Reinaldo Azevedo

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Opinião

Bolsonaro e outros viram réus. Não deixemos que sapos nos olhem com desdém

Pois é...

Até os que, a exemplo dos jornalistas que acompanham a política, têm a atenção e o olhar treinados para determinados temas, como a defesa das instituições — sim, há os espíritos de porco que, sob o pretexto da pluralidade sustentam que também isso está em debate —, correm o risco de se esquecer da gravidade de determinados fatos. De tal sorte, nesta era das redes e de ascensão da extrema direita fascistoide, estamos expostos a absurdos que nossa percepção pode acabar ficando um tanto embotada, a exemplo daquela história falsa, mas que serve de ilustração, segundo a qual o sapo se deixa matar na água quente, sem reagir, se a temperatura for elevada aos poucos. Não é para testar, claro! — deixem os sapos em paz —, mas isso é mentira. Se tiverem condições, eles se mandam. Pudessem contar histórias, talvez fossem os batráquios a dizer: "Esses humanos vão se acostumando com tudo, inclusive com a rotina de discursos e práticas golpistas".

E, convenham, de certo modo aconteceu nos quatro anos de Jair Bolsonaro, com os "semileais à democracia" — na expressão do espanhol Juan Linz — a nos convidar a considerar que o leão era manso; que essa conversa de que Jair Bolsonaro agredia a democracia era estridência de esquerdistas; de que a acusação não passava de certa histeria industriada das esquerdas, especialmente dos petistas; que se tratava de manifestação do lulismo para poder polarizar — essa palavra estúpida! — com o bolsonarismo, asfixiando, desse modo, o centro. Essa burrice enjoada continua por aí, admitam. Não por acaso, o sonho de consumo ideológico dessa gente é o "candidato Tarcísio moderado" em 2026. Ele faz questão de dizer que moderado não é, mas os "homo-sapos" desta alegoria insistem: "é, é, é, é..." , à beira do brejo institucional.

REAVIVANDO A MEMÓRIA
O que nos trouxe a sessão de julgamento da denúncia apresentada pelo excelente Paulo Gonet, procurador-geral da República, sintetizada com brilho e precisão pelo relator, Alexandre de Moraes? A nudez crua da verdade --que já podia, sim, ser vista sob o véu da hipocrisia, porque, afinal, ele era diáfano e não conseguia encobrir a realidade. Mas, ainda assim, muitos faziam questão de fingir normalidade diante das aberrações do bolsonarismo e da pressão que este aprendeu a exercer sobre a imprensa -- e alguns setores têm se deixado pressionar gostosamente.

Estava ali, no voto de uma hora e cinquenta minutos de Moraes, a urdidura golpista, com todos os seus relevos, com suas personagens, com as circunstâncias, com os documentos, tudo conforme exige o Artigo 41 do Código de Processo Penal para o recebimento de uma denúncia em regime, como se diz, de "cognição sumária". Bolsonaro e os sete que compõem essa primeira leva não estavam sendo condenados. O que os ministros disseram? Os crimes existiram e são graves. Há elementos que apontam a vinculação dos denunciados com tais eventos. Logo, têm de ser tornados réus para que a investigação prossiga e se possa verificar se são ou não culpados.

DE ONDE VEM O BERREIRO?
É importante destacar: o alarido provocado por sessões como as desta terça e quarta não deriva do Supremo ou da Procuradoria-Geral da República. Ou alguém viu Moraes, os demais ministros ou Gonet a fazer proselitismo nas redes sociais? Toda a movimentação buliçosa tem origem numa tática de defesa, já apontei aqui, que decidiu pegar carona no, digamos, "esquema Bolsonaro de comunicação", que segue com suas milícias digitais mobilizadas.

Com todas as vênias — e bons profissionais podem fazer coisas erradas ou se deixar enredar pela poderosa máquina de propaganda da extrema direita —, alguns defensores transformaram um juízo de admissibilidade em condenação. As arguições de impedimento, eles sabem disso, buscava emprestar ao processo a pecha de tribunal ideológico, o que é muito ruim. Sabem o que penso quando alguém cobra que um ministro seja considerado impedido ou declare a própria suspeição porque, afinal, foi ameaçado por uma organização criminosa. Costumo dizer trata-se de um conceito haurido da "Escola Italiana de Direito" — não a dos grandes mestres, e não são poucos, mas aquela que tem como inspirações Al Capone e Don Corleone. Voltemos ao leito.

Pegou-se carona no trabalho midiático liderado pelo próprio Bolsonaro, num esforço claro para deslegitimar o tribunal. E doi a defesa a tratar o juízo de admissibilidade como se fosse de condenação antecipada, sabendo que isso expõe o STF a pressões. Mas foi inútil. E será inútil. Os fatos criminosos foram elencados por Moraes de maneira irrespondível, e seus liames com as personagens envolvidas são claríssimos. Se o resultado será ou não condenação, bem, isso não é para agora.

Destaquem-se aqui votos luminosos, impecáveis, de Flávio Dino e Cármen Lúcia. Ambos lembraram que as ditaduras matam. Ele observou que, no dia 31 de março de 1964, não morreu ninguém no Brasil. Ela notou, apelando à história, que as interrupções da normalidade democrática são precedidas de processos de deslegitimação da democracia e das instituições. Coube a Zanin destacar que a denúncia aceita vai muito além da delação de Mauro Cid. E que, dado instituto do concurso de pessoas, que está no Código Penal (Artigo 29), quem concorre para o crime arca com as mesmas penas. Não era preciso estar no Brasil para responder pelo 8 de janeiro.

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"Não vai falar do voto de Luiz Fux?" Vou. Mas em texto especifico. As definições de ideias e voto fora do lugar foram atualizadas pelo ministro. Mas voltarei ao caso.

CONCLUO
Assistimos a um ineditismo nos 40 anos da redemocratização. Nem sempre o inédito é histórico. O que se viu foi inédito e histórico porque nos fala do futuro da nossa democracia, que continuará sob ataque, e a reação de Bolsonaro depois do julgamento o demonstra. Ele confirmou, por exemplo, o que eu já havia noticiado: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, organiza o próximo ato contra o Supremo. "Mas não é pela anistia?" Depois da entrevista do ex-presidente, será contra o Supremo e contra o Poder Judiciário. É assim que alguns dos nossos "patriotas" e "moderados" cuidam da "conciliação".

Não, a gente não é um sapo que se deixa cozinhar em fogo lento. Afinal, já sabemos que o sapo não faz isso.

Não permitamos que os batráquios nos olhem com desdém.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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