a pergunta de candidato para candidato, coisa de que, em si, não gosto e considero inútil. Mas o efeito negativo se anula com a correta e oportuna possibilidade de qualquer outro comentar o tema em questão.
Os debates finais começam a contar a história do futuro.
DE VOLTA AO FUTURO: MARÇAL E A EXTREMA-DIREITA
Como viram, no texto que não publiquei, eu tratava de duas histórias do futuro: a de Marçal e a de Boulos. Caso o "coach" não desista da vida pública para cuidar de seus negócios ou não seja "desistido" pela Justiça -- e entendo que há uma penca de motivos para isso --, ele tende a criar confusão no arraial da extrema-direita. As absurdidades que diz seduzem parte importante do eleitorado bolsonarista e, como sabemos, da tal "Faria Lima", o que não deixa de ser uma advertência, leitores: muito cuidado com o que vocês fazem com o dinheiro e com o que fazem do seu dinheiro! Um amigo me conta que não são poucos os que, por ali, naquele rico vilarejo do atraso ideológico, chegaram a pagar R$ 250 mil para um curso de imersão com o próprio prestidigitador do empreendedorismo. O Brasil também é esse pedaço intelectualmente miserável da elite.
Mesmo que ele perca a eleição, não resolvendo parar ou não sendo parado, continuará a infernizar o establishment reacionário. E, se querem saber, dispõe de mais recursos retóricos do que o "Mito" da afasia. Se Chegasse a vencer, o que não vai acontecer, aí a crise da extrema-direita seria antecipada. Marçal fez mais contra a reputação de Bolsonaro do que o correto combate travado pelos progressistas. Isso faz sentido. O princípio da semelhança pode ser um método terapêutico: "Similia similibus curentur" — ou: "os semelhantes curam-se pelos semelhantes". Ou se danam entre semelhantes...
Sei que é chato falar assim: mas esse tal Marçal, essa figura detestável, já é o grande vencedor dessa disputa. Até se lançar no jogo eleitoral, era só um pateta que havia levado alguns incautos a subir um morro, arriscando-se a morrer de frio — foram salvos pelos bombeiros. Ou que vendia cursos na Internet com lições muito impressionantes sobre como ganhar R$ 1 mil rapidamente: basta pedir R$ 100 a 10 pessoas. Convenham... Participou de debates, credenciou-se como alternativa no extremismo de direita e teve de ser combatido pelo próprio governador de Estado. Era nada e saiu grande no nicho da reação.
DE VOLTA AO FUTURO: GUILHERME BOULOS
Reitero que não vejo a eleição municipal como antecipação de resultado de disputa presidencial. Seria melhor para Lula que Boulos vencesse, claro! Mas disputar o segundo turno já mantém a cidadela progressista mais ou menos arrumada. Mesmo que venha a ser derrotado, ganha musculatura.
Ruim para o progressismo seria nem mesmo chegar à etapa final. Desde a volta das diretas nas capitais, o PT venceu três disputas: Luíza Erundina (1989), Marta Suplicy (2000) e Fernando Haddad (2012). Os progressistas estiveram no segundo turno em todos os embates, exceto em 2016, quando João Doria (PSDB) venceu Haddad no primeiro. Os petistas estiveram em seis, e Boulos em um.
Uma eventual rodada final na cidade entre Nunes e Marçal imporia às esquerdas uma revisão de postulados — alguns devem ser revistos em qualquer caso, mas não entro nisso agora — e também excitaria todos os fantasmas da reação que nos rondam: imaginem um certamente entre um candidato que chama Tarcísio de "comunista goiabinha" e outro que afirma que o distanciamento social durante a pandemia foi um erro, com um vice que diz ter tomado uma única dose da vacina contra a Covid e que não vacinou os próprios filhos.
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Quero receberDE VOLTA AO FUTURO: RICARDO NUNES
Nunes é candidato de uma coligação-ônibus, que junta o PL de Bolsonaro, os partidos do centrão e o PSD de Gilberto Kassab. A primeira tentação, como já se assanhou em anunciar o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, é ver aí a aliança para enfrentar Lula em 2026. Mais desejo do que realidade; mais ilusão do que possibilidade.
Vai acontecer? Não sei. Notem que, até agora, eles não conseguiram se unir nem em torno de um candidato de consenso para a Presidência da Câmara. A disputa está muito longe. De resto, nesse ônibus, está o PL de Jair Bolsonaro, que hoje se diz "o candidato", sabendo que não será, na certeza de que irá, no dedaço, escolher o postulante. Do PL, pode ser; de toda essa turma, é pouco provável.
É inequívoco que a eventual vitória de Nunes fortalece, no campo da direita, o nome de Tarcísio de Freitas, que se fez o fiador do prefeito-candidato quando o ex-presidente já havia decidido soltar a sua mão, mesmo Nunes tendo feito as abjurações mais abjetas e humilhantes.
"Mas, se fortalece Tarcísio, está bem para Bolsonaro". Não é bem assim. Uma coisa é o fanfarrão ungir um Tarcísio sem voo próprio, que depende inteiramente da sua condução. Outra é o governador ter autonomia de voo — mais de uma vez, o "chefe" já deixou claro que isso o desagrada. O "frentão" unido para 2026 é só uma projeção mental de Ciro Nogueira. De qualquer modo, Tarcísio, e não Bolsoanro, seria o grande vencedor no caso de Nunes se reeleger.
DE VOLTA AO FUTURO: TÁBATA AMARAL
E agora volto ao começo. Falemos da deputada candidata Tábata Amaral (PSB).
Reproduzo a pergunta que ela dirigiu a Boulos e o comentário que fez depois da sua resposta:
"Candidato, de cada 10 crianças que estão na creche hoje, oito estão em entidades, muitas delas religiosas, que fazem parcerias com a Prefeitura. Na última eleição, você disse que era contra esse modelo; que, se fosse prefeito, acabaria com as parcerias. Agora, você disse que mudou de opinião nessa eleição. No entanto, seu partido, o PSOL, continua sendo o contrário ao modelo de parcerias. Então, eu queria entender: em quem nós devemos acreditar: no Boulos ou no PSOL?"
Boulos respondeu que reconhecia que Bruno Covas havia zerado a fila das creches em razão da parceria com igrejas e entidades civis e que tinha condições de aprender ao ver uma experiência etc. A questão já surgiu em debates anteriores e em entrevistas etc.
Ocorre que Tábata fez uma pergunta como cama de gato para outra. Nem escondeu o propósito. Ela queria mesmo era colar no candidato do PSOL a marca de falso moderado. E não hesitou em apelar às pechas que a extrema-direita tenta colar do seu adversário de esquerda:
"Mas a pergunta que eu lhe fiz, Boulos, é porque tem uma coisa que as pessoas se perguntam muito: você, nessa eleição, abriu mão de muitos posicionamentos históricos que você e seu partido defenderam veementemente. Você dizia que era a favor da descriminalização das drogas; agora, é contra. Dizia que era a favor da legalização do aborto; agora, diz que defende a lei do jeito que tá. Nessa semana, exatamente, mudou sua posição em relação à Venezuela e diz agora, finalmente, que é uma ditadura, mas o seu partido mantém essas mesmas posições. Isso gera um questionamento para as pessoas: como é que você vai governar com o seu partido contra, quando já existe uma dificuldade com partidos à direita?"
Notem que Tábata resolveu ecoar, ainda que de modo aparentemente mais civilizado, a baixaria de Pablo Marçal. Ao tocar na questão do aborto, tange outra corda que repercute no eleitorado conservador. Ademais, pergunte-se: se ele mudou de ideia, qual o problema? E o mesmo se diga sobre a Venezuela. A propósito: o PT que chegou ao poder em cinco de nove eleições diretas é aquele fundado em 10 de fevereiro de 1980?
Esperta, ela tentou emprestar um verniz "progressista" ao ataque: já seria tão difícil enfrentar a oposição de direita, como ele faria se tivesse contra si seu próprio partido? Trata-se de uma falácia escancarada: um prefeito não tem ingerência nenhuma sobre política de drogas, de aborto ou de relações exteriores.
Quando apela a tais temas, nesse tom, é evidente que não está tentando ganhar o eleitorado de esquerda. O máximo que poderia conseguir, se conseguisse alguma coisa, seria tomar alguns eleitores moderados de seu adversário progressista, o que não a levaria para o segundo turno, mas poderia concorrer, ao menos em tese, para tirá-lo do segundo turno. Marçal deve ter ficado satisfeito.
E aí volto lá para o começo. O apelo mais recorrente da postulação de Tábata, também ela uma crítica da tal "polarização", é que só ela conseguiria ser um algodão entre os cristais — ou entre os radicais. Certa feita, disse que seria a única em condições de dialogar com Tarcísio e com Lula.
Ela é o melhor projeto que a turma do "nem-nem" acalenta. Ao investir contra Boulos, não almeja, obviamente, mostrar-se confiável às esquerdas. Seu apelo é dirigido, no presente, aos moderados e, na história do futuro, à "direita civilizada". Notem, ademais, algo nem tão discreto em suas falas: os muitos apelos a Deus e à religião — presente também na pergunta sobre as creches.
Não sei, não... Se houver um segundo turno entre Boulos e Nunes, não a vejo declarando voto no candidato do PSOL. "Ah, mas aí ela estaria queimada com a esquerda". Fato. Parece-me, no entanto, que o mercado ideológico em que ela decidiu investir é outro. Por isso ela se comporta como quem não teme nem mesmo uma eventual disputa final entre Nunes e Marçal — e impossível não é. Para o seu projeto, talvez fosse mais uma oportunidade do que um problema. Muita gente ficou surpresa. Eu não.
CONCLUO
Há muitos aprendizes de feiticeiro que apostam que o país está vivendo os últimos tempos de uma polarização, que ainda pode ter sobrevida em 2026, mas que depois se diluiria, quando Lula e Bolsonaro não fossem mais protagonistas de disputas. Acho besteira. Eis Pablo Marçal como um reciclador do lixo da extrema-direita -- o bolsonarismo é possível sem Bolsonaro. E entendo que o PT continuará a ser o eixo das demandas progressistas.
Como a direita democrática se deixa fagocitar pelo extremismo e como o PT é, na verdade, um partido social-democrata, isso a que mal chamam "polarização" tende a sobreviver. Reconheço, no entanto, que existe uma demanda em parte importante da elite que se quer esclarecida, de centro-direita, por um discurso como o de Tábata.
Nesse sentido, ela não decepciona. Sairá maior da eleição. Candidata-se a ser, e isso ficou mais claro do que nunca neste sábado, uma das organizadoras desse campo ideológico. Faz falta ao país uma centro-direita ilustrada. Desde que se consiga, primeiro, lembrando um salmo em tempos de tantos apelos religiosos, livrar o país do ataque dos cães.
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