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Destruída em 1969, São José da Laje (AL) ignora proibição de construir à beira do rio e revive tragédia

Casas ficaram bastante danificadas à beira do rio Canhoto, na cidade de São José da Laje, em AL - Beto Macário/Especial para o UOL
Casas ficaram bastante danificadas à beira do rio Canhoto, na cidade de São José da Laje, em AL Imagem: Beto Macário/Especial para o UOL

Carlos Madeiro<br>Especial para o UOL Notícias<br>Em São José da Laje (AL)

28/06/2010 07h15

Quando o nível do rio Canhoto começou a subir no fim da tarde da sexta-feira, 18 de junho, os moradores de São José da Laje inevitavelmente lembraram da enchente de 1969, maior tragédia – em número de mortos – já registrada em Alagoas.

No dia 14 de março daquele ano, após a festa do padroeiro da cidade, São José, o nível do rio Canhoto subiu de forma rápida e silenciosa. Eram por volta das 2h da manhã quando os cerca de 12 mil moradores à época se depararam com uma cidade completamente inundada.

Segundo dados da prefeitura, 1.264 casas foram destruídas e cerca de 1.200 pessoas morreram naquele ano. O número de vítimas nunca pôde ser precisado, já que boa parte dos corpos nunca foi encontrada. O motivo daquela tragédia foi o mesmo de 2010: chuva em excesso na cabeceira dos rios, no agreste setentrional de Pernambuco.

A diferença é que, apesar dos 5.200 desabrigados ou desalojados, ninguém morreu. Mesmo assim, duas pessos desapareceram e 386 casas foram destruídas e mais de mil ficaram danificadas. Os moradores afirmam que o nível da água este ano superou a marca de 41 anos atrás.

Ex-prefeito proibiu construções

Vice-prefeito em 1969, Osvaldo Timóteo, 80 anos, contou ao UOL Notícias que a tragédia trouxe lições. Eleito prefeito seis meses após a enchente, ele foi o responsável pela reconstrução da cidade e conta que tomou medidas para melhorar a área urbana e oferecer segurança aos moradores.

“Eu baixei um decreto em 1970 e proibi qualquer construção naqueles locais onde o rio alcançou. Fiz o novo centro em uma parte alta, pensando no futuro, com ruas largas. Dividi a cidade em três centros: o comercial, o administrativo e o residencial”, explicou.

Mas segundo ele, a lei não foi levada a sério pelos governantes seguintes e as construções foram voltando. “Só aconteceu destruição aqui este ano porque prefeitos que me sucederam deixaram construir de novo na área que proibi. Se tivessem respeitado o decreto, ninguém tinha perdido nada, como foi o nosso centro aqui em cima, que não teve nenhum prejuízo. Mesmo assim, salvei muitas vidas em 2010 com aquele decreto”, disse Osvaldo.

O ex-prefeito explica que, ao contrário daquela tragédia, a enchente dos rios em Alagoas desta vez aconteceu durante o dia. “Em 1969 a cidade dormia depois de uma festa. Estava escuro, não deu para ver. Eu perdi tudo, tive o terceiro maior patrimônio destruído entre todos da Laje”, explicou.

Segundo ele, apesar da desolação que atingiu municípios como Branquinha, Santana do Mundaú e Quebrangulo, que tiveram mais de 60% das áreas urbanas destruídas pelas águas, é possível reconstruir uma cidade e aproveitar o momento para planejar um município melhor. “Dou sempre o exemplo de que é possível reconstruir para aprimorar. A Laje até hoje é uma cidade moderna para os padrões da região”, gaba-se o ex-prefeito.

Relatos da tragédia

Em 1969, segundo relatam os jornais da época, 10% da população morreu e mais de 50% ficou desabrigada com a cheia. “Quando acordamos às 2h da manhã, a água estava com quase um metro dentro de casa. Não teve como salvar nada. Nós sobrevivemos porque tinha um caminhão parado na frente e subimos nele”, relatou Núbia Cardoso, que tinha oito anos à época da tragédia.

Ela conta que das 11 pessoas que moravam na casa ao lado, apenas uma escapou com a vida. “Seu Juvenal ficou preso a um portão e conseguiu sobreviver por isso, mas ele perdeu os 10 filhos. Ele morreu pouco depois por cachaça. Ele não parava de chorar lembrando”, contou.

Segundo as testemunhas, o nível do rio atingiu o auge por volta das 3h da manhã. “Não teve bombeiro, polícia, nada que veio nos ajudar naquela hora. A cidade apagou e ninguém conseguiu salvar nada”, contou o aposentado Joaquim Lopes, 66.

A jornalista Eliane Aquino era criança quando a tragédia aconteceu, mas não esquece as imagens da tragédia. Ao lembrar daquele dia, ela comparou as cenas da Laje com as do filme Titanic. “Os corpos boiavam, todos estavam desesperados, gritavam com a força da água. Foi uma coisa horrorosa, só mesmo um filme para retratar aquela história”, afirmou.

Na sexta-feira 18, a lembrança da tragédia foi inevitável para quem teve a casa inundada novamente. “Meu filho de 13 anos perguntou: ‘mãe, nós vamos morrer’. Foi o pior momento. Ficamos ilhados na varanda por várias horas”, afirmou Núbia Cardoso, assegurando que a enchente de 2010 foi maior que a de 1969.

Ao menos 28 municípios foram atingidos, dos quais 15 decretaram estado de calamidade pública e quatro estão em situação de emergência. Permanecem sem abastecimento de água as cidades de Branquinha, Murici, Paulo Jacinto, Capela e Jacuípe.

Cidades que decretaram calamidade pública