Topo

Rubens Valente

A outra previsão de Osmar Terra que não se confirmou

1º.jan.2019 - O presidente da República, Jair Bolsonaro e o Ministro da Cidadania, Osmar Terra durante cerimônia de posse presidencial no Palácio do Planalto em Brasília - Fátima Meira/Futura Press/Futura Press/Estadão Conteúdo
1º.jan.2019 - O presidente da República, Jair Bolsonaro e o Ministro da Cidadania, Osmar Terra durante cerimônia de posse presidencial no Palácio do Planalto em Brasília Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Futura Press/Estadão Conteúdo

As agências de checagem de dados já classificaram como falsas, distorcidas ou imprecisas previsões sobre número de infectados e comparações com a gripe H1N1 e outros países feitas pelo deputado federal e médico Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania do governo de Jair Bolsonaro. Ele usa esse arsenal para aconselhar o fim do isolamento social no país e o retorno imediato dos brasileiros ao trabalho e às aulas. Mas houve outra previsão que somente agora pode ser revisitada.

No dia 15 de março, um domingo, a "Folha de S. Paulo" estampou em manchete da edição: "SUS nos estados não tem UTIs para enfrentar o coronavírus".

No mesmo dia, Terra foi peremptório na sua página na rede social Twitter, em uma postagem curtida por 5,1 mil pessoas: "Manchete para desinformar e assustar. Teremos sim leitos de UTI necessários para atender demanda do coronavírus. Nossa rede de UTIs é grande e não estamos no inverno. Mas, se necessário, poderemos ampliar essa rede em poucos dias como fizemos na epidemia do H1N1".

Um mês depois, contudo, a manchete se transformou em dura realidade. O UOL informou, nesta segunda-feira (20), que Pernambuco já é o terceiro estado com fila de espera em UTI para casos graves de covid-19. Amazonas e Ceará foram os primeiros.

Na sexta-feira (17), o jornal El País informara que a secretaria de saúde do Ceará havia esgotado a sua capacidade de receber novos pacientes que necessitam de tratamento intensivo com suspeita da covid-19. "100% dos leitos de UTI do SUS estão ocupados", disse a secretaria do Ceará à reportagem.

Na mesma sexta-feira (17), uma reportagem da TV Globo informou que o hospital Emílio Ribas, em São Paulo, "está com 100% dos leitos ocupados e, mesmo assim, recebe mais de cem solicitações de internações por dia". No dia anterior, o chefe da UTI do Emílio Ribas, o médico intensivista Jaques Sztajnbok, havia afirmado ao jornal "O Globo" que os pacientes que não conseguem vaga são orientados a tentar outro local de atendimento.

"Quando você tem uma vaga e cem solicitações de pessoas que você pode não estar vendo, mas cada ficha daquela é um paciente de São Paulo que está precisando, é uma situação ruim. E a escolha não é fácil. Às vezes são três pacientes para a mesma vaga em uma solicitação. Você dá vaga para um e pensa no que aconteceu com os outros. Mas ainda imagina que ele está no sistema, está na rede, e que alguém vai achar uma vaga para esse."

'Poucos dias'

O Ceará ainda tenta criar novos leitos, mas a imensa demanda por equipamentos não havia permitido, até o final de semana, a abertura de 800 vagas previstas. Em Pernambuco, foram criados 204 leitos de UTI exclusivos para a doença, mas nesta segunda-feira a ocupação "já chegou a 99% e não há mais vaga de imediato". "Para liberar uma vaga, só quando um paciente morrer ou tiver alta", informou o UOL.

Ao escrever no Twitter que a ampliação dos leitos poderia ocorrer "em poucos dias", Osmar Terra não levou em conta a dinâmica do comércio mundial de equipamentos e suprimentos de saúde pressionado por uma pandemia e a dificuldade logística de transporte dos bens. Os "poucos dias" podem levar semanas que, no contexto de uma pandemia, podem ser fatais.

A reportagem de março da "Folha" criticada por Terra, assinada pelo jornalista Fernando Canzian, relatava que, "embora na média nacional" o SUS estivesse cumprindo, no limite, a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de ter o mínimo de um leito de UTI para cada 10 mil habitantes, "dois terços deles (17 dos 27 estados) não chegam a isso", segundo dados do Conselho Federal de Medicina a partir de números do Ministério da Saúde e do IBGE.

Nos epicentros da epidemia naquele momento, 15 de março, que eram Itália e Espanha, "a demanda chegou a 2,4 leitos de UTI por 10 mil habitantes". A reportagem apontava ainda que "as piores situações estão nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, as mais pobres e mais dependentes do SUS". Dos três estados que já atingiram o limite em UTIs, dois são do Nordeste (Ceará e Pernambuco) e um do Norte (Amazonas).

'Não é motivo para parar'

A tentativa de desqualificar a notícia se inseria na estratégia de Osmar Terra de minimizar a doença e, assim, convencer seus seguidores a levarem uma vida normal. Essas falas de Terra foram replicadas por milhares de simpatizantes bolsonaristas. Só no Twitter o ex-deputado tem 214 mil seguidores.

Em um vídeo divulgado no dia 9 de março, seis dias antes da reportagem, Terra discursou: "Quero dizer para vocês que não é motivo para pânico. Não devemos deixar o medo nos paralisar. A vida continua, o trabalho continua, as atividades que nós temos que ter devem continuar. A imensa maioria, mais de 95% dos casos, não vai precisar nem de internação hospitalar. Não são casos que exigem um tratamento rigoroso, basta um isolamento. Tomar os cuidados básicos, lavar as mãos é importante para todo mundo. [...] Isso vai ser o suficiente para prevenir. A máscara só deve ser usada por quem está doente ou estiver em ambiente hospitalar. E vamos deixar a vida andar. Mas em três ou quatro meses não teremos mais essa epidemia. E o número de vítimas vai ser pequeno".

No dia 12 de março, Terra voltou à carga. O vídeo teve 60,4 mil visualizações, foi curtido por 7,1 mil pessoas e compartilhado por 1,7 mil internautas. "Eu imagino que em 12, 14 semanas vamos ter o fim da epidemia no Brasil. Não é motivo para pânico, não é motivo para se assustar, para suspender aula, não é motivo para parar a atividade econômica, parar de trabalhar. Se ocorrer no local de trabalho, numa sala de aula, um caso ou outro, se suspende temporariamente naquele local a atividade, para evitar o contágio e depois volta ao normal, a vida segue. A epidemia não deve parar a atividade das relações de trabalho, na área da educação".

As duas postagens do dia 15 de março sobre a capacidade das UTIs foram as únicas de Osmar Terra desde então sobre o assunto. Conforme a epidemia foi se alastrando e os relatos de dificuldades nos hospitais no Brasil foram ficando cada vez mais frequentes, o ex-deputado não voltou a dizer que a rede de UTIs do SUS daria conta da demanda da pandemia do novo coronavírus.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que constava na legenda da foto, a cerimônia de posse presidencial ocorreu em janeiro de 2019, e não 2018. A informação foi corrigida.