Reinaldo Azevedo

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Opinião

"Uzmercáduz" de pesquisa é a escória do Brasil: saudade do caos restaurador

Que coisa, né? Os nossos reacionários sentem saudade do caos restaurador. Vai aí um oximoro, uma combinação de palavras opostas. A irrupção reacionária é o contrário da revolução, que é o caos reorganizador. Esta aposta na desordem com vistas a uma nova ordem; aquela pretende que o colapso leve o mundo "aos bons tempos": os da "América Grande Outra Vez", lá nas paragens do Império, ou aqueles, nas periferias ignotas, em que se podia jogar um pobre do alto de uma ponte sem que, por isso, torrassem a paciência de um governador "moderado" por isso.

Tarcísio de Freitas deu uma resposta perigosa à pergunta sobre a permanência ou não de Guilherme Derrite na Secretaria de Segurança Pública. Pediu que a imprensa olhasse para os números. Há uma queda na taxa de mortos por 100 mil habitantes em São Paulo. O Estado exibe há alguns anos os melhores índices nesse quesito. Não é obra de seu governo. O que ele conseguiu, e essa marca está na sua coronha, foi dobrar os mortos pela Polícia em um ano. A PM de São Paulo voltou a exibir a marca de uma eficiente máquina de matar pretos e pobres. Olhem os números!

O que ele está a dizer é que o Estado pode conviver muito bem com esses dados, ligando — e foi ele a fazê-lo, não um adversário — a letalidade policial à eficiência na segurança. Mais uma vez. Setores conservadores da imprensa, alguns francamente reacionários, no sentido que vai lá no primeiro parágrafo, esforçam-se para criar a imagem de um "bolsonarista moderado" — como se aí não estivesse outro oximoro —, mas o cara não aguenta o tranco. Pressionado, o político brutal fala em lugar da construção marqueteira.

Em 8 de março, vocês se lembram, confrontado com a brutalidade da Operação Baixada — a suposta caça a bandidos do PCC —, ele mandou bala: pediu que se queixassem à ONU ou ao "raio que os parta". E definiu-se: "Não tou nem aí". A fala valeu como um convite aos assassinos acoitados na PM. E eles mataram sem receio, certos da impunidade. Agora ele o faz de novo: "Olhem os números". Se há uma queda nos homicídios por 100 mil — e ela é verdadeira em vários Estados —, então que liberem de novo as forças da morte: "Olhem os números". E continuará a ser o oximoro predileto dos reacionários de centro — mais uma contradição inelutável.

Eis a saudade do caos restaurador. Mas é "amigo do mercado", é bom que se diga. Doou, por exemplo, a Sabesp para a gestão privada — um sinal inequívoco da modernidade possível nos grotões da decência, ainda que a empresa vencedora do arranjo, a tal Equatorial, tenha pagado pelas ações menos do que elas valiam em Bolsa. A imprensa engoliu o escândalo porque, afinal, a cartilha diz que a gestão privada será sempre melhor do que a pública. Não tendo sido um escândalo protagonizado pelo "lulo-petismo", parece não ser uma coisa assim tão grave... Que venham outros despropósitos modernizadores.

PACOTE DE GASTOS
A saudade do caos restaurador está também na cobertura do pacote de gastos e na abordagem quase orgíaca do dólar a mais de R$ 6. Nem sequer se fez a conta do impacto real nas despesas das medidas propostas. Alguns, com um tantinho de bom senso, mas sem coragem de enfrentar a "doxa", até avaliam que as medidas terão, sim, impacto. Sempre ficou claro: ou se mexia no salário mínimo, ou nada seria sério o bastante. Mexeu-se. Mas aí veio o que foi considerado o grande erro: a isenção do IR para ganhos até R$ 5 mil a partir de 2026, medida compensada pela elevação do imposto para dividendos acima de R$ 50 mil.

A segunda medida não transita na primeira. "Ah, mas aí ficou parecendo que o governo não está realmente empenhado em zelar pelas contas públicas..." Mas esperem: essa isenção descaracteriza ou tira a potência das demais medidas? Reconhece-se que não. Mas aí um "sábio justificador de iniquidades tentou explicar (não vai entre aspas, mas o sentido é o mesmo): é que ficou parecendo que Lula aceitou as demais medidas de má vontade e que não confia o suficiente em Fernando Haddad, e aí os tais "mercados" teriam colocado um preço na falta de convicção do presidente. Entendi: não precisamos de um chefe de estado ou de governo, mas de uma "supernanny" de malcriados "duzmercáduz".

A ECONOMIA
A economia se expandiu 0,9% no terceiro trimestre, e o país pode ter um crescimento de 3,5% neste ano, que se segue aos 3,2% do ano passado, em número revisado. É o melhor desempenho em 13 anos. É grana pública torrada no consumo, criando uma bolha??? Não. O crescimento está ancorado na indústria e nos investimentos, que ficou em7,6% do PIB, acima dos 16,4% no terceiro trimestre de 2023.

A taxa de desemprego está na mínima histórica. Houve crescimento da renda do trabalho em todas as faixas. A inflação não está no centro da meta, mas está muito longe do descontrole. Segundo a OCDE, o Brasil foi o segundo destino de investimentos no primeiro semestre, perdendo apenas para os EUA. No terceiro trimestre, o lucro das 327 empresas listadas na Bolsa cresceu 55% na comparação com igual período do ano passado. A indústria brasileira saltou 30 posições no ranking de 116 países, saindo da 70ª posição para a 40ª. E daí?

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O que se colhe no noticiário de economia é a sensação do caos, porque, afinal, dizem, a trajetória da dívida preocupa — e não estou a dizer que deva ser ignorada — e se fala em taxa de juros cavalares para devolver à inflação à meta, como se o país tivesse uma longa tradição de inflação na casa dos 3%, o que é uma piada grotesca e uma farsa.

O país dos números acima não importa, mormente quando se descobre que atingiu também o mais baixo índice de pessoas na extrema pobreza. Pior para os arautos do caos: o emprego retirou 8,7 milhões da pobreza. Um país assim é insuportável.

A SAUDADE DO CAOS RESTAURADOR NUMA PESQUISA
Na semana do dólar disparado e do repúdio ao pacote que nem lido direito foi, a Quaest trouxe uma pesquisa com a opinião "do mercado financeiro" -- seja lá quem for essa gente.

O que se fica sabendo? O país do emprego, da recuperação da renda, da diminuição da desigualdade, bem esse país não serve. Para 96% — nada menos! —, a política econômica está na direção errada. Só 4% a consideram certa. Gosto desse número 96% porque ele ficou gravado na minha memória como o índice dos que reelegeram Saddam Hussein no Iraque nas priscas eras. É isso. A quase unanimidade contra a política econômica faz lembrar aquela em favor de Saddam.

Caso se fizesse uma pesquisa na Coreia do Norte, é provável que Kim Jong-un, o "divino", não alcançasse tal marca. A crença em Deus no Brasil cristão não chega a tanto. Nada menos de 90% dos ouvidos têm uma avaliação negativa do governo Lula. É positiva para apenas 3%. Fernando Haddad se sai melhor: 41% o veem de maneira positiva; 35%, regular, e 24%, negativa. "Uzmercáduz" que falam aí não são apenas reacionários. Também são burros. Salvo engano, o ministro executa a política que é do presidente Lula. E já aí se percebe a manifestação do primarismo ideológico — não na avaliação mais mansa que têm do ministro, mas no rancor que secretam contra Lula.

ESTUPIDAMENTE REACIONÁRIOS
"Uzmercáduz" que falam na Quaest são estupidamente desinformados. Convém fazer um teste antes de deixar o seu dinheiro nas mãos de estranhos. Nada menos de 64% dizem que a imagem do Brasil no exterior piorou com a posse de Lula, o que é de uma ignorância abismal. Vejam o que aconteceu na reunião do G20. Lula emplacou todas,

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Mas o pior vem agora. Essa gente que deve se orgulhar de saber fazer contas e que repudia mágicas na economia; que gosta de encher a boca para falar em previsibilidade e segurança jurídica; que se quer o promontório da racionalidade... bem, os valentes têm seus prediletos na eleição: numa simulação em que Lula e Bolsonaro fossem candidatos, 12% votariam no petista, e 80% no golpista. Se Tarcísio-Não-tou-Nem-Aí-Olhem-os-Números for o nome da direita, ele leva 93%, contra apenas 5% de Lula. Nos mercados, Ronaldo Caiado também ficaria com a taça contra o atual presidente: 91% a 7%. Nada menos de 65% poderiam escolher o coach Pablo Marçal contra o petista (17%).

Eu sempre me comovo quando lembram que também as donas de casa e os trabalhadores compõem "uzmercáduz". Nem elas nem eles são chamados a opinar na imprensa sobre, por exemplo, o pacote de corte de gastos ou a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. E não respondem pesquisa na condição de "mercado financeiro". Gente capaz de votar em Marçal para a Presidência da República dita a opinião na quase totalidade do jornalismo econômico.

CONCLUO
Há um pedaço do Brasil que "não está nem aí" se um pobre é jogado de uma ponte como se fosse um saco de lixo. E que acha que uma política econômica que reduz o desemprego a taxas históricas, que contribui para diminuir a desigualdade, que retira milhões da miséria e da pobreza, que atrai investimentos e que concorre para a recuperação da indústria, bem, tal polícia está no rumo errado. Um coach picareta e milagreiro poderia fazer bem mais por seus anseios. Mas cumpre sempre ressalvar: a sua primeira opção ainda é o golpista. Ele, sim, conseguiu levar adiante o caos restaurador.

Para que esses caras falem numa pesquisa — não conheço os valentes que compõem o universo pesquisado e tampouco quero —, infiro que componham a elite do seu setor.

Uma elite que se mostra, de fato, a escória do Brasil.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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