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"Você não faz ideia do pânico da população", diz moradora de Nova Friburgo (RJ)

Flávia Siqueira*

Do UOL Interação<br>Em São Paulo

14/01/2011 17h50

O drama vivido pela população das cidades atingidas pela chuva do Estado do Rio de Janeiro vai muito além das imagens transmitidas pela TV. A jornalista Amine Silvares, 22, moradora da cidade, contou ao UOL que está difícil entrar em contato com amigos e parentes. "Tentei contato por telefone e internet. Já deixei recados em redes sociais, mandei mensagens por telefone... Alguns responderam, mas muitos ainda não deram sinal de vida", relata.

Em busca de notícias

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    Amine Silvares busca, no Twitter, informações de amigos que moram na região

A moradora conta que há muita lama espalhada pelas ruas e está difícil encontrar produtos básicos em supermercados e farmácias. Nas cidades atingidas, são mais de 540 pessoas mortas.

Amine viu de perto o desespero causado pelo boato de que uma represa havia estourado na cidade, que fez com que muitas pessoas corressem em direção a locais mais altos. "Foi muito triste. Desci pra saber o que estava acontecendo e uma mulher me disse, chorando, que uma barreira tinha rompido. Foi um pânico geral."

Leia, a seguir, a entrevista na íntegra com Amine Silvares:

UOL: No seu perfil no Twitter, você relata que não tem notícias dos seus amigos. Como tem sido isso? De que forma tentou contato?
Amine Silvares: Os telefones não estão funcionando direito. Os fixos estavam tranquilos, mas a maioria das pessoas depende de celular, e as redes estão congestionadas. Tentei contato por telefone e internet. Já deixei recados em redes sociais, mandei mensagens por telefone... Alguns responderam, mas muitos ainda não deram sinal de vida. Também recebi notícias por meio de outros amigos.

UOL: Em que bairro você mora? Em casa ou apartamento? Sua região foi muito afetada?
Amine: Moro em Olaria, no segundo andar de um prédio. É na subida de um morro, bem no começo da rua. Minha rua está bem tranquila, mas o bairro foi bastante afetado, principalmente o comércio. As pontes estão condenadas. Olaria é o segundo bairro mais populoso da cidade.  Há muita lama, muito lixo, muito mato.

Saí para trabalhar na quarta-feira, mas não consegui nem sair do bairro. Tinha lama até os meus joelhos. Ontem e hoje não houve expediente.

UOL: Você teve notícias dos seus colegas de trabalho?
Amine: Também não. Meu chefe estava com a mãe internada em um hospital público, e eu não sei como ele está. Tenho colegas de redação que moram em Duas Pedras, um dos bairros mais atingidos, e não consigo falar com eles. Outra colega, grávida, mora na Marques Braga, rua que teve um grande desabamento, e eu não tenho notícias dela.

UOL: Como tem sido sua "rotina" nos últimos dias? Evita sair de casa ou tem andado pelas ruas?
Amine: Saio quando há necessidade. Minha irmã estava fazendo mudança na segunda e na terça, mas não conseguiu terminar por causa da chuva. Os mercados e farmácias estão ficando sem mantimentos nas prateleiras. Na quarta, saímos pra comprar velas. Fomos a quatro bairros, seis mercados e várias farmácias, mas ninguém tinha velas ou pães. Encontrar água também está ficando difícil. Gasolina, pelo que fiquei sabendo, acabou.

UOL: Como está a situação na sua região agora? Tem água? A energia elétrica voltou?
Amine: Ficamos sem luz durante quase 24 horas aqui em Olaria, e vários bairros ainda estão sem energia. Ainda temos água para tomar banho mas, para beber, está difícil. O problema de Nova Friburgo é que a cidade é um "plano inclinado". Tudo aqui é morro...

UOL: Você já havia enfrentado alguma situação parecida, mesmo que em menor proporção, em Nova Friburgo?
Amine: Não mesmo. Moro aqui desde 2006. Em 2007 houve um chuva muito forte, mas não afetou o local em que eu estava. Não afetou grande parte da cidade. Desta vez, foi em praticamente todos os lugares. Aliás, neste ano ainda estavam sendo entregues casas populares para quem perdeu tudo na enchente de 2007.

UOL: Como está o tempo agora na cidade? Está chovendo?
Amine: Não, parou de chover. O tempo está bastante nublado, as nuvens estão baixas. Com certeza vai chover mais tarde. Agora há pouco o sol tentou aparecer, mas não conseguiu.

UOL: E quanto ao boato de que uma represa havia estourado?
Amine: Isso foi muito triste. Você não faz ideia do pânico da população. Eu moro em uma rua que é bem longa, uma ladeira enorme.  De repente, minha mãe, minha irmã e eu, que estávamos na sala, ouvimos gente gritando. Saí correndo pra ver o que era. Havia muita gente subindo a rua e carros passando em alta velocidade para o Cônego, um bairro residencial de classe A.

Eu desci pra saber o que estava acontecendo e uma mulher me disse, chorando, que uma barreira tinha rompido. Quando  olhei para o final da rua, vi umas 500 pessoas subindo o morro, e outras 500 já estavam lá em cima. Foi um pânico geral.

Meu pai, que estava no mercado, disse que pararam dois carros da Defesa Civil no local e pediram para que as pessoas saíssem dali e fossem para as zonas mais altas. Todos deixaram o que estavam fazendo e foram. As sirenes do mercado tocaram; as pessoas deixaram seus carros e compras lá e saíram. Depois de alguns minutos, veio um carro da PM dizer que era alarme falso.

UOL: Você tem percebido algum tipo de apoio mais direto à população? Há algum tipo de orientação nas ruas, por exemplo?
Amine: Sei que a Dilma esteve aqui, assim como o governador. O vice ainda está na cidade. A todo momento passam anúncio de postos de doação na televisão local. Há postos de atendimento no centro da cidade. O Exército já montou os hospitais de campanha. Uma coisa que notei na quarta-feira foi a falta de policiamento. Só vi policiais nas ruas ontem à tarde.

UOL: Quer acrescentar mais alguma coisa? Ou contar algo (uma cena, situação) que tenha te marcado?
Amine: Há muitos bairros sem energia, em que o resgate ainda não chegou. Até onde sei, não temos como sair de Nova Friburgo, nem em direção ao Rio, nem ao interior do Estado. Meus pais estavam em Cambuci [município fluminense] e chegaram aqui ontem. A viagem que leva 2h30 demorou sete horas.

Tenho vários amigos fora de casa, por medo de desabamento. Eles ficam nas casas de parentes. Um amigo disse que viu uma mulher ser levada pela correnteza e morrer afogada. Ele viu o desespero da filha. Foi na Vila Amélia, perto da delegacia. Já morei no mesmo condomínio que ele. O muro caiu e a rua virou um rio.

Uma imagem que me marcou foi a do Hotel Olifas, que ficava na Lagoinha. O bairro está sem acesso, a rua virou um rio e o hotel foi consumido por lama e pedras.

(*Colaborou Marina Rozas Montali)