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É falso que pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer se tornem rastreáveis

Especialistas, Pfizer e FDA afirmam que não há como vacinas rastrearem pessoas e que não há grafeno na composição dos imunizantes - Jack Guez/AFP
Especialistas, Pfizer e FDA afirmam que não há como vacinas rastrearem pessoas e que não há grafeno na composição dos imunizantes Imagem: Jack Guez/AFP

Do Projeto Comprova

05/11/2021 09h45Atualizada em 05/11/2021 19h20

A Pfizer não patenteou, no dia 31 de agosto de 2021, qualquer sistema de rastreamento de pessoas vacinadas com o imunizante desenvolvido por ela contra a covid-19, como afirma um jornalista em vídeo publicado no Telegram.

Na verdade, existe uma patente emitida nesta data, nos Estados Unidos, que trata do uso de contato digital para aplicação de medidas profiláticas contra doenças infecciosas propagadas pelo ar, mas ela pertence a dois advogados israelenses sem ligação com a Pfizer.

Na prática, o sistema utilizaria sinal de Bluetooth para identificar as pessoas que mais interagem socialmente e priorizá-las na aplicação de medicamentos ou vacinas - este método, segundo os proprietários, resultariam num melhor desempenho epidemiológico.

As demais afirmações feitas ao longo do vídeo também são falsas, como a de que seria possível o rastreamento de pessoas vacinadas por meio de óxido de grafeno "mantido nos tecidos adiposos de todas as pessoas que receberam a injeção". Nem a vacina da Pfizer e nem qualquer outra contra a covid-19 possui essa substância na composição.

Além disso, especialistas ouvidos pelo Comprova afirmam que não é possível rastrear pessoas por meio das nanopartículas de grafeno.

O Comprova também conversou diretamente com a Pfizer, que afirmou ser falso o conteúdo do vídeo, mesma afirmação feita pelas agências reguladoras americana e brasileira, a Food and Drug Administration (FDA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), respectivamente.

Procurado, o autor do vídeo não respondeu ao Comprova, que identificou o conteúdo como falso por ser inventado.

Como verificamos?

A reportagem, inicialmente, foi em busca de informações sobre a composição dos imunizantes desenvolvidos pela Pfizer para combater a covid-19, por meio de consulta da bula do fármaco, disponível no site da Anvisa. O documento não cita, em qualquer circunstância, a presença de grafeno em sua composição.

Na sequência, entramos em contato com a Universidade Federal de Pelotas em busca do contato de um especialista em vacinas, capaz de explicar se é comum ou não a presença da substância citada no vídeo em imunizantes. A instituição nos encaminhou o telefone do professor e vacinologista Odir Dellagostin.

A reportagem também procurou a FDA, onde a vacina foi patenteada, e a Anvisa.

Contatamos, ainda, os donos da patente citada no vídeo, que não pertence à Pfizer, mas sim a dois advogados israelenses — Gal Ehrlich e Maier Fenster —, sócios do escritório Ehrlich & Fenster, especializado em marcas e patentes nas áreas de biotecnologia, dispositivos médicos, física, química, farmacêutica, softwares e sistemas de informação.

Por fim, o Comprova encaminhou mensagem para o autor do vídeo, com o objetivo de saber quais eram as fontes das informações que ele cita na publicação. Até a publicação deste texto, não houve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de novembro de 2021.

Verificação

O que é a patente e o que dizem os proprietários?

No vídeo, o autor do conteúdo cita que uma suposta patente da Pfizer foi aprovada no dia 31 de agosto de 2021, e que se trataria de um sistema capaz de rastrear os seres humanos que receberam a vacina contra a covid-19. Existe uma patente aprovada nesta data, que trata do uso de contato digital para aplicação de medidas profiláticas contra doenças infecciosas propagadas pelo ar. Contudo, ela não pertence à Pfizer e nem a nenhuma farmacêutica.

Os donos da patente são dois advogados israelenses — Gal Ehrlich e Maier Fenster —, sócios do escritório Ehrlich & Fenster, especializado em marcas e patentes nas áreas de biotecnologia, dispositivos médicos, física, química, farmacêutica, softwares e sistemas de informação.

A patente, intitulada "Métodos e sistemas de priorização de tratamentos, vacinação teste e/ou atividades protegendo a privacidade dos indivíduos" (tradução livre), não mantém relação com o rastreio de pessoas vacinadas, nem com o uso de grafeno para localizar essas pessoas por meio de vestígios presentes no tecido adiposo de seres humanos.

A ideia inicial foi concebida, segundo um dos autores, Gal Ehrlich, entre abril e maio de 2020, quando não havia nenhuma vacina disponível contra a covid-19, mas quando já era visível a super-disseminação do Sars-CoV-2.

A proposta é aplicar medidas profiláticas contra doenças infecciosas que se disseminam pelo ar, primeiro, em pessoas que praticam mais interações sociais, a fim de obter um desempenho epidemiológico melhor dessas medidas. Para encontrar essas pessoas, o sistema criado pelos dois advogados utilizaria os sinais de interações por Bluetooth entre celulares das pessoas com mais interações sociais.

"Nossa invenção estipula que medidas profiláticas (incluindo, por exemplo, o uso de medicamentos ou vacinas) para combater uma doença infecciosa nascida em gotícula/ar, nos casos em que as medidas estão em escassez, teriam um desempenho epidemiológico superior se administradas primeiro àqueles que praticam mais interações sociais em comparação com aqueles que estão em risco (por exemplo, idosos, doentes) como é atualmente recomendado pela OMS para as vacinas contra a covid-19, e praticado por todos os governos", afirma Gal Ehrlich, um dos donos da patente, em e-mail ao Comprova.

Ehrlich nega que a invenção tenha relação com a Pfizer ou com qualquer outra farmacêutica. Na verdade, ninguém se interessou ainda em aplicar o modelo desenvolvido pela dupla. "Infelizmente, nem a Pfizer nem ninguém, até agora, manifestou qualquer interesse nesta invenção/patente", disse ao Comprova.

O que dizem a Pfizer e as agências de regulação

A reportagem entrou em contato com a Pfizer para solicitar esclarecimentos sobre como foi elaborada a fórmula da vacina, se o grafeno integra sua composição e também de que maneira foi realizada a patente do imunizante contra a covid-19.

A farmacêutica afirmou que em nenhum momento patenteou qualquer sistema de rastreamento, como afirma a publicação compartilhada no Telegram.

"Com relação às informações que têm circulado em redes sociais e aplicativos de mensagens sobre a vacina ComiRNAty, esclarecemos: a Pfizer não confirma registro de patente e nenhum componente que faça o rastreamento dos vacinados", disse a empresa, em nota.

Também procurada, a FDA respondeu que "essas afirmações são completamente falsas" e que nenhuma vacina aprovada pelo órgão contém os materiais citados nas alegações feitas no vídeo. Acrescentou que a lista de ingredientes nas vacinas pode ser encontrada na Folha de Dados para Destinatários e Cuidadores.

Ainda de acordo com a agência, as orientações para o desenvolvimento da vacina descrevem as recomendações da FDA para medidas de controle de qualidade (aqui e aqui).

Há, ainda, o memorando de autorização de uso de emergência para um produto não aprovado, que inclui informações sobre química, fabricação e controles da vacina, bem como informações sobre a condução de ensaio clínico. Essas mesmas informações, acrescenta, estão disponíveis para a vacina da Pfizer.

Para os imunizantes aprovados há informações mais extensas sobre medidas de controle de qualidade, segundo explica o órgão.

Por fim, a agência indica uma entrevista em áudio postada no YouTube, em agosto deste ano, na qual o médico Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica (CBER) do FDA, fala sobre a desinformação que circula em torno das vacinas, a partir de 9 minutos e 47 segundos.

Segundo ele, um dos maiores desafios para vacinar o público tem sido a quantidade esmagadora de afirmações falsas que circulam sobre vacinas. Marks cita, como exemplos, boatos de que os imunizantes causam infertilidade, que contêm microchips e que podem causar a própria covid-19. "E pior, ouvimos falsas alegações de que milhares de pessoas morreram por causa da vacina. Deixe-me esclarecer que essas afirmações simplesmente não são verdadeiras", declara.

No Brasil, foi procurada a Anvisa, que também informou que a vacina da Pfizer não inclui substâncias como o grafeno e que a composição consta na bula do produto. "É importante destacar que a regulamentação de produtos estéreis é bastante rigorosa em relação à presença de impurezas, inclusive aquelas que possam ser resultantes do processo de produção de medicamentos e vacinas", diz a nota encaminhada ao Comprova.

A bula do imunizante foi registrada na Anvisa no dia 23 de fevereiro de 2021. Diferentemente do que afirma o vídeo, em nenhuma parte do documento a farmacêutica ou a agência reguladora de saúde citam o grafeno como um dos compostos presentes nos imunizantes.

Segundo o documento, cada dose da vacina diluída contém um composto de RNA mensageiro, de cadeia simples, altamente purificado e produzido usando transcrição in vitro, a partir dos modelos de DNA correspondentes. A função dessa fórmula é codificar a proteína S — spike — do SARS-Cov-2 e combatê-lo.

O mesmo imunizante também é composto por excipientes — ingredientes diluídos, de poder terapêutico, utilizados para assegurar a estabilidade dos fármacos —, que incluem sacarose, cloreto de sódio, cloreto de potássio, fosfato de sódio dibásico di-hidratado, fosfato de potássio monobásico e água para injetáveis.

Afinal, o que é o grafeno?

Mencionado como o material que está revolucionando a tecnologia, o grafeno é uma das formas do carbono, extremamente fino, resistente, transparente e leve, além de ser capaz de conduzir correntes elétricas. O foco neste elemento se assemelha à revolução associada às descobertas do plástico e do silício.

Formado por carbono puro — também presente no diamante —, o material é obtido por meio da extração do grafite, um dos materiais mais abundantes da Terra.

Presente desde o lápis até painéis fotovoltaicos, o uso do grafeno rendeu o Nobel da Física de 2010 ao cientista russo-britânico Konstantin Novoselov e ao cientista neerlandês Andre Geim, ambos da Universidade de Manchester, na Inglaterra.

De acordo com o vacinologista e professor da UFPel, Odir Dellagostin, o grafeno é uma das formas cristalinas do carbono, com inúmeras aplicações, que vão desde a indústria têxtil, até a área de construção civil, passando por novos materiais.

"O óxido de grafeno é uma nanopartícula que vem sendo estudada como aditivo em fármacos e até mesmo como adjuvante de vacinas, tendo demonstrado resultados promissores. Porém, o grafeno não está presente nas vacinas contra a covid-19", explica Dellagostin, ao comentar sobre as afirmações falsas do vídeo aqui verificado.

Além disso, a nanopartícula presente nas vacinas da farmacêutica Pfizer é composta de lipídio, não de grafeno, segundo informações presentes na bula dos medicamentos e confirmadas pelo professor.

O vacinologista afirma ainda que, por não estar presente na composição dos imunizantes contra o coronavírus, não é possível detectar o grafeno em um organismo vacinado.

"Grafeno é uma nanopartícula, que vem sendo testada como adjuvante — espécie de auxiliar — de vacina, mas que não está presente ainda em nenhuma vacina. Não há como detectar grafeno no organismo vacinado".

O especialista desmente o vídeo do suposto jornalista que afirma ser possível rastrear pessoas por meio das nanopartículas de grafeno. "Não há nenhuma forma de 'rastrear' pessoas por meio destas nanopartículas. Creio que o boato surgiu pelo fato de que estas vacinas têm nanopartículas lipídicas na sua composição".

Essas nanopartículas são pedaços microscópicos de gordura, que contêm um RNA mensageiro, fragmento genético com instruções para que células do corpo humano produzam a proteína Spike do SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19. A mesma explicação sobre a composição de imunizantes foi dada em uma verificação da Agência Lupa.

De acordo com o professor, estudos conduzidos pela UFPel têm testado nanotubos de carbono — um derivado do grafeno — como adjuvante das vacinas. Os resultados foram promissores, mas Dellagostin ressalta que para ser possível chegar a um produto comercial e seguro, serão necessários mais estudos.

"Há ainda uma preocupação com os riscos que estas partículas nanométricas podem ter no organismo. Esta é a única preocupação".

Patentes para medicamentos nos Estados Unidos

O FDA explica que as patentes são um direito de propriedade concedido pelo Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos (Upsto) a qualquer momento durante o desenvolvimento de um medicamento e pode abranger uma ampla gama de reivindicações.

As informações relacionadas às patentes de medicamentos devem ser submetidas via formulários para que sejam indexadas no Orange Book, uma base de dados que contém informações sobre medicamentos coletadas desde 2013.

No caso das vacinas, como a ComiRNAty, as informações são depositadas em outro banco de dados, identificado como Purple Book, que reúne os produtos biológicos licenciados pela FDA, incluindo produtos biossimilares e intercambiáveis.

Sobre o autor

O autor do vídeo é o jornalista Claudio Lessa, que passou por diversos veículos de comunicação até o início dos anos 2000, quando foi aprovado em um concurso para a Câmara dos Deputados.

Conteúdo postado por ele anteriormente já foi alvo de verificação do Comprova. A reportagem tentou entrar em contato com Lessa, pelo Facebook, mas ele não respondeu até esta publicação.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo aqui verificado teve 16 mil visualizações até o dia 4 de novembro de 2021.

Ao associar o nome de Lula ao comando da Folha, o post tenta descredibilizar tanto o político quanto o jornal - ambos são alvos de ataques frequentes de Bolsonaro.

Descredibiliza também o Datafolha, instituto que, em sua última pesquisa, publicada em 17 de setembro, mostrou Lula à frente de Bolsonaro tanto no primeiro quanto no segundo turno do pleito presidencial de 2022. Os cidadãos têm o direito de apoiar o candidato que quiserem, mas é perigoso para a democracia quando a opinião é formada com base em conteúdos falsos, como estes.

Como já informado, esse conteúdo já foi checado pela Folha e por agências como Lupa, Boatos.org, Aos Fatos e Observador.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.