STF: Maioria decide ser ilegal dossiê contra antifascistas; Marques diverge
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta sexta-feira (13) para declarar inconstitucionais a produção e o compartilhamento de dossiês com informações sobre a vida pessoal e escolhas políticas de servidores identificados com o "movimento antifascista". A existência dos documentos foi revelada pelo UOL em 2020.
O julgamento é realizado no plenário virtual da Corte e, até o momento, oito ministros já votaram contra os documentos — só Nunes Marques divergiu dos colegas até agora. Ainda falta o voto de Gilmar Mendes. Em agosto de 2020, o Supremo suspendeu por 9 votos a 1 a elaboração dos dossiês por considerar que houve desvio de finalidade. Agora os ministros discutem a sua legalidade.
Em seu voto, Nunes Marques disse que não viu ilegalidades porque os relatórios do governo buscavam "prevenir atos que poderiam gerar tumultos e agressões físicas a pessoas, bem como possível depredação do patrimônio público e privado".
Reportagem do UOL publicada em julho de 2020 revelou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública produziu um dossiê com nomes e endereços de redes sociais de professores e servidores públicos que se identificavam como "antifascistas". Em alguns casos, foram feitas até fotografias dessas pessoas.
A Rede Sustentabilidade entrou com ação no STF contra os dossiês e acusou o governo Bolsonaro de promover um "aparelhamento estatal" para realizar "perseguições políticas e ideológicas".
Ao todo, um grupo de 579 professores universitários e servidores teriam sido incluídos no dossiê.
No julgamento iniciado na sexta-passada, e que vai até as 23h59 de hoje, Cármen Lúcia foi a primeira a votar e a única, além de Nunes Marques, até o momento que produziu um voto por escrito. Os demais ministros apenas acompanharam seu posicionamento, sem elaborar um voto próprio.
Cármen se manifestou contra a produção dos dossiês e disse que não houve "contestação objetiva ou direta" do Ministério da Justiça em relação às notícias de elaboração dos documentos.
As atividades de inteligência, portanto, devem respeitar o regime democrático, no qual não se admite a perseguição de opositores e aparelhamento político do Estado. Aliás, o histórico de abusos relatados quanto ao serviço de inteligência acentua a imperiosidade do efetivo controle dessa atividade"
Cármen Lúcia, ministra do STF
A ministra afirmou que é preciso assegurar a "liberdade de manifestação política" para garantir o regime democrático. "É no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência", disse.
O julgamento ainda pode ser suspenso caso o ministro Gilmar Mendes peça vista (mais tempo de análise) ou destaque, manobra que leva a discussão para as sessões presenciais do Supremo.
Acompanharam Cármen Lúcia os seguintes ministros: Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Edson Fachin, Rosa Weber, Roberto Barroso e o presidente do STF, Luiz Fux.
Um dos votos aguardados era o do ministro André Mendonça, indicado de Bolsonaro à Corte, mas ele se declarou suspeito e não participou do julgamento.
Mendonça era o ministro da Justiça e Segurança Pública na ocasião da revelação da existência dos dossiês. Reportagem do UOL mostrou que a atividade era conduzida pela Seopi (Secretaria de Operações Integradas), na ocasião subordinada ao então ministro da Justiça.
Ministros viram desvio de finalidade
Na sessão que suspendeu a produção dos dossiês, ministros do Supremo afirmaram que a atividade caracteriza "desvio de finalidade". O placar ficou com 9 votos a 1, com apenas o ministro Marco Aurélio Mello na divergência.
"A mera possibilidade de existência do dossiê é risco ao qual nunca mais pretendemos nos submeter, acompanhando integralmente a relatora para deferir o pedido de imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do movimento antifascismo e professores universitários citados, por seu evidente desvio de finalidade", afirmou o ministro Edson Fachin.
O ministro Luís Roberto Barroso comparou a produção do dossiê à atuação dos órgãos de inteligência da ditadura militar (1964-1985). Para o ministro, levantamentos dessa natureza só se justificam se houvesse elementos sólidos para supor que o grupo tramava contra o Estado ou as instituições, o que não era o caso.
"O passado do Brasil condena em matéria de utilização indevida dos órgãos de segurança. Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia", disse Barroso.
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