Pai que esqueceu filha em carro precisa ser "entendido e ajudado", diz psicóloga da USP
Além do indiciamento por homicídio culposo (não intencional), o pai de 47 anos que esqueceu a filha de sete meses dentro do próprio carro nessa quinta-feira (5), em Novo Hamburgo (35 quilômetros de Porto Alegre), terá pela frente um trabalho extenso de superação da tragédia --seja por conta da culpa ou pelos laços familiares que dificilmente serão os mesmos depois da tragédia. A análise é da psicóloga Leila Tardivo, especialista em psicologia clínica e membro do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).
O bebê de sete meses, portador de Síndrome de Down, não resistiu às cinco horas em que permaneceu fechado dentro do veículo e morreu asfixiado. O corpo foi necropsiado nesta sexta (6), mas o laudo ainda não ficou pronto. O pai vai depor à Polícia Civil na próxima segunda-feira (9). Ao Conselho Tutelar, ele relatou ter levado a filha a uma consulta de rotina e, antes de deixá-la na escola, passou no trabalho e acabou ficando. Só lembrou da filha no final da tarde, quando a encontrou já sem sinais vitais.
O caso não é inédito. Em novembro de 2009, uma mulher esqueceu o filho de cinco meses dentro do carro em um estacionamento, na Vila Alpina, na zona leste de São Paulo. A criança ficou no veículo por cerca de quatro horas estacionado no sol. Em janeiro de 2008, em Porto Alegre, uma criança de dois anos morreu asfixiada em um carro. Ela ficou cerca de duas horas trancada no veículo, enquanto o pai estava no trabalho. Mesmo socorrida, ela não resistiu.
Em abril de 2007, na cidade de Guarulhos (SP), um menino de 1 ano e 4 meses foi encontrado morto depois de ter sido esquecido no banco de trás do carro. O pai levou a mulher ao trabalho e voltou para casa, esquecendo a criança no estacionamento do prédio durante toda a manhã. Um ano antes, em abril de 2006, um homem foi indiciado por homicídio culposo por esquecer o filho de 1 ano e 3 meses no carro, em um estacionamento em Santana, na zona norte de São Paulo.
Na entrevista que segue, a psicóloga Leila Tardivo
explica que um ritmo de trabalho extenuante, bem como pressões, cobranças e a troca de valores sociais podem ser fatores que ajudam a compreender o caso. “Não que justifique um esquecimento desses”, ressalva. “Mas que tipo de vida essa pessoa está levando que não sobra espaço na mente para se preocupar ou se interessar por pessoas? Isso não foi de propósito”, afirma.Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida nesta sexta-feira (6) ao UOL Notícias.
UOL Notícias: Criminalmente, segundo a polícia, esse pai será investigado por homicídio. Para a psicologia, o que pode explicar uma pessoa que esquece a própria filha dentro de um local fechado, a ponto de ela morrer asfixiada?
Leila Tardivo:
Acho que esse pai deve estar muito mal, além de o fato gerar problemas sérios nas próprias relações familiares. Isso pode ser excesso de trabalho, estresse demais, cobranças demais, ainda que não justifiquem, mas são possíveis para tentar se compreender que valores nós temos. Todo mundo está com um excesso de interesse voltado para o trabalho, com a energia psíquica nessa direção, ou em outras atividades, e pode estar se dedicando menos a pessoas.UOL Notícias: É possível uma tragédia pessoal e familiar desse porte ser superada a médio ou curto prazo, ou o sujeito vai levar esse trauma para o resto da vida?
Tardivo: Acredito que não devamos julgar um caso como o desse pai, pois essa falta é um buraco que vai ficar para sempre na vida dele, da família, com certeza. Ele pode até superar esse luto --mas acompanhado de muita culpa e também dependendo da capacidade de superação da cônjuge, principalmente, pois é um acidente gravíssimo agravado pelo fato de ser uma criança especial. Como ela pediria socorro? Não tinha como.
UOL Notícias: Que consequências isso pode trazer à vida pessoal e profissional da pessoa?
Tardivo: Ele será julgado, porque a Justiça corre independente das questões psicológicas. Mas acredito que esse pai deveria passar por exames que apontem se está tudo bem com ele --cada um vai ter seu trabalho a fazer, além dele mesmo: psicólogo, psiquiatra... É necessário que ele possa ser entendido e ajudado, e não julgado de antemão.
UOL Notícias: E para um filho que sobreviva a um esquecimento dos pais: também há consequências?
Tardivo: Pode marcar, sim. Há muitos casos de pessoas que sofrem por terem sido esquecidas em escolas, por exemplo, e que desenvolvem um medo grande de serem abandonadas. E nem é tão raro de esses esquecimentos acontecerem, ainda mais em uma cidade do tamanho e com o ritmo de trabalho de São Paulo.
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