Trump fala manso, diz que vai cumprir promessas e exalta Musk. E o Brasil?
As pesquisas eleitorais erraram bastante, e Donald Trump levou tudo: a Presidência dos Estados Unidos, os estados-pêndulo, a maioria do Senado e, muito provavelmente, a da Câmara. Enquanto escrevo, tem uma vantagem de mais de 5 milhões nos votos populares. No discurso de vitória, referiu-se a esse fato com especial satisfação. Em seu caso, é inédito: perdeu para Hillary Clinton em 2016 por quase três milhões de votos.
Fez um discurso da vitória calmo e um tanto desconjuntado. Pelo visto, o ansiolítico funcionou. Não prometeu fuzilar ninguém, o que, em se tratando de Trump, merece especial saudação. Chamou outros para dar uma palavrinha, a exemplo de J. D. Vance, o seu problemático vice, e Dana White, o chefão do UFC. O que o machão das lutas fazia no palco que celebrava a vitória do futuro presidente dos EUA? Bem, um dos alvos capturados pela campanha republicana foram os homens jovens. São os varões de Trump para fazer a América grande outra vez.
Não atacou os adversários, mas disse que é preciso fazer o país dar a volta por cima. Em seu discurso, parece que vai retirar o país do caos e da depressão econômica, o que é papo-furado. Mas o fato é que ele convenceu amplas maiorias de que assim é.
A fala foi mansa, mas disse mais de uma vez que vai cumprir as suas promessas. O que isso significa? É aí que as coisas podem se complicar. Ele prometeu deportações em massa. A questão da imigração foi o principal pilar de sua campanha. Também anunciou que vai fechar a economia americana, sobretaxando importações, o que é, obviamente, ruim para o Brasil. O alvo inicial é a indústria, mas é claro que o movimento protecionista acabará atingindo as commodities.
Os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do país — ou o terceiro se considerarmos a União Europeia como unidade. Bom não será. Outro efeito ruim pode advir do dólar. Vamos ver como os mercados vão se comportar. No fim das contas, Trump promete é mais inflação se fizer mesmo o que diz que vai fazer. Se isso levar a uma elevação da taxa de juros por lá, é claro que haverá impacto aqui porque o dinheiro corre para os títulos do Tesouro Americano. Mas isso é coisa que vem mais adiante.
Também faz parte de sua pauta abandonar o Acordo de Paris. Não é do tipo que acredite em desequilíbrio climático. A turma do MAGA integra as hostes do conspiracionismo, para as quais essa conversa de meio ambiente é coisa de uma tramoia do globalismo... Aliás, foi explícito na defesa do incremento à exploração de petróleo. Se realmente fizer tudo o que prometeu, também vai perseguir seus adversários.
Repetiu no discurso o que disse ao longo da campanha: "Não tivemos guerras [no seu primeiro mandato]. Vou impedir as guerras". O que isso pode significar. No caso do Oriente Médio, nada. Os palestinos continuarão desgraçados como sempre. É improvável que Netanyahu seja ainda mais carniceiro do que é sob o governo Biden. Quanto ao conflito Ucrânia-Rússia, parece que Volodymyr Zelensky pode ir se preparando para administrar o tamanho da derrota. Trump é chapa de Vladimir Putin, e é certo que não continuará a torrar alguns bilhões numa guerra que não pode ser vencida. "A América em primeiro lugar" significa, também, para parte considerável do seu eleitorado, parar de gastar dinheiro com os outros, que é como sua base entende o farto financiamento à Ucrânia.
ELON MUSK
Merece destaque a exaltação que fez a Elon Musk, o "gênio", a quem disse "amar". Foi a pessoa que recebeu maior deferência pessoal no discurso. Chegou a apelar a uma linguagem quase poética ao exaltar a volta do Heavy à base, o foguete propulsor da nave Starship, exaltando o feito excepcional. Ficou absolutamente claro que Musk será um homem forte no seu governo, com cargo ou sem -- provavelmente sem, que é a melhor maneira de ser influente junto ao cargo mais poderoso do mundo. Musk recorreu a toda sorte de falcatruas na X em defesa da candidatura do republicano. E, como se sabe, é um homem de negócios que depende do farto financiamento do governo americano. Convém prestar atenção a essa relação.
Também deixou claro que o malucaço negacionista Robert Kennedy Jr. terá um papel na área da saúde, o que é, desde já temerário. O sujeito não bate bem dos pinos. Qualquer coisa é possível no universo de Trump, que concede a palavra a um empresário da porradaria em seu discurso da vitória.
BRASIL
E o Brasil? A vitória de Trump, como destaquei, é ruim para o Brasil, dados os pressupostos da postulação do republicano, para países exportadores. Quanto ao efeito político, ainda veremos.
O MAGA é, em princípio, um movimento para dentro, isolacionista, dos Estados Unidos que não dão tanta pelota para o que acontece à sua volta, desde que não ameace a sua segurança. Mas Trump também pertence à safra dos populistas de extrema-direita e está cercado de tarados ideológicos que acham que podem exportar a revolução conservadora.
A família Bolsonaro, com efeito, tem relações com o entorno do futuro presidente. A intimidade afetada pelo deputado Eduardo Bolsonaro é falsa, mas existe uma certa proximidade. Vamos ver. Musk, um dos homens de Trump, já meteu o nariz aqui. Relações entre governos são coisas mais complexas, mas os dias parecem existir para nos espantar.
Dá para dizer, no entanto, o que não vai acontecer. Nesta quarta, em festa, o bolsonarismo anteverá Tio Sam sem cartola e com um topete cor de laranja a ordenar ao Supremo: "Devolvam a elegibilidade a Bolsonaro". Não vai acontecer. Mas é evidente que a extrema-direita por aqui vai se mover para tentar fazer da vitória de Trump um fator antecedente da vitória de Bolsonaro. Não vai acontecer, mas todos têm o direito de sonhar.
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