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Após assassinato de 20 moradores de rua em AL, Brasil pode ser denunciado por violação de direitos humanos

Carlos Madeiro<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>Em Maceió

15/10/2010 13h02

Uma onda de assassinatos de moradores de rua já deixou 20 mortos somente este ano em Maceió (AL). O último caso foi registrado na quarta-feira (13) e vitimou um jovem conhecido como “Jesus”. Segundo perícia inicial do Instituto de Criminalística, ele foi morto a pedradas ou pauladas – a mesma forma da maioria dos outros homicídios. Esse foi o segundo caso registrado no mês de outubro.

As mortes, no entanto, não trazem problemas apenas estaduais, mas também federais. Segundo o coordenador nacional do Comitê Intersetorial de Acompanhamento, Monitoramento e Políticas Públicas Para a População de Situação de Rua, que faz parte da Secretaria de Direitos Humanos, Ivair Augusto, o Brasil deve ser denunciado por violação dos direitos humanos. Ele estará em Maceió no próximo dia 21 para se reunir com autoridades locais e definir políticas de ação para os sem-teto.

“Esse número de assassinatos é assustador e com certeza fará com que o país seja denunciado nos relatórios por violação aos direitos humanos, que são entregues a organismos internacionais. Estou me antecipando ao problema, evitando que só tomemos uma iniciativa quando chegar a denúncia formalizada”, disse Augusto, em entrevista ao UOL Notícias.

As mortes estão sendo investigadas, em caráter sigiloso, por um grupo de três delegados designados pela Polícia Civil no mês passado. Além disso, como há suspeita da existência de um grupo de extermínio, o MPE (Ministério Público Estadual) repassou as investigações ao Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também designou um advogado para acompanhar as apurações do crime. As principais linhas de investigação passam por acerto de contas com traficantes, brigas por espaço ou a atuação de um grupo de extermínio.

Augusto disse que já recebeu um relatório do movimento nacional de população de rua sobre os assassinatos em Maceió e que já pediu informações à Secretaria de Estado da Defesa Social sobre as investigações dos crimes. “Foi descrito um quadro difícil, de mortalidade mal explicada e com pouco acompanhamento. Estou agora esperando os laudos para ter mais detalhes dessas mortes”, afirmou.

Segundo o coordenador nacional, durante a visita a Alagoas ele vai conversar com o procurador-geral de Justiça, Eduardo Tavares, e com autoridades dos governos estadual e municipal. “Eu não só vou acompanhar, como vamos também ver de que forma o governo federal pode ajudar nesse processo”, disse.

Cadastro
Na madrugada desta quinta-feira (14), o MPE deu início a um cadastramento dos moradores de rua. Foram visitados os bairros do centro e da Levada, onde ocorreu a maioria dos crimes.

Mas, segundo o promotor Flavio Gomes da Costa, que acompanhou a visita aos sem-teto, a operação acabou sendo suspensa por conta da quantidade de crianças e adolescentes que faziam uso de crack. “Nós apreendemos 17 menores de idade usando drogas e sozinhas. Tivemos que mudar o foco e acionar o conselho tutelar, pois se tratava de um risco iminente.”

O promotor explicou que as primeiras entrevistas com os sem-teto apontam para um “medo extremo” dos moradores de rua da capital alagoana de serem assassinados. “Eles têm conhecimento dessas mortes e afirmam que algumas delas é fruto de brigas entre eles, mas também falam de vigilantes da região que intimidam, expulsam eles dos locais. Eles estão muito temerosos”, disse.

Flavio Gomes afirmou ainda que a maior preocupação hoje é com a falta de documentos dos moradores de rua, o que impede o Estado de incluir os denunciantes em programas de proteção a testemunhas. “Temos dois moradores que nos deram informações que poderiam resultar em prisões, mas não podemos fazer isso, já que ele seria facilmente assassinado. Procuramos saber, e nenhum deles tinha documento. Em um caso, quem ele diz ser mãe dele, nega a maternidade. Fica difícil fazer a filiação.”

Segundo o secretário municipal de Cidadania, Segurança Comunitária e Direitos Humanos, Pedro Montenegro, há indícios da existência da atuação de um grupo de extermínio. “Vamos esperar as investigações para tirar conclusões, mas matar alguém a pedradas não me parece ser uma execução por dívida de drogas”, afirmou.

A Secretaria Municipal de Assistência Social informou que vai realizar um mapeamento das regiões de maior vulnerabilidade social. Na próxima semana haverá uma reunião com diversos órgãos para tratar de ações preventivas aos moradores de rua.

O UOL Notícias tentou obter informações oficiais sobre assassinatos de moradores de rua em 2009 e em anos anteriores, mas o governo alagoano não divulgou. Dados extra-oficiais obtidos pela reportagem apontam que foram cinco mortes violentas no ano passado. A reportagem apurou que estas também estariam sendo investigadas pela força-tarefa montada pelas autoridades alagoanas.