Rodrigo Ratier

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Opinião

A série 'Adolescência' e uma defesa das aulas presenciais

"Pode ser online?", pergunta um estudante, reagindo ao meu anúncio de uma aula na véspera do feriado. Não, não pode: a universidade é pública, o curso é presencial e inclusive vamos desligando esse celular. Já que estamos aqui, que estejamos plenamente.

A resposta idealista em defesa da presença tem uma série de furos. A começar pelo aspecto legal. Em 2019, o Ministério da Educação (MEC) aprovou uma inacreditável portaria que liberava —e libera até hoje— 40% de aulas a distância em graduações presenciais. É isso mesmo: em um curso de cinco dias semanais, em dois deles você terá aula por uma tela, talvez com professor ao vivo ou nem isso —um conteudista genérico em versão pré-gravada. Estelionato, a gente vê por aqui.

Também é difícil defender do ponto de vista pedagógico. Ao menos se considerarmos as aulas tradicionais. Se é para ficar ouvindo um professor falando e falando, passando slide atrás de slide, sem interação, não faz sentido exigir o deslocamento até a faculdade — em alguns casos, estamos falando de viagens que podem durar mais de duas horas ida e volta. Deixemos alunos e professores de pijama no quarto.

Pois assim está a vida do professor no pós-pandemia: não basta dar aulas, é preciso convencer a audiência —para além da famigerada lista de presença —que elas valem a pena.

O movimento exige um repensar da educação para mostrar que ela não se restringe à transmissão de informações. O ideal é que os questionamentos crescentes levem o ensino presencial a se reconfigurar em sua essência. A questão é de conteúdo, mas sobretudo de metodologias: como fazer com que estudantes que se dispuseram a sair de suas casas para estudar encontrem um ambiente desafiador, em que possam exercitar suas hipóteses para resolver problemas? Como favorecer o potencial do grupo na busca por essas soluções?

As respostas geralmente estão no campo do que se convencionou chamar de "metodologias ativas", mas mesmo nessa seara há bastante mistificação. Não é preciso um game ou uma "aula invertida" para mobilizar um estudante para o estudo.

Exemplos virtuosos para o ensino de jovens e adultos vêm de um lugar insuspeito: a educação infantil, onde as crianças são mais livres para imaginar e colocar em jogo suas hipóteses sobre o mundo. Pouco a pouco, a educação vai controlando, disciplinando, tolhendo o livre pensar e a criatividade. O que é uma pena.

A tarefa é conceber aulas que tenham questões significativas —que podem ser concretas ou mais abstratas— para provocar a pensar. Perguntas que não sejam simples demais a ponto do desinteresse, nem complexas demais a ponto de nem sequer fazer sentido.

Parece difícil e é: por isso o professor e a professora precisam ser tratados como profissionais dotados de um saber específico — não à toa faz-se faculdade para lecionar mesmo na educação infantil. Educar é uma tarefa cada vez mais complexa que exige profissionais à altura.

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Há, ainda, uma outra vantagem que vem "de graça" no presencial, mesmo nas aulas mais unidirecionais. Algo que costuma ser mais notado pela falta do que pela presença. A onipresente série "Adolescência" é exemplo disso, com a dolorosa pergunta dos pais do menino de 13 anos suspeito de ter matado uma colega: poderíamos ter feito mais?

Como se aprende basicamente pelo exemplo, observar como o professor ou um colega mais experiente se porta diante de um problema é enriquecedor. Às vezes, aprende-se pelo contraexemplo, o que é igualmente importante.

Aprende-se também na chamada interação espontânea, como nas trocas de ideias informais. Brainstormings e soluções de problemas complexos muitas vezes surgem do famoso encontro no cafezinho.

Aprende-se sobretudo pela construção de vínculos. A convivência fortalece relações entre alunos e entre estudantes e professores. Vão se desenvolvendo habilidades essenciais para o convívio social. Nos casos virtuosos, aprimoram-se a escuta e olhar. Eventuais problemas ficam mais evidentes. Se alguém não está bem, pode ser amparado, socorrido, orientado. Porque as pessoas buscam isso. Na falta do presencial, vão buscar na internet.

O presencial é a chance de fazer mais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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