Bolsonaro, Eduardo nos EUA, "touca de um bebê sem cabeça" e fuga do "Mito"
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Ah, não, queridos! Eu não tenho nenhuma apuração de bastidores sobre o que Jair Bolsonaro disse ou pensou diante do espelho quando se fez o anúncio de que Eduardo (PL-SP), o filhote deputado, sócio de uma holding nos EUA, que faz não entendi o quê, decidiu ficar no Texas. Qualquer coisa que ele me dissesse em "on", para ser publicada, seria só parte de uma estratégia, que teria de ser desvendada, ou eu não a publicaria porque isso é trabalho de assessor de imprensa. Um "off" com ele não rolaria... Eu jamais recorro à fórmula "fulano disse a interlocutores"... Eu a considero ridícula: se não falou comigo, por que eu confiaria em "interlocutores", caso existissem? Adiante.
Não estou aqui a desconfiar ou a mangar da apuração de ninguém, mas me permitam dizer uma coisa: essa gente — a família nuclear e agregados — pode ser ignorante, estúpida, grosseira, inculta, cafona, truculenta, reacionária, obscurantista, leviana, retrógrada, golpista, biscateira (e eu poderia passar horas aqui a listar adjetivos), mas nunca se deve partir do pressuposto de que seja burra. A suposição de que inexista um núcleo decisório familiar, de que ninguém mais participa, além e pai e filhos — até Michelle está fora (e tendo a crer que Jair Renan também, por motivos eloquentes) —, parece-me uma bobagem formidável.
Tenhamos um pouco de amor aos fatos e às suas consequências. Pensem o que implica a permanência de Eduardo nos EUA, dado o propósito tonitruado — denunciar a suposta "ditadura" em curso no Brasil, liderada pelo STF (por Alexandre de Moraes em particular) —, e agora se perguntem se o dito Zero Três tomariam tal decisão sem a anuência do chefe do clã. Até a quinta-feira, eu só tinha uma dúvida: se a defesa técnica de Bolsonaro era caudatária e, se me permitem o vocábulo, conivente com a decisão. Agora não tenho mais. Sim, é.
Cunha Bueno, um dos defensores do ex-presidente, participou da live comemorativa dos 70 anos do cliente, na presença do senador Flávio Bolsonaro e com a participação remota de Eduardo, e todos meteram bronca, claro!, no processo em curso no Supremo. Não esperava que falasse bem, é evidente, mas é sempre um momento um tantinho constrangedor para o direito quando um advogado resolve fazer proselitismo no Youtube, em parceria com o fujão.
Dado o conjunto da obra — fuga, "live", denúncia à OAB de suposto cerceamento do direito de defesa —, é evidente que estamos diante de uma construção que busca recobrir o julgamento com o manto de uma suposta ilegitimidade. "Ah, tudo se faz em tempo recorde..." Pois é. A PF indiciou Lula no caso do tal tríplex no dia 26 de agosto de 2016. No dia 14 de setembro, três semanas depois, os procuradores da Lava Jato apresentaram a denúncia contra o petista (episódio vil do "powerpoint", lembram?), aceita por Sergio Moro seis dias depois, em 20 de setembro daquele ano. O então juiz condenou Lula no dia 12 de julho de 2017. Foram 11 meses entre o indiciamento feito pela PF e a condenação. No mesmo ritmo, o destino de Bolsonaro estará selado em outubro. Faço essas contas apenas para ilustrar. O que me importa é saber se há arbitrariedade no processo, como, por exemplo, conluio entre procuradores e juiz ou condenação sem prova. Volto ao ponto.
"Será que Bolsonaro sabia que Eduardo decidira se mandar?" Vou ter de responder com uma outra indagação: "Como não saber?" Não fosse assim, seria Eduardo o chefe, e mau chefe, do clã, não o Jair. Essa conversa, como disse o poeta, "é oca como a touca de um bebê sem cabeça"...
Mantida a decisão do ainda deputado, que hoje se articula com membros da extrema direita trumpista para que os EUA, imaginem só!, "punam o Brasil", é claro que estamos diante de uma possibilidade bem mais concreta do que em qualquer tempo de que Bolsonaro decida fugir do país para não cumprir a possível pena imposta por um tribunal cuja legitimidade nem pai nem filho reconhecem.
Eis aí outro elemento realmente ímpar nestes tempos estranhos. Os advogados encarregados de fazer a defesa técnica — e um deles, incrivelmente, participa de "live" com proselitismo contra o tribunal e contra urna eletrônica, além, claro!, de ajudar a vender capacetes... — operam num ambiente de depredação da reputação do STF, que só teria um modo de se redimir: absolvendo os réus, especialmente "o" réu.
É claro que Bolsonaro sabia de tudo e que se trata de uma estratégia. Nem ele nem ninguém me contaram isso nem em "on" nem em "off", hipótese em que, aí sim, eu teria de desconfiar.
Como é mesmo? Disse aquela raposinha: "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos"... Não serve para o caso. Ficamos assim: "Em política, só se vê bem com a razão, que aproxima o essencial do óbvio". Eis uma das diferenças entre "O Pequeno Príncipe" e o "O Príncipe"... Aí alguém indagaria: "Mas isso aí está no livro de Maquiavel?" Desse jeito, não. Mas está de vários outros modos.
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