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Rubens Valente

Subprocuradores querem barrar campanha do governo contra isolamento social

Frame do vídeo da campanha "O Brasil não pode parar" - Reprodução
Frame do vídeo da campanha "O Brasil não pode parar" Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/03/2020 20h45

Um grupo de 18 subprocuradores da República quer impedir a veiculação de toda a publicidade do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 "que estimule o retorno da população às atividades normais", salvo nova orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Eles também querem a anulação do decreto nº 10.292, de 25 de março, pelo qual o presidente Jair Bolsonaro incluiu "as atividades religiosas de qualquer natureza e as unidades lotéricas" como atividades essenciais.

No dia 24, em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, Bolsonaro atacou a política de isolamento, empregada por vários governadores e prefeitos. No dia seguinte, o governo passou a veicular, em suas contas em redes sociais, mensagens de uma campanha intitulada "O Brasil não pode parar", pelo qual prega o fim da quarentena social e a volta das atividades econômicas.

Os subprocuradores e a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) protocolaram nesta sexta-feira (27) o pedido para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, proponha uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Prevista na Constituição, a ADPF "volta-se contra atos comissivos ou omissivos dos Poderes Públicos que importem em lesão ou ameaça de lesão aos princípios e regras mais relevantes da ordem constitucional", segundo os subprocuradores.

Na peça dirigida a Augusto Aras, os subprocuradores afirmaram que "sem a política de quarentena social, haverá um caos de maior escala, o qual também provocará insuperáveis danos econômicos".

"A extensão e a profundidade dos efeitos da pandemia requerem, dos agentes políticos formuladores de políticas públicas, o uso racional das evidências científicas disponíveis para a tomada de decisões. Ainda que sejam medidas amargas, a seriedade do momento exige coragem e humildade para se recorrer a critérios técnicos na decisão sobre a vida e a morte de parcela substancial da população mundial e brasileira."

"Como dito, os dados científicos mais atualizados são coincidentes em dois sentidos: (a) o contágio do coronavírus covid-19 será amplo em qualquer cenário; (b) a política de quarentena social é a única capaz, neste momento, de retardar a contaminação e, portanto, o acúmulo, em pouco tempo, de casos graves", diz o documento assinado pelos subprocuradores.

Citando estudo do Imperial College, de Londres, os subprocuradores apontam que se "uma política combinada de testagem em larga escala, isolamento de casos e ampla quarentena social for aplicada rápida e sustentadamente, poderão ser poupadas 38,7 milhões de vidas" em todo o planeta.

"O enfrentamento à pandemia depende de um esforço do conjunto das nações, tendo em vista que a grande circulação humana, ultrapassando as fronteiras nacionais, é um dado irrecusável dos dias atuais. Por isso que os grandes países da América e da Europa vêm adotando o isolamento domiciliar de toda a população e controlando as fronteiras: EUA, Itália, Espanha, França, Reino Unido, Áustria, Portugal."

Procurada, a PGR informou que Aras vai analisar e dar uma resposta ao ofício dos colegas no prazo legal de sete dias úteis.

A mobilização dos subprocuradores também revela as pressões de membros do Ministério Público Federal sobre Augusto Aras. Nesta mesma tarde, ele havia arquivado uma recomendação de cinco subprocuradores que pediam que o procurador-geral "enquadrasse" as ações e declarações de Bolsonaro às recomendações da OMS no enfrentamento da epidemia. Aras considerou que o pedido dos subprocuradores não cumpria os requisitos legais e formais para continuar tramitando.

Nos bastidores, membros do MPF alinhados com a gestão de Aras vêem "componente político" na atuação dos subprocuradores.