2026 começou nesta 4ª com dólar a R$ 6,27. Ou: Bell'Antonio da delinquência
2026 começou nesta quarta. Reitero o que afirmei ontem aqui: só uma de duas coisas contenta a tigrada: ou Lula repete o destino de Dilma e não completa o mandato ou se arrasta até 2026 e transfere a Presidência para "o ungido" pelos "mercáduz". Política se faz de ação e reação, e é improvável que seja assim tão fácil levar o butim como a turma da fuzarca imagina.
Como vai terminar? Não tenho bola de cristal.
Uma coisa é certa. Não há deterioração de fundamentos da economia que justifique dólar a R$ 6,27. Trata-se de um movimento concertado, que contou até com "fake news", que circulou entre operadores de mercado, sobre declarações que Gabriel Galípolo nunca deu.
Não chame o que está em curso de "ataque especulativo" porque ofende os nossos "sommeliers" de ataques especulativos — afinal, isso poderia aliviar um pouco a culpa dos ombros do presidente, e ele tem de ser o culpado, ou não se realiza o desiderato lá do primeiro parágrafo.
Até o economista americano Mohamed El-Erian, presidente do Queens' College da Universidade de Cambridge e consultor-chefe da Allianz e ex-CEO da Pimco, comentou o despropósito brasileiro na X:
"Os mercados locais brasileiros estão experimentando um desses 'overshoots' [reação exagerada que causa desvalorização elevada no curto prazo] clássicos de economias emergentes, nos quais um gatilho fundamental se combina com fatores técnicos ruins para causar uma liquidação que se retroalimenta".
Qual "o gatilho"? Bem, existe, claro!, a questão fiscal, mas "os fatores técnicos" estão relacionados a um movimento irracional — o que não quer dizer que não seja, em muitos aspectos calculados; é irracional porque inexplicável segundo os fundamentos conhecidos. E aí o economista pondera: "A disputa agora é entre os circuit breakers [interrupções nas negociações quando há quedas abruptas em um mesmo dia] e os fatores técnicos ruins contaminando os fundamentos econômicos".
O Brasil dispõe de reservas cambiais para vencer esse braço de ferro. E, como escreveu o poeta, no caso, "final força é pisar com violência". Ou o uso moderado da ferramenta vai acabar servindo para alimentar os especuladores. Existindo as armas, e há, é preciso entrar para vencer o confronto.
O CULPADO
Dois anos de governo Lula, com suas inequívocas conquistas -- e a reforma tributária, ainda que longe do ideal (mas onde é que ele se esconde?) não é a menor delas --, se resumem, para a turma da pesada, à trajetória da dívida pública: ou o governo que aí está apresenta uma resposta agora ou... Lendo-se isso ou aquilo, tem-se a impressão da iminência do desastre.
O que esperava isso a que se chamam "mercados" — e seus porta-vozes em todo canto — do pacote de corte de gastos apresentado pelo governo? A pedra filosofal do que se entende por "equilíbrio fiscal"? Mantenho a minha procura cotidiana sobre "o que fazer". São poucos os que ousam dizer com todas as letras o que querem.
Os bacanas não se atrevem a propor um corte drástico nos mais de R$ 500 bilhões de subsídios e desonerações que atendem aos nababos — muitos deles, a esta altura, comprando dólares no mercado futuro. Os alvos de sempre são a Previdência e os gastos com Saúde e Educação — e se destaque, de qualquer modo, que o conjunto de medidas mirou no reajuste do salário mínimo, nos critérios para a concessão do Benefício de Prestação Continuada e no pagamento de abono.
Leiam as notícias a respeito. Mesmo as medidas consideradas "modestas" estão sendo, para empregar palavra corrente na imprensa, desidratadas pelo Congresso — não sem a chantagem explícita: a aprovação vai custar alguns bilhões em emendas.
A propósito: na proposta original do governo, em caso de queda de arrecadação ou de frustração de receitas, poderia haver o bloqueio de até 15% das emendas parlamentares, que somam estratosféricos R$ 50,5 bilhões. Mas isso pareceu demasiado para os nossos patriotas. As emendas impositivas (individuais e de bancada) foram preservadas, e só será possível, se preciso, reter 15% das emendas de comissão, que somam R$ 11,5 bilhões. O país pode ir à breca, mas não essa fonte permanente de escândalos em que se transformaram as emendas parlamentares. Por meio delas, o Executivo foi sequestrado. Também a PEC para limitar supersalários está sendo submetida a patranhas.
Assim, se nem o pacote dito "tímido" de corte de gastos não passa incólume pelo Congresso, o que poderia fazer Lula, "o grande culpado", para conter os gastos? "Ah, mas o erro está no arcabouço..." Ocorre que também ele não é um ato unilateral do Executivo.
CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
A cada vez que alguém sente a tentação de dizer que a decisão está nas mãos de Lula, um mínimo de honestidade intelectual deveria compelir o autor a esclarecer: e o que se tem de fazer é tal coisa. E tal elucidação deveria contemplar a possibilidade de a proposta ser ou não aprovada pelo Congress.
Em vez disso, surgem explicações frouxas como a parolagem de que, ao acenar com a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, Lula teria enfraquecido as medidas. Mas por quê? Ficou claro que a proposta está condicionada a uma compensação de arrecadação — se acontecer. "Ah, mas como é que Lula dá uma entrevista ao Fantástico e critica o Banco Central?" O BC é autônomo. O livre exame da Bíblia, afinal, é coisa do Século XVII...
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Quero receber"Queremos que Lula desvincule a Previdência do salário mínimo e que promova um corte radical nos Orçamentos de Saúde e Educação". Em primeiro lugar, esse presidente é outro — e 2026 vem aí. Espera-se que não falte o candidato que a tanto se proponha. Em segundo lugar, tais medidas demandariam o concurso do Congresso Nacional.
FAZER CUMPRIR A PROFECIA
Em dois anos, o governo retomou os programas sociais, aprovou o arcabouço fiscal -- que pode ser aprimorado -- e conseguiu levar adiante a reforma tributária, uma demanda de décadas; também nesse caso, diga-se, sofreu alguns reveses, mas a coisa caminhou. A economia teve um crescimento robusto, com desemprego historicamente baixo. A inflação está um pouco acima do teto superior da meta, mas é uma mentira descontrolada que esteja fora de controle.
Acontece que o "desastre desse governo" foi antecipado em novembro de 2022, antes de Lula tomar posse, quando ele negociava a PEC da transição, e Bolsonaro negociava o golpe. E, de lá para cá, não houve refresco. Quando o pacote do corte de gastos se fez acompanhar do anúncio da pretensão de isentar o IR de quem recebe até R$ 5 mil, a engrenagem de desestabilização começou a funcionar. A pesquisa Quaest apontando Lula como franco favorito para a reeleição alimentou os furiosos. O dólar só cedeu um pouco quando essa gente honrada achou que o presidente poderia morrer. Afinal, a profecia tem de se cumprir.
2026 começou nesta quarta. A verdade é que não se quer dar uma resposta à questão fiscal porque a movimentação é política. O fantoche que faria a vontade de quadrilhas que operam dentro e fora do Congresso ainda não tem cara. Mas os que anseiam por ele sabem muito bem o que querem. Vamos ver se o Bell'Antonio dessa delinquência organizada terá a coragem de vocalizar a pauta de seus senhores na campanha eleitoral: "Prometo que, se eleito, vou pôr fim à farra do reajuste real das aposentadorias, do salário mínimo, da Saúde e da Educação"...
Mal posso esperar para ver.
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