Reinaldo Azevedo

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Opinião

Ganha-perde das urnas à direita: Kassab, Tarcísio, Paes, Bolsonaro, Lula...

Quem ganha e quem perde com as eleições municipais deste domingo? Há leituras para todos os gostos. Também apresento a minha. Parcial ainda.

O maior vitorioso é Gilberto Kassab. Seu partido é o campeão em prefeituras: já elegeu em 882 cidades, incluindo três capitais: Rio, com a votação consagradora de Eduardo Paes, São Luís e Florianópolis. Disputa o segundo turno em outras duas: Belo Horizonte e Curitiba, com boas chances de vitória em ambas.

Há mais a dizer sobre o PSD: será o partido com o maior número de prefeituras em São Paulo, Minas e Bahia —, primeiro, segundo e quarto eleitorados do país — e também em Sergipe e no Piaui. No Rio, fez apenas três prefeituras, mas uma delas é a da capital, que tem mais de 40% da população do estado.

E, nesse ponto, cumpre destacar a vitória acachapante de Paes, que venceu nas 49 zonas eleitorais da cidade, com 60,47% dos votos válidos, contra 30,81% de Alexandre Ramagem (PL).

E isso nos leva a Jair Bolsonaro e ao PL — que não são exatamente a mesma coisa.

BOLSONARO, PL ETC.
Faz-se aqui e ali um esforço para ver Jair Bolsonaro como um dos vencedores da eleição. Será mesmo?

A maior de todas as derrotas, convenham, o ex-presidente experimentou justamente no Rio, seu berço político. Para quem investiu para valer em Ramagem, o resultado chega a ser humilhante. Ainda no sábado, muito ao seu estilo, disse que se verificaria neste domingo "se os presídios iriam comemorar". Referia-se, ora vejam, à vitória de Paes.

O "Mito" fez o favor de colar a vitória de Paes a Lula — o prefeito, diga-se, aproveitou para agradecer ao presidente, embora se deva destacar a extrema habilidade e versatilidade do incumbente, como dizem, em fazer alianças. Dadas a pressão do bolsonarismo na cidade e a virulência do ex-presidente, o resultado faz de Paes o maior vencedor individual das eleições municipais. Promete terminar o mandato. Em política, sempre existem as circunstâncias.

O PL anunciou a intenção de fazer mais de mil prefeitos. No auge do delírio, Valdemar Costa Neto, presidente da legenda, chegou a falar em 1.500. Até agora, são 512. Há duas capitais já asseguradas: Rio Branco e Maceió. No caso da capital de Alagoas, a reeleição de JHC, um aliado de Arthur Lira, se deve mais a circunstâncias locais.

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O partido disputa, no entanto, o segundo turno em outras nove: chega na frente em Belo Horizonte, Fortaleza, Cuiabá, Aracaju, Palmas e Goiânia. E ficou em segundo em Belém, Manaus e João Pessoa. O número é vistoso, mas a realidade é mais pedregosa do que parece.

Em Belo Horizonte, simulações de segundo turno anteriores ao pleito de ontem apontavam o prefeito Fuad Noman, do PSD, à frente de Bruno Engler. Em Fortaleza, André Fernandes vai disputar com o petista Evandro Leitão, que tem o apoio do governador Elmano de Freitas, também petista. Em Belém, parece difícil que Eder Mauro consiga bater Igor Normando (MDB), candidato do governador Helder Barbalho, do mesmo partido. Em Manaus, o capitão Alberto Neto enfrenta o prefeito David Almeida (Avante). Em João Pessoa, Cícero Lucena (PP) não se reelegeu por pouco, com 49,16%. As chances do ex-ministro Marcelo Queiroga parecem reduzidas. Goiânia vai assistir a um embate na direita: o bolsonarista Fred Rodrigues, que chegou à frente (31,14%) vai se bater com Sandro Mabel (27,66%), do União Brasil, candidato do governador Ronaldo Caiado. Dadas as nove capitais, as vitórias mais prováveis estão em Cuiabá, Aracaju e Palmas.

LULA E O PT
Lula se envolveu pouco nas campanhas municipais. O PT elegeu 248 prefeitos Brasil afora, contra 182 em 2020. Ocorre que as eleições de há quatro anos ainda estavam sob o impacto da vitória de Bolsonaro em 2018. O desempenho foi, então, desastroso. Melhora um tanto agora, mas fica apenas em 9º lugar no ranking nacional. Perde para PSD (882), MDB (856), PP (748), União Brasil (585), PL (510), Republicanos (4360), PSB (312) e PSDB (273).

Conta ainda com algumas derrotas amargas: perdeu a eleição em Araraquara (SP), onde Edinho Silva faz uma gestão exemplar. No primeiro turno, o partido elegeu apenas quatro prefeitos: Lucianópolis, Santa Lúcia, Matão e Carapicuíba. No Brasil, disputa o segundo turno em outras 12 cidades, incluindo Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Natal.

Sim, há que se considerar: o PT apoiou a reeleição de dois dos campeões nacionais de votos: Eduardo Paes, no Rio, e João Campos (PSB) em Recife.

Vocês sabem o que penso. Acho que a avaliação dos brasileiros sobre a qualidade do governo está muito abaixo das realizações de Lula até aqui. Estes são tempos estranhos, em que uma figura como Pablo Marçal se torna assunto nacional.

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Resultado de pleitos municipais não antecipa o das eleições presidenciais. Aí a história é outra. De todo modo, parece-me evidente que o PT esperava um desempenho melhor nas urnas, considerando que o governo Lula pode dizer com clareza aos brasileiros que o país experimenta uma taxa de desemprego historicamente baixa, elevação considerável da renda do trabalho e inflação sob controle. Circunstâncias locais decidiram o voto da maioria das pessoas, mas é claro que o PT ainda tem de lutar com fantasmas do preconceito ideológico.

A ELEIÇÃO EM SÃO PAULO
É inequívoco que outra figura que sai fortalecida dessa disputa é Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo. O prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), que vai disputar o segundo turno com Guilherme Boulos (PSOL), deve ao governador a sua passagem para o segundo turno.

Nunes estava sendo tragado pela voragem marçaliana. E com a conivência silenciosa — falava apenas aqui e ali — de Bolsonaro. Ainda que o prefeito tenha se ajoelhado no milho e feito as abjurações mais humilhantes para se mostrar um bolsonarista convertido — opor-se à obrigatoriedade da vacina a distanciamento social foi a coisa mais abjeta da campanha em São Paulo —, o ex-presidente largou o prefeito à própria sorte porque não quis bater de frente com o "coach".

Quem segurou a peteca foi Tarcísio. E seu raciocínio era elementar: havia, sim, a possibilidade de um segundo turno entre Guilherme Boulos e Pablo Marçal (PRTB), e todas as pesquisas apontavam que esse era o melhor cenário para o candidato do PSOL.

Os três chegaram embolados à reta final e assim permaneceram: Nunes (29,48%), Boulos (29,07%) e Pablo Marçal (28,14%). Ainda que o "coach" recite a ladainha antediluviana do bolsonarismo, é evidente que ele assaltou a cidadela da extrema direita sem pedir licença. Bolsonaro foi inicialmente convencido a dar um chega pra lá no novato ousado, mas logo recuou quando percebeu que parte de sua tropa não estava obedecendo ao comando, evidenciando por que estava destinado, quando militar, a jamais ser um general. Falta-lhe, entre outras coisas, coragem.

Vamos ver que papel terá agora na campanha. Uma coisa certa, a ascensão de Marçal mais o enfraqueceu do que o fortaleceu. Se ele contava com as eleições municipais para dar um novo impulso à tese da anistia, convém buscar um outro motivo — ainda que seja inútil porque a aberração pararia no Supremo.

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Nesse capítulo, convém falar de Boulos. Não disputasse o segundo turno, é claro que isso seria uma derrota gigantesca para ele próprio e para os progressistas. Obteve 20,24% dos votos válidos há quatro anos; agora, 29,07%. Dadas as circunstâncias e dado que passou pelo crivo do primeiro turno, trata-se, sim, de um excelente resultado.

Nas pesquisas, ficou sempre atrás de Nunes nas simulações de segundo turno e vai enfrentar um jogo duro. Mas já conseguiu um feito e tanto. E se robustece como um quadro de renovação da esquerda.

OUTROS DESTAQUES
Há outras vitórias e derrotas depois deste domingo. Vamos a algumas considerações rápidas:

Tabata Amaral: obteve uma votação expressiva e, dado o resultado, apressou-se em anunciar que votará em Guilherme Boulos, deixando claro, no entanto, que não subirá em palanque. Não quer produzir fotos para o futuro. Para carreira tão curta na política, sai fortalecida e conseguiu dar vitalidade ao discurso "nem-nem". Está destinada a ocupar um lugar no terreno da centro-direita, se e quando ele for viável no Brasil.

Pablo Marçal: vai ter de se entender com a Justiça e com a polícia, dada a ação criminosa da sexta-feira passada, quando pôs para circular um laudo falso sobre suposta internação de Boulos por consumo de cocaína. A farsa era tão grosseira que não é possível que achasse que não seria logo desmascarada. Considerando o modo como opera, isso não tem importância para ele.

É claro que ele não vai voltar para apenas para a sua vida de "coach". A questão é saber se vai infernizar mais a esquerda ou o establishment da direita.

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Ciro Gomes: o PDT de Ciro Gomes sai liquidado dessa disputa. Seu candidato, o prefeito José Sarto, em Fortaleza, obteve apenas 11,75% dos votos. O PDT elegeu apenas 151 prefeituras, contra 317 em há quatro anos. Disputa o segundo turno em uma capital apenas, e não como favorito: Aracaju. Pior: elegeu apenas cinco prefeitos no Ceará. Em 2020, eram 67. O partido campeão de votos no estado é o PSB, com 65, para onde migrou Cid Gomes, seu irmão, com quem rompeu.

As direitas e o centrão: se a extrema direita bolsonarista — e tomarei o PL como referência — não teve o desempenho que esperava, e isso não deixa de ser um alento (bem pequeno), é inequívoco que o país sai bastante à direita da eleição, ainda que seja preciso matizar determinados resultados. O PSD de Kassab, com suas 888 prefeituras, está no governo Tarcísio, mas tem três ministérios na gestão Lula. Nesse número vistoso, há 115 cidades conquistadas na Bahia — em muitas delas, em associação com o PT.

Também estão na Esplanada o MDB (865 prefeituras), o PP (752), o União Brasil (589) e o Republicanos (441). Tantas vitórias dessas legendas acenam com Câmaras de Vereadores de mesmo perfil. E esses dados são preditores da composição do futuro Congresso. Qualquer que seja o presidente eleito em 2026, já dá para saber que continuaremos a contar um Congresso de conservador para reacionário — até porque há as 523 do PL...

Não será fácil salvar o país das chamas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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